
Os antigos romanos tinham uma mitologia rica, e embora grande parte dela fosse derivada dos seus vizinhos e antecessores, os gregos. Mesmo assim, definiu a rica história do povo romano, que acabou por se transformar num império. Os escritores romanos, como Ovid e Virgil, documentaram e ampliaram a herança mitológica do antigo Mediterrâneo, dando-nos figuras tão duradouras e icónicas como Eneias, Vesta, Jano e os gémeos fundadores da própria Roma, Rómulo e Remo.
O objetivo dos Mitos
Antes de mergulhar no estudo da mitologia, é preciso compreender o conceito que está por detrás de um mito. No seu livro Os mitos gregos e romanos: Um guia das narrativas clássicas, Philip Matyszak descreve um mito simples como “a visão que os antigos têm do mundo”. Esses mitos embora muitas vezes apareçam como histórias simples cheias de heróis valentes, donzelas em perigo e uma série de deuses todo-poderosos, são muito mais que isso! Os deuses dos gregos e dos romanos eram antropomórficos, exibindo muitas qualidades humanas, como o amor, o ódio e o ciúme. E por isso, os povos de Roma e da Grécia conseguiam ver a si próprios nestes contos e compreender a sua relação com o resto do mundo, bem como a sua ligação aos deuses. A lição que frequentemente se aprendia era de que era preciso enfrentar o destino com força, determinação e nobreza. Estes mitos permitiam a um indivíduo enfrentar os males e as dificuldades de um universo implacável. Matyszak afirma que apesar dos seus constantes desacordos e batalhas, os deuses e a humanidade tiveram de se manter unidos contra os “monstros e gigantes” do mundo, ou de forma mais simples, as “forças da desordem e da destruição desenfreada”.
Os mitos, sejam eles gregos, romanos ou de qualquer outra cultura, interessavam-se pelo relacionamento entre os deuses e os humanos, diferindo, neste aspeto, dos contos de fadas e dos contos populares. Para todos os povos, de muitas maneiras, os mitos tornaram a vida suportável, proporcionando segurança. Não devem ser facilmente descartados como simples histórias, pois, tanto na Grécia como em Roma, tratavam de questões importantes: a criação do mundo, a natureza do bem e do mal e até mesmo a vida após a morte. E, por isso, estes contos resistiram ao tempo e tornaram-se parte da nossa cultura atual. Basta olhar para os nomes dos nossos planetas para perceber isso: Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter, Saturno, Neptuno, Úrano e até o pobre Plutão têm nomes de deuses romanos.
Origens gregas
Na Grécia, os mitos derivavam de uma antiga e rica tradição oral: A Ilíada e a Odisseia de Homero e a Teogonia de Hesíodo. Estes contos foram transmitidos de geração em geração, primeiro através da palavra falada, e por fim, escritos por volta do século VIII a.C. Quando Roma foi fundada, no século VIII a.C., muitas das cidades e estados gregos já estavam bem estabelecidos. A Grécia tinha mesmo fundado colónias na Península Itálica e na Sicília. Séculos mais tarde, após as quatro guerras macedónias, estas colónias viriam a fazer parte da primitiva República Romana. Este contato com a Grécia, e mais especificamente com a religião grega e a mitologia, teve um efeito duradouro em Roma e no seu povo. Roma pôde adotar muito do que definia a Grécia: arte, filosofia, literatura e teatro. A mitologia, porém, teve de ser adaptada para refletir um conjunto de valores romanos.
A influência dos mitos gregos era visível por toda a parte em Roma; na arquitetura, no tema e nos ornamentos de esculturas, templos e mosaicos. Esta adoção de tudo o que era grego pode ser vista na relação da cidade com a Guerra de Troia, uma guerra que acabou por conduzir ao mais básico da mitologia romana: o nascimento de Rómulo e Remo e a fundação de uma cidade. Enquanto grande parte da mitologia grega era transmitida através da poesia e do teatro, os mitos romanos eram escritos em prosa, proporcionando um senso de história e uma base de tudo o que era romano: os seus rituais e instituições. Na mitologia romana, a diferença entre história e mito era quase indistinguível: Roma era uma cidade de destino e os mitos contavam essa história.
Ovídio
Muitos dos primeiros autores romanos escreveram sobre os mitos de Roma. Ovídio, antes do seu exílio pelo imperador Augusto, escreveu numa era crítica da história romana, politicamente e culturalmente. O imperador esperava restabelecer uma conexão com a antiga religião da República e uma reverência pelos deuses. Ovídio escreveu várias obras centradas tanto no mito como na religião romana - Metamorfoses e Fasti são duas das suas obras mais conhecidas. As suas histórias, embora na maioria gregas, continham nomes romanos. Em Fasti, retratou os festivais dos primeiros seis meses do antigo calendário romano, as lendas dos deuses e a origem de muitos dos seus rituais. Embora a mitologia romana primitiva mantivesse uma profunda ligação com a cidade e a sua rica história, centrava-se numa lenda específica: o nascimento dos seus supostos fundadores: Rómulo e Remo.
