Thomas Cranmer

Definição

Mark Cartwright
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 15 Maio 2020
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Disponível noutras línguas: Inglês
Thomas Cranmer (by Gerlach Flicke, Public Domain)
Thomas Cranmer
Gerlach Flicke (Public Domain)

Thomas Cranmer, o primeiro protestante a ser nomeado Arcebispo de Canterbury (Cantuária) de 1533 a 1555, foi um dos principais arquitetos da Reforma Inglesa durante os reinados de Henrique VIII da Inglaterra (r. 1509-1547) e Eduardo VI da Inglaterra (r. 1547-1553). Ele supervisionou mudanças como a condução de cerimônias religiosas em Inglês, ao invés do Latim, a remoção de altares e iconografia das igrejas e o fechamento de monastérios (mosteiros). O arcebispo também escreveu e publicou um novo e influente Book of Common Prayer (livro de rituais e orações). Quando a católica Maria I da Inglaterra (r. 1553-1558) reverteu a Reforma e restaurou o catolicismo, Cranmer terminou sendo uma das principais vítimas, sendo queimado na fogueira em Oxford, em 1556.

Vida Pregressa

Thomas Cranmer nasceu em Nottinghamshire em 1489. Como o caçula de um fidalgo local, a carreira eclesiástica era a escolha óbvia após a conclusão de seus estudos na Universidade de Cambridge. Foi lá que Thomas se interessou pelo movimento protestante que estava se espalhando pela Europa e se associou ao grupo radical "Cavalo Branco", que tinha o mesmo nome da taverna onde se reuniam.

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Ele se tornou mais conhecido por volta de 1529, quando serviu como capelão do Conde de Wiltshire, um certo Thomas Bolena. A filha de Bolena, Ana, iria casar-se com Henrique VIII e o futuro arcebispo iria desempenhar um papel crucial para a permissão desta união. Em 1530, Cranmer foi nomeado embaixador na corte de Carlos V, o Imperador do Sacro Império Romano (r. 1519-1556). Enquanto estava no exterior, ele se casou secretamente com a sobrinha de um luterano proeminente de Nuremberg.

Cranmer foi escolhido por Henrique VIII como o sucessor de William Warham no Arcebispado de Canterbury em 30 de Março de 1533.

A "Grande Questão" de Henrique VIII

Henrique VIII tinha um sério problema: precisava de um herdeiro masculino. Ele desposara, após arranjos de seu pai, Henrique VII da Inglaterra (r. 1485-1509), a princesa espanhola Catarina de Aragão (1485-1536), principalmente por razões diplomáticas. Durante o matrimônio, ela dera a Henrique apenas uma filha e parecia agora ter passado da idade para oferecer qualquer perspectiva nesse sentido no futuro. Henrique ficou atraído pela mais jovem e atraente dama de companha Ana Bolena (c. 1501-1536), mas a Igreja Católica não permitia o divórcio. Assim, o rei necessitava de uma permissão especial do Papa para ter seu casamento anulado. Seu principal argumento para alcançar esse objetivo era o de que o matrimônio jamais deveria ter acontecido em primeiro lugar, já que Catarina tinha se casado antes com seu irmão mais velho, Arthur. O Papa não concordou e o rei, aconselhando-se com Cranmer, tomou a decisão radical de separar a Igreja da Inglaterra de Roma e fazer de si próprio seu chefe. Desta forma, Henrique teria mais liberdade de manobra naquilo que denominou sua "Grande Questão"'. O arcebispo dera ao monarca a ideia de que o divórcio não deveria ser considerado uma questão legal, mas de moralidade. Além disso, como a Bíblia não fazia menção a Papas, suas opiniões a respeito não deveriam ser comparadas às dos reis, que tinham recebido o direito divino de governar. Como Henrique comentou a respeito de Cranmer, "aquele homem semeava pelo ouvido certo." (Starkey, 291)

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Henry VIII by Joos van Cleve
Henrique VIII por Joos van Cleve
Joos van Cleve (Public Domain)

O rei precisava de um braço direito para levar adiante a reforma da Igreja e o arcebispo era o candidato ideal. Bem-educado, inteligente, leal e moderado, Cranmer tornou-se a figura mais proeminente da facção pró-Reforma na hierarquia da Igreja da Inglaterra, que pressionava sem descanso por mudanças moderadas inