A moda e o vestuário na Mesopotâmia – roupas, calçados e acessórios – não eram apenas funcionais, mas definiam a condição social das pessoas e se desenvolveram desde as tangas simples do Período Ubaid (cerca de 5000-4100 a.C.) até as túnicas e vestidos coloridos do Império Sassânida (224-651 d.C.). Houve mudança de estilos, mas as formas e funções essenciais permaneceram as mesmas.
Como em qualquer civilização, a classe alta e a nobreza usavam roupas de maior qualidade e valor mais alto e, no Período Dinástico Inicial (2900-2334 a.C.), se não antes, a indumentária identificava a posição social e, muitas vezes, a profissão. Na era pré-histórica, de acordo com a estatuária, homens e mulheres usavam artigos de vestuário bastante simples, possivelmente feitos de plantas, mas, à medida que a civilização se desenvolvia, assim também a moda e o vestuário. O estudioso Stephen Bertman comenta:
Os arqueólogos confirmam que os tecidos estão entre as primeiras invenções humanas. As fibras vegetais vem sendo trançadas, costuradas e pregueadas pelo menos desde a Idade da Pedra Inicial, cerca de 25.000 anos atrás. (289)
Com o tempo, após a domesticação dos animais, a lã se tornou o material básico mais comum para a manufatura de roupas e o couro para os calçados (pelo menos para a classe dominante). Os cidadãos mais ricos podiam custear roupas tingidas com cores vivas, enquanto os mais pobres usavam roupas brancas básicas, embora essas roupas ainda parecessem ter sido ornamentadas com desenhos, da mesma forma que as saias e tangas do Período Ubaid.
Ainda que a Mesopotâmia costume ser mencionada como o local de criação das roupas - apenas uma entre as muitas invenções mesopotâmicas -, vários povos ao redor do mundo parecem ter desenvolvido este conceito de maneira independente. A Mesopotâmia, porém - e, mais especificamente, a Suméria - é a primeira região do mundo a registrar o desenvolvimento das roupas e acessórios através de sua arte. As obras de arte e a arquitetura mesopotâmicas proporcionam evidências do progresso desde os estilos mais simples até os mais complexos, assim como o fato da indumentária "fazer o homem" ao estabelecer a condição social das pessoas.
A Moda Suméria e Acadiana
Tal como acontece com muitos aspectos da vida moderna a que damos pouca importância, o vestuário teve um início, que parece ter sido o ponto no qual as pessoas descobriram a necessidade de se cobrir, conforme observa Bertman:
Conforme a Bíblia, os fundadores da indústria da moda foram Adão e Eva. Quando comeram a maçã e, pela primeira vez, reconheceram sua nudez, eles começaram a costurar folhas de figueira para esconder a verdade nua e crua. Se a Suméria foi a inspiração geográfica para o Jardim do Éden, como muitos acreditam, as primeiras roupas do mundo estavam etiquetadas como "feitas na Mesopotâmia".
As estatuetas do Período Ubaid parecem representar mulheres vestindo tangas simples e, num dos casos, uma saia na altura do tornozelo, sem blusa. No Período Uruk (4100-2900 a.C.), homens e mulheres vestiam kilts até o joelho ou saias até o tornozelo, conhecidas como kaunakes e - conforme as evidências dos selos cilíndricos e estatuária - incluindo acessórios como chapéus, faixas na cabeça e joias. Alguns tipos de calçados são evidentes nas obras de arte - mais provavelmente sandálias - e, em algumas peças, parece que as figuras também vestem calças decoradas sob os kaunakes. A moda da época estendia-se até às coleiras caninas, como demonstrado por um pingente dourado em forma de cachorro (cerca de 3300 a.C.), que traz uma coleira listrada, enquanto que as anteriores parecem ter sido simples cordas.