A Eneida e Eneias
Enquanto a verdadeira origem de Roma varia de fonte para fonte, tanto histórica como ficcional, um dos primeiros a relatar a história (reminiscente da Odisseia de Homero) foi Virgílio (Vergílio) na sua Eneida, um conto que relata as viagens do seu herói, o guerreiro troiano Eneias. Diz-se que a Eneida é a expressão mais completa da mitologia romana. Na história, o nosso herói, com a ajuda da sua mãe, a deusa Vénus (o seu pai era um mortal chamado Anquises), escapou de Troia com o seu pai e alguns dos seus companheiros soldados antes de a cidade sucumbir completamente aos gregos. Esta história e a sua ligação com a Guerra de Troia deram aos romanos uma ligação à antiga cultura troiana. Note-se que a história do cavalo de Troia é de Virgílio, embora seja mencionada na Odisseia de Homero. Com a ajuda de Vénus, os troianos derrotados abandonam a cidade caída e partem para Itália, onde foi predito que Eneias fundaria uma cidade. Viajaram primeiro para a Grécia e depois, tal como na história de Homero, são desviados da rota. A mulher de Júpiter, Juno, interfere constantemente com Eneias ao longo da história. Aterram na cidade africana de Cartago, onde o nosso herói conhece a bela rainha Dido e, claro, o amor segue-o, e ele depressa se esquece do seu verdadeiro objetivo.
Finalmente, o deus Mercúrio intervém e recorda a Eneias o seu destino, fazendo com que ele e os seus homens deixem relutantemente a África e partam; tragicamente, a rainha Dido se suicida com a perda do seu amado, atirando-se para uma pira em chamas. Ao desembarcar em Cumas, Eneias consulta Sibila, um oráculo, que o conduz ao Hades, onde não só encontra os seus inimigos caídos e a rainha Dido, mas também encontra o seu pai recentemente falecido, que lhe fala da grande cidade que os seus descendentes iriam fundar. Mais tarde, depois de chegarem à foz do rio Tibre, os troianos entram numa guerra com o rei Turno dos Rutulos (mais uma obra de Juno). Vénus apela a Vulcano (a versão romana do grego Hefesto) para que faça novas armaduras e armas para Eneias, tal como tinha feito para Aquiles. Turno é finalmente derrotado e morto num duelo. A paz é finalmente alcançada com o casamento de Eneias com a filha do rei; supostamente Júpiter tinha convencido Juno a terminar a sua guerra com Eneias.
Rómulo e Remo
Os descendentes de Eneias tornaram-se os fundadores da cidade do seu destino: Roma. Segundo a lenda, Rómulo e Remo eram filhos do deus da guerra Marte e de Reia Sílvia, filha do verdadeiro rei de Alba Longa, Numitor. Num golpe de estado, Amúlio derrubou o irmão e, para salvaguardar a sua pretensão ao trono, obrigou Reia a juntar-se às Virgens Vestais. Um dia, Marte viu a jovem Reia nos bosques sagrados e estuprou-a. Ela deu à luz dois filhos que, por ordem do rei Amúlio, foram atirados ao rio Tibre. Uma recente inundação fez com que fossem parar à costa em Ficus Ruminalis. Foram salvos por uma loba, o animal sagrado de Marte (a loba teria sido ajudada por um pica-pau, outro animal sagrado de Marte). Mais tarde, os rapazes foram adoptados por um pastor local chamado Faustulus e a sua mulher Acca Larentia.
Os anos passam e os dois futuros fundadores da cidade tornam-se líderes da sua comunidade, com Remo finalmente indo parar na masmorra do rei. Rómulo salvou o irmão e, com a ajuda de Numitor, depôs Amúlio. Claro que, nessa altura, os rapazes já tinham descoberto a sua verdadeira identidade. Juntos fundaram uma cidade; no entanto, numa disputa sobre os direitos de nomear a cidade, Remus é morto num ataque de ciúmes e a cidade torna-se Roma. Numa versão da disputa, os rapazes concordaram em observar os presságios num voo de pássaros. Rómulo ganhou o direito de nomear a cidade e Remo foi morto (supostamente, Rómulo era favorecido pelos deuses). Rómulo governaria Roma durante quarenta anos.
Deuses e deusas romanos
A mitologia romana, tal como a dos gregos, continha inúmeros deuses e deusas e, devido à influência precoce da Grécia na Península Itálica e ao contato permanente com a cultura grega, os romanos adoptaram não só as suas histórias, mas também muitos dos seus deuses, mudando o nome de alguns deles. Uma exceção a esta prática é o deus Apolo, o único deus cujo nome é comum às duas culturas. Originalmente, antes da sua associação com os gregos, muitos dos deuses romanos estavam mais associados a cultos do que a mitos (como foi o caso do herói grego Héracles, que se tornou o campeão romano Hércules). Grande parte desta mudança deu-se, no entanto, quando os romanos passaram da agricultura para a guerra.
No início do desenvolvimento da mitologia romana, existia Saturno, equivalente ao deus grego Cronos. O seu templo, situado no sopé do monte Capitolino, incluía o tesouro público e os decretos do Senado romano. A tríade de divindades do culto romano primitivo foi recriada como Júpiter, Juno e Minerva; esta última era a santa padroeira dos artesãos e deusa das crianças em idade escolar (mais tarde associada a Atena). Júpiter, o deus do céu, tornou-se mais parecido com o Zeus grego. Júpiter influenciava todos os aspectos da vida dos romanos; o seu templo no Monte Capitolino era o destino final de muitos comandantes militares vitoriosos que deixavam uma parte do seu espólio como oferenda a Júpiter. A sua mulher (e irmã) Juno tornou-se uma reminiscência de Hera, presidindo a todas as facetas da vida das mulheres romanas e, no caso de Eneias, vingativa contra aqueles de quem não gostava.
Igualmente, a deusa do amor Afrodite passou a ser Vénus, nascida das espumas do mar, enquanto os irmãos de Zeus, Hades e Poseidon, passaram a ser Plutão e Neptuno, respetivamente. A grega Ártemis passou a chamar-se Diana, a deusa da caça, enquanto Ares, o deus da guerra, passou a ser Marte, que originalmente tinha sido um deus agrícola associado à primavera, uma época de regeneração (março tem o seu nome). Os comandantes romanos sempre faziam um sacrifício para ele antes de uma batalha. E, por último, não podemos esquecer Hermes, o mensageiro, que se transformou em Mercúrio, uma divindade menor que, em tempos, tinha sido o deus do comércio e do lucro e, como já foi referido, Hércules, a versão romana de Héracles.
Tal como na Grécia, as cidades romanas adoptavam frequentemente a sua própria divindade patronal e construíam templos e realizavam rituais em honra desse deus. E, embora a influência dos gregos seja vasta, os romanos tinham uma série de deuses originais próprios, como Jano, o deus de duas faces das portas e dos portões (os portões da cidade estavam abertos em tempo de guerra e fechados em tempo de paz). Semelhante ao deus etrusco Culsans, Jano podia ver tanto o futuro como o passado. Valorizado pela sua sabedoria, presidia ao início de todos os acontecimentos. Havia também Vesta, filha de Saturno e deusa do coração e da vida familiar, cujos seguidores eram chamados de Virgens Vestais. Embora ligada à deusa Héstia dos gregos, assumiu uma personalidade própria na mitologia romana. Numa, o segundo rei de Roma, fundou um culto dedicado a Vesta. Por último, havia Fauno, o deus da natureza; era venerado como protetor das colheitas, com um festival em dezembro.
Havia também uma série de deuses da água, de importância vital para os agricultores, uma vez que cada rio e nascente tinha a sua própria divindade (Juturna era a deusa das nascentes e da água). Os agricultores tinham de apaziguar estes deuses através de uma série de oferendas. Tibério era o deus do Tibre e todos os anos, a 27 de maio, eram atirados bonecos de palha ao Tibre para o apaziguar. Isto faz lembrar a antiga crença romana nos espíritos - forças sobrenaturais que habitavam tudo à sua volta, incluindo as pessoas. Todos os anos em maio (9, 11 e 13) era celebrado o festival da Lemúria, onde os espíritos dos mortos eram exorcizados. Muitos romanos acreditavam que eram constantemente vigiados pelos espíritos dos seus antepassados.
Embora muitas pessoas pensem apenas nos gregos quando se fala de mitologia, os romanos tinham uma mitologia rica e vibrante. Todos nós já ouvimos, de alguma forma, a história da loba e da sua salvação dos irmãos Rómulo e Remo e, da mesma forma, muitos outros mitos romanos tornaram-se parte da nossa cultura nos dias de hoje. Para os gregos e os romanos, os mitos explicavam quem eram enquanto povo e davam-lhes um sentimento de orgulho nacional, uma compreensão do valor e da honra e uma visão do seu destino.