Cochonilha

Definição

Mark Cartwright
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 25 agosto 2022
Disponível noutras línguas: Inglês, francês, espanhol
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Portrait of Baronne de Crussol (by Élisabeth Louise Vigée Le Brun, Public Domain)
Retrato de Baronne de Crussol
Élisabeth Louise Vigée Le Brun (Public Domain)

A cochonilha é um corante vermelho brilhante, extraída dos corpos esmagados de insetos parasitas que vivem em cactos nas áreas mais quentes das Américas. Ela representou uma parte importante do comércio na antiga Mesoamérica, na América do Sul e durante toda a era colonial, quando seu uso se espalhou pelo mundo. Ainda hoje, a cochonilha continua sendo usada em alimentos e cosméticos.

Cactos e Insetos

Os insetos necessários para fazer o corante vermelho de cochonilha são as fêmeas do Dactylopius coccus que se alimentam do cacto nopal (também conhecido como cacto pera) em áreas tropicais e subtropicais do continente americano e em algumas terras altas da América do Sul. A produção de cerca de 450 gramas requer cerca de 25.000 insetos vivos ou 70.000 secos. Com apenas alguns milímetros de comprimento, os insetos confundiam as pessoas sobre sua natureza: a maioria os considerava um tipo de minhoca derivada de uma baga que apodrecia. Somente com a chegada do microscópio e o trabalho de Nicolaas Hartsoeker, em 1694, e Anton van Leeuwenhoek, em 1704, a ciência lançou alguma luz a respeito da origem desse brilhante corante vermelho.

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Após a coleta nos cactos, os insetos são submetidos a calor extremo antes do esmagamento - o método preciso e a temperatura empregada ditam a tonalidade de cor do corante resultante, produzido pela presença de ácido carmínico. Os tons do corante variam de laranja a escarlate. Usava-se também o corante da cochonilha puro para produzir outros pigmentos baseados no vermelho, como laca e carmim. Ele se torna particularmente eficaz associado a fibras animais naturais, como seda, pele de coelho, plumas e a lã proveniente de ovelhas, lhamas e alpacas.

Prickly Pear Cactus with Cochineal Insects
Cacto Nopal ou Pera com Insetos de Cochonilha
Jengod (CC BY-SA)

América Pré-Colombiana

Na antiga Mesoamérica, pelo menos desde o século II a.C., cultivava-se os insetos "pintando" ovos nas palmas dos cactos selvagens com uma escova de pelo de raposa. Os insetos maduros eram então apanhados com o emprego de um pequeno instrumento semelhante a uma colher e simplesmente deixados para secar sob luz solar direta ou numa sala aquecida, como uma sauna, armazenados em sacos. Estudos revelaram que, ao longo do tempo, a seleção de insetos maiores e mais produtivos, através da domesticação, levou a uma coloração vermelha ainda mais brilhante do que a disponível na natureza. As áreas de Mixteca, Oaxaca e Puebla destacavam-se pela produção de cochonilha e tanto os astecas quanto os maias produziram, comercializaram e exportaram o corante. Além disso, tratava-se de um dos itens mais valiosos arrecadados como tributo das tribos conquistadas.

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Os antigos mesoamericanos usavam o corante para roupas e como tinta para escrever, ilustrar mapas e na pintura mural. Bons exemplos de murais usando cochonilha podem ser vistos em locais como Monte Albán, capital da civilização zapoteca de c. 500 a.C. a c. 900 d.C. Os documentos em papel de casca de árvore que chegaram até nós, relativos aos tributos, representam a cochonilha como uma pequena bolsa amarrada na parte superior e coberta com pontos vermelhos. Sabemos que se transportava o corante pronto para o consumo em pequenos sacos de couro e que, alternativamente, a matéria-prima de carapaças de insetos secas poderia ser misturada com farinha ou outra substância para fazer bolos achatados que facilitavam o transporte.