Na época do Período Dinástico Inicial (embora, conforme observado, possivelmente durante o Período Ubaid) o comprimento do kaunake identificava a condição social dos usuários. A classe baixa, incluindo escravos, usava o kaunake na altura do joelho, enquanto a realeza e a classe dominante preferiam o estilo até o calcanhar. O estudioso Samuel Noah Kramer descreve a moda da época:
Os homens ou estavam barbeados, ou usavam longas barbas e cabelos partidos ao meio. A forma mais comum de vestido era uma espécie de saia com babados, sobre a qual se usavam, algumas vezes, longas capas de feltro. Mais tarde, o quíton, ou saia longa, tomou o lugar da saia com babados. Cobrindo a saia havia um grande xale com franjas, em cima do ombro esquerdo, que deixava o braço direito livre. As mulheres costumavam usar vestidos que se pareciam xales longos e tufados e que as cobriam dos pés à cabeça, deixando somente o ombro direito descoberto. Os cabelos ficavam geralmente partidos ao maio, trançados num grande rabo de cavalo, que por sua vez era enrolado em torno da cabeça. Também usavam com frequência adornos de cabeça elaborados, que consistiam em fitas, contas e pingentes. (Sumérios, 100)
Com base em obras de arte tais como o Estandarte Real de Ur (cerca de 2600 a.C.), constatamos que os reis usavam um longo manto (ou o kaunake na altura do tornozelo, sem camisa), enquanto soldados e atendentes usavam o kaunake curto e uma capa presa no pescoço. Algumas obras de arte também mostram pessoas vestindo uma túnica simples, que parece ter sido presa nos ombros e cingida na cintura. Músicos, dançarinos e outros artistas também vestiam o kaunake curto ou se apresentavam de tanga.
Os acessórios da moda durante esta época incluíam colares e pingentes, usados tanto por homens quanto por mulheres, anéis, brincos, adagas ornamentais, pulseiras e braçadeiras, além de xales com franjas, talvez enfeitados com contas. Tanto homens quanto mulheres usavam perfumes e os sumérios parecem também ter inventado o desodorante, possivelmente já por volta de 3500 a.C. Evidências significativas sobre a moda e os acessórios da classe alta durante o Período Dinástico Inicial surgiram das descobertas feitas no Cemitério Real de Ur por sir Leonard Wooley em 1922, especialmente os associados à rainha Puabi (que viveu por volta de 2600 a.C.), mais conhecida por seus elaborados adornos de cabeça.
A moda do Período Acadiano (2334-2218 a.C.) acompanhou o estilo básico estabelecido pelos sumérios. Os sacerdotes desta época, por exemplo, usavam os mantos até o tornozelo típicos do Período Dinástico Inicial, enquanto os atendentes do templo e do palácio vestiam os kilts mais curtos. Os empregados do templo e do palácio recebiam um subsídio em forma de roupas e, geralmente, vestiam-se melhor do que o povo comum.
A Estela da Vitória de Naram-Sin (reinado 2261-2224 a.C.) mostra o rei com um kaunake semelhante ao usado pelos governantes sumérios e os selos cilíndricos de escribas ou comerciantes trazem roupas parecidas com seus antecessores. O vestuário das mulheres das classes altas parece ter se tornado bem mais ornamentado durante esta época, conforme revelado pelos selos cilíndricos e estatuária. A poetisa-sacerdotisa Enheduanna (2285-2250 a.C.) aparece num vestido até os tornozelos, possivelmente em camadas, e usando um chapéu decorado. Os adornos de cabeça das classes altas nesta época, de maneira geral, parecem ter sido mais elaborados do que em períodos anteriores, conforme visto em peças como a Cabeça de Bronze de um Governante Acadiano, que se pensa representar o pai de Enheduanna, Sargão da Acádia (reinado 2334-2279 a.C.), fundador do Império Acadiano. Pode-se ver na peça uma touca ornamentada sobre uma faixa de cabeça de aparência metálica, o mesmo tipo de adorno representado em selos cilíndricos deste período.
Os calçados consistiam em sandálias ou botas e a prática de usar joias permanecia, tanto para homens quanto para mulheres. A cornalina estava entre as pedras preciosas mais populares, assim como o lápis-lazúli. Ao que parece, as pedras preciosas ornamentavam tanto as roupas quanto calçados e adornos de cabeça.
Períodos Babilônico e Assírio
Os babilônios mantiveram as mesmas formas básicas em seu vestuário, mas com novos acessórios. Seu estilo de vestimenta aparece numa célebre descrição de Heródoto ( c. 484-425/413 a.C.):
Quanto aos trajes, usam os babilônios uma túnica de linho que vai até os pés, e, por cima, outra de lã, envolvendo-se, em seguida, num manto branco. O calçado em moda no país assemelha-se aos dos beócios. Deixam crescer o cabelo, cobrem a cabeça com uma espécie de mitra e perfumam o corpo inteiro. Trazem, cada qual, um sinete e um bastão esculpido com o cabo em forma de maçã, de rosa, de lírio ou de um objeto qualquer, pois não lhes é permitido usar bengala ou bastão sem um ornamento característico. (I.195; Waterfield, 86)
Os reis, como seria de esperar, optavam por vestimentas mais complexas. A estela do Código de Hamurabi, por exemplo, retrata Hamurabi (reinado 1792-1750 a.C.) num longo manto, drapejado sobre seu braço esquerdo, e um adorno de cabeça. A moda estendeu-se aos deuses nesta época e, em frente a Hamurabi, está o deus do sol e da justiça, Utu-Shamash, vestindo um manto com babados e camadas descendentes e um adorno de cabeça mais elaborado. Nesta imagem, as figuras ostentam barbas, mas os babilônios, em geral, preferiam o rosto barbeado.
Os mantos das classes altas e túnicas eram feitos de linho e os das classes mais baixas de lã. O vestuário básico masculino consistia em algum tipo de chapéu, uma túnica simples (com camadas adicionais, se pudesse custeá-la) e sandálias. As mulheres usavam a mesma indumentária básica, com maior ornamentação e variedade em termos de acessórios. Como no passado, o comprimento das roupas indicava o nível social, já que aqueles com mais dinheiro podiam adquirir túnicas ou mantos mais longos. As classes mais baixas da Babilônia, em termos gerais, usavam túnicas curtas ou kaunakes, sem adornos de cabeça, e também não portavam bastões ou bengalas, exceto se o ofício os exigisse. Os sacerdotes continuavam a ser identificados por seus longos mantos e um xale ou manta feitos com a pele de cabra, considerado um animal sagrado.
Homens e mulheres usavam cosméticos – especialmente o kohl sob os olhos -, para proteção contra os raios solares, bem como joias. Como nas culturas mesopotâmicas anteriores, carregavam-se selos cilíndricos como forma de identificação e para selar documentos legais, algumas vezes presos aos mantos ou túnicas. Tanto homens quanto mulheres das classes altas favoreciam roupas franjadas com estampas brilhantes que, devido ao maior tempo de confecção, estavam fora do alcance dos mais pobres.
Os assírios mantiveram o estilo kaunake de vestimenta, mas com maior variedade de cores e ornamentação bem mais sofisticada. O vestuário assírio apresentava decoração e acessórios mais intrincados do que qualquer cultura mesopotâmica anterior. Confeccionavam-se as roupas principalmente com lã, mesmo para os reis, embora o linho fosse utilizado em alguns acessórios das classes altas, como cachecóis. Como os babilônios, os assírios favoreciam vestimentas com franjas e, de acordo com obras escritas - tais como referências no Antigo Testamento da Bíblia - e os pigmentos na estatuária e relevos, com cores igualmente brilhantes. O Livro de Ezequiel, 23:12, por exemplo, descreve os assírios como "vestidos com primor" e a frase "trajes assírios" associou-se à alta moda.
Um aspecto desta sofisticação eram as cores brilhantes, que incluíam púrpura intenso, verde-claro, vermelho vívido, azul-índigo escuro e o amarelo vibrante, todos produzidos a partir de elementos naturais. As túnicas e kaunakes exibiam estampas com imagens ou padrões repetidos, tais como zigue-zagues, pontos, faixas e linhas ao longo das bainhas.
Durante o Período Neo-Assírio (912-612 a.C.) e especificamente durante e após o reinado de Sargão II (722-705 a.C.), os soldados assírios calçavam botas com calções de couro sob o kaunake e uma túnica sob sua armadura, enquanto outros usavam botas ou sandálias e calças de tecido por baixo do kilt, geralmente com alguma forma de camisa ou túnica cingida na cintura. As mulheres das classes altas vestiam longas túnicas e calçados ou sandálias, além de vários tipos de adornos de cabeça. Os acessórios durante este período incluíam os guarda-sóis utilizados por homens e mulheres e que ficaram conhecidos nas imagens de Assurbanipal (reinado 668-627 a.C.), além de brincos, pulseiras, braceletes e colares.
Moda e Vestuário Persa
Os persas levaram a moda mesopotâmica ao auge, começando no Império Aquemênida (cerca de 550-330 a.C.) e, num grau ainda maior do que as culturas precedentes, também utilizavam o vestuário para expressar a condição social e as ocupações. Como um império multicultural, havia muitos estilos diferentes entre os persas (como evidenciado pelos relevos na cidade de Persépolis e em outros locais) mas, essencialmente, cada classe social tinha seu próprio "uniforme", fosse da realeza, clero, militar ou rural. Os sacerdotes vestiam mantos brancos, os comandantes militares e soldados usavam vermelho e os agricultores e pastores caracterizavam-se pela cor azul. O rei ostentava mantos com todas as três cores para simbolizar a soberania sobre todas as classes, ao menos em algumas épocas.
Inicialmente, de acordo com Heródoto, os persas adotaram a moda dos medos e o estilo era conhecido como "vestuário médio", que incluía calçados, calças largas, túnica, manto, joias e um chapéu cônico para as classes altas e, especialmente para o que era conhecido como "vestuário da corte" - ou seja, as melhores roupas para frequentar a corte -, enquanto os mais pobres, em geral, careciam de acessórios para camadas ou tingimento em suas roupas. A moda da classe alta persa definia-se pelo luxo e o "vestuário médio" do Período Aquemênida desenvolveu-se pela adoção de estilos e acessórios de outras culturas. Heródoto observa:
Não há nação que adote tão prontamente os costumes estrangeiros como os persas. Assim, eles adotaram o vestuário dos medos, considerando-os superiores aos seus próprios; e, na guerra, usam a couraça peitoral egípcia. Logo que sabem a respeito de qualquer artigo de luxo, eles instantaneamente o adotam. (I.135)
Os persas de qualquer época entre cerca de 550 a.C. e 651 d.C. vestiam botas ou sapatos, calças, uma camisa ou túnica cingida na cintura, um xale ou capa e algum tipo de chapéu. A moda persa das classes altas baseava-se em camadas de tecido, que destacavam para exprimir a riqueza e poder. As classes mais pobres geralmente usavam o kaunake até os joelhos com uma camisa ou xale. As mulheres vestiam túnicas ou vestidos, algumas vezes cintados, mas sempre dispostos para cobrir o corpo do pescoço aos tornozelos. O vestuário de ambos os sexos era vividamente colorido e ainda mais nas roupas femininas, igualmente bem mais ornamentada ou decorada com padrões vívidos. Algumas vezes, as mulheres usavam véus e as da nobreza, bem como os homens da época tardia do Império Parto (247 a.C. a 224 d.C.) e do Império Sassânida (224 a.C. a 651 d.C.), em especial, favoreciam os mantos de seda.
Conclusão
A moda mesopotâmica também incluía estilos para os cortes de cabelo, manicures e pedicures, aperfeiçoados pelos assírios. Homens e mulheres mantinham seus cabelos cortados, oleados, algumas vezes tingidos, e perfumados, ou, então, raspavam a cabeça para usar perucas. Os perfumes e desodorantes eram feitos com plantas aromáticas fervidas, moídas e misturadas a óleos, que podiam ser bastante dispendiosas, especialmente o olíbano. Conforme já observado, tanto homens quanto mulheres usavam cosméticos, incluindo loções faciais, máscaras, delineadores para os olhos e bálsamo para os lábios
Junto com acessórios tais como joias, cajados, selos cilíndricos e calçados e chapéus ornamentados, a produção de vestuário mesopotâmico tornou-se uma indústria florescente, conforme destaca Bertman:
Devido à abundância de matérias-primas, a diligência dos trabalhadores e a energia dos mercadores, a manufatura têxtil se tornou uma das principais indústrias da Mesopotâmia e uma das fontes primordiais de sua riqueza. Em vez de fábricas, porém, a manufatura de têxteis na Antiguidade era, provavelmente, uma indústria caseira, mas conduzida em larga escala. Ainda que as evidências físicas sejam escassas, teares e rocas estão representadas em obras de arte que sobreviveram. (289)
Dos seus inícios na Suméria, a moda da Mesopotâmia disseminou-se através do Oriente Próximo, mantendo sua forma essencial, ainda que com crescente complexidade em ornamentação e estilo. No final do período sassânida, conforme as obras de arte e arquitetônicas persas e os relatos escritos, a forma básica do kaunake sumério, agora com acessórios, estava em uso desde as regiões da moderna Turquia até as fronteiras da Índia e continuou como modelo para os kilts, camisas e vestuário elegante até a época atual.