Inca Military Tunic
Túnica Militar Inca
Fae (Public Domain)

Para os maias e astecas, o vermelho representava a direção cardeal leste e tinha associações óbvias com o sangue, por exemplo. De fato, na língua náuatle, o corante de cochonilha é chamado de nocheztli, que significa "sangue do cacto de pera espinhosa". Outras regiões produtoras incluem o Equador, Bolívia e o Peru, onde ficou conhecido como magno ou macnu. Os incas o valorizavam muito, já que apreciavam os tecidos finos e tingidos. O vermelho representava um poderoso símbolo de autoridade e pode ser visto, por exemplo, nas impressionantes túnicas usadas pelos guerreiros incas e nas longas vestes vermelhas reservadas aos nobres. O governante inca era a única pessoa autorizada a usar a borla ou franja da cabeça conhecida como mascaypacha, que se destacava pelo vermelho brilhante.

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Para atender uma demanda superior à oferta proveniente de tributos, os colonos espanhóis passaram a cultivar os cactos em plantações de larga escala.

Produção Colonial

Os tintureiros europeus usavam quermes (extraídos do pulgão com esse nome) desde que os fenícios começaram a comercializá-lo, no primeiro milênio a.C., mas não era tão brilhante quanto a cochonilha. Também se empregava a raiz de garança (Rubia tinctorum) para produzir um corante vermelho 45 vezes mais barato do que o quermes (em 1505), mas com um tom mais desbotado e inferior. Nenhum destes concorrentes ou outros, como a cochonilha polonesa (Porphyrophora poloni), a cochonilha armênia (Porphyrophora hameli) ou a laca indiana (Kerria lacca) – todos produzidos a partir de insetos parasitas – podiam competir com o brilho da cochonilha ou sua característica rapidez no tingimento, dez vezes maior do que as melhores opções restantes.

Consequentemente, produzir corante de cochonilha tornou-se um negócio altamente lucrativo na América Espanhola. Ela passou a fazer parte da lista de tributos arrecadados das comunidades conquistadas. Para atender uma demanda superior ao que se fornecia através de tributos, os colonos espanhóis passaram a cultivar os cactos em plantações de larga escala, conhecidas como nopalerias. Tais plantações dominaram áreas no México e logo se espalharam para a Guatemala, incluindo as terras altas ocidentais, as regiões de Totonicapán, Suchitepequez, Guazacapán e no entorno das margens do Lago Atitlán. Também existiam numerosas nopalerias na Nicarágua setentrional.

Mesoamerican Collecting Cochineal
Mesoamericanos Coletando Cochonilha
Unknown Artist (Public Domain)

Requerendo mão de obra intensiva, o processo de fabricação do corante acabou sendo viabilizado no período colonial por meio do trabalho forçado nos sistemas encomienda e repartimiento. O método de coleta pode ser visto em documentos ilustrados como o Tratado Sobre Cochonilha (c. 1599), atualmente no Museu Britânico de Londres. Pode-se ver os trabalhadores supervisionados por um nobre espanhol enquanto escovam ou removem os insetos das folhas largas dos cactos para vasilhas de coleta.

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O historiador B. C. Anderson oferece o seguinte resumo do sucesso inicial e a disseminação geográfica da utilização da cochonilha:

As principais rotas inicialmente vinham da Nova Espanha para Sevilha e depois, após 1520, para Cádiz. Na década de 1540, tinha alcançado a França, Flandres, Inglaterra, Livorno, Gênova, Florença e Veneza. De Veneza ia para o Levante, Pérsia, Síria (especialmente Isfahan, Alepo e Damasco), Cairo e Índia, bem como para Constantinopla e para os portos do Mar Negro e região do Mar Cáspio. Na década de 1570, seguia da Nova Espanha para a Leste da Ásia, via Acapulco e Filipinas. (339)

No início do século XVII, o comércio estava no auge, com cerca de 113-136 toneladas de corante enviadas para a Espanha anualmente. A cochonilha tornou-se, portanto, uma das cargas preciosas das frotas de tesouros espanholas que cruzavam o Atlântico a partir de Veracruz, no México, inicialmente com destino a Havana, em Cuba, e em seguida para a Europa. Nesse período, a cochonilha e os corantes relacionados encontraram seu mercado junto aos insaciáveis fabricantes têxteis europeus. De tão lucrativa, a produção começou a ter limitações. Um documento do cabildo (conselho) de Tlaxcala, no centro do México, datado de 1553, indica que os aristocratas espanhóis locais não estavam nada felizes com a iniciativa de colonos plebeus, que também tentavam coletar os insetos para a produção de corantes por conta própria.

A coleta de cochonilha e as exportações das Américas também cresceram no início do século XVII, após o declínio da produção de cacau, mas enfrentaram uma crise em 1616-18, provavelmente devido a pragas de gafanhotos destruidores de colheitas. Após essa devastação, a produção de cochonilha ficou restrita principalmente às plantações no México, mas continuou sendo uma indústria importante. De fato, no século XVIII, apenas a prata (com liderança folgada) tinha mais valor como artigo de exportação do que a cochonilha. A região de Oaxaca, no México, empregava cerca de 30.000 pessoas na indústria de corantes.

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Cardinal Agostino Pallavicini
Cardeal Agostino Pallavicini
Anthony van Dyck (Public Domain)

Ansiosos para manter os segredos da cochonilha, os espanhóis proibiram a exportação de insetos vivos para fora do Império. Além disso, apenas os portos de Sevilha e Cádiz receberam autorização para importar cochonilha no século XVI. Este monopólio não podia durar, porém, para um produto tão popular. Houve casos de espiões estrangeiros visitando plantações e até furtos de cactos carregados de parasitas, mas as tentativas de produzir cochonilha em larga escala em outros continentes tiveram pouco sucesso. Houve algumas notáveis exceções, como os holandeses na ilha de Java, em meados do século XIX, e os próprios espanhóis, que estabeleceram plantações de produção de cochonilha nas Ilhas Canárias, também no século XIX.

A Busca pelo Escarlate

Sigilosos sobre sua origem e produção, os espanhóis estavam bastante felizes em vender o corante a preços elevados a quaisquer interessados. A capacidade da cochonilha de tingir tecidos com um vermelho mais brilhante e duradouro do que qualquer outro corante atraiu os fabricantes de tecidos, seda e tapeçaria em todo o mundo. Os primeiros grandes mercados incluíram os produtores de tecidos dos Países Baixos e de tapeçarias no norte da França e na Holanda. As sedas e veludos fabricados em Veneza com o emprego da cochonilha tornaram-se famosos, substituindo o antigo "vermelho veneziano", que usava corantes locais mais opacos. A cochonilha foi levada pelos galeões de Manila do México para as Filipinas espanholas e de lá para o restante da Ásia. A China, em especial, tornou-se um grande cliente. Há muito se valorizava a cor vermelha por sua associação com felicidade e prosperidade e, a partir do século XVIII, usava-se essa nova versão mais brilhante para tudo, desde roupas de seda a bandeiras de casamento. O corante também era exportado para o Império Otomano e, em seguida, para o Oriente Médio e Ásia Central, encontrando seu caminho, por exemplo, em tapetes persas. No final do século XVIII, o mundo inteiro rendera-se à cochonilha e este estrondoso sucesso levou a uma confusão generalizada quanto às verdadeiras origens do corante no México e, em menor grau, na América do Sul.

Os artistas preferiam os pigmentos à base de cochonilha em suas paletas por serem brilhantes e translúcidos.

Havia outra razão para o sucesso da cochonilha, além de suas qualidades inerentes tão apreciadas pelos fabricantes de tecidos. O vermelho se tornara o auge da moda. A púrpura de Tiro (também conhecido como púrpura real) era há muito tempo a cor do poder na Europa, graças aos imperadores romanos e bizantinos (e outros), cujas vestes usavam o corante extraído da concha de um molusco da espécie múrex mas, no século XV, com a queda de Constantinopla (1453), interrompeu-se a principal linha de suprimento deste dispendioso corante. A cochonilha, portanto, encontrou uma lacuna enorme e lucrativa no mercado de bens de luxo e roupas que simbolizavam poder, prestígio e riqueza. A púrpura ficou fora de moda e acabou substituída pelo vermelho, escarlate e carmesim. O papa declarou que os cardeais deveriam usar a cor vermelha. Monarcas e nobres seguiram o exemplo e começaram a usar vestes vermelhas de veludo. Em outro exemplo de vermelho simbolizando poder, autoridade e destreza, as famosas jaquetas vermelhas brilhantes usadas pelos oficiais do exército britânico do século XVII ao século XX eram tingidas com cochonilha. Esses uniformes escarlates se tornaram tão emblemáticos que os soldados passaram a ser apelidados de "Casacos Vermelhos" [Red Coats]. Até mesmo em mercados restritivos e altamente tradicionais, como o do Japão, houve incursões da cochonilha. O jimbaori, casaco vermelho decorado com um brasão de família e usado por guerreiros samurais de alto escalão, passou a ser tingido com o uso de de cochonilha no século XIX.

British Red Coat, 1767
Soldado 'Casaco Vermelho' Britânico, 1767
Unknown Artist (Public Domain)

Materiais derivados da cochonilha também podem ser vistos em pinturas da era colonial, não somente no vestuário da elite mas também na tendência, por exemplo, de pintores espanhóis ou flamengos de retratarem seus modelos em pé ou sentados em frente a uma cortina vermelha brilhante, um lembrete da riqueza necessária para possuir tais itens de decoração. Mais adiante, a cochonilha começou a ser usada para retratar os itens originalmente tingidos com o corante. Os artistas da Renascença geralmente a chamavam de carmim ou laca e preferiam estes pigmentos em suas paletas por serem brilhantes e translúcidos. A apreciação pela cochonilha continuou com os artistas posteriores, notavelmente os impressionistas e pós-impressionistas do final do século XIX.

Na Era Moderna

A produção de cochonilha prosseguiu no período pós-colonial no México, Peru e Argentina, entre outros locais. Mesmo nos dias de hoje, a despeito da competição de alternativas sintéticas desde o final do século XIX, mais de 200 toneladas de cochonilha são produzidas anualmente, a maior parte no Peru, México e nas Ilhas Canárias. O corante permanece como ingrediente em muitos produtos alimentícios, particularmente bebidas (identificado como Vermelho E120) e aparece também na medicina, cosméticos e histologia, neste último caso para colorir amostras em lâminas de microscópio. Na atualidade, muitos artistas ao redor do mundo preferem as propriedades superiores da cochonilha para seus tecidos fabricados à mão com matéria-prima natural.

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Perguntas e respostas

Do que o corante cochonilha é feito?

O corante cochonilha é produzido a partir dos corpos esmagados de insetos parasitas que se alimentam de certos cactos.

Para que a cochonilha era usada?

A cochonilha era usada para fazer um corante de tecidos e como pigmento utilizado por artistas. Ainda tem uso como agente corante natural, particularmente em bebidas e cosméticos.

O que há de especial com a cochonilha?

O corante cochonilha era muito valorizado porque é muito mais brilhante e mais duradouro do que qualquer outra alternativa natural.

Bibliografia

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Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é um escritor a tempo inteiro, investigador, historiador e editor. Os seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações partilham. Tem um mestrado em Filosofia Política e é o Diretor Editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2022, agosto 25). Cochonilha [Cochineal]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-21002/cochonilha/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "Cochonilha." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação agosto 25, 2022. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-21002/cochonilha/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "Cochonilha." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 25 ago 2022. Web. 10 out 2024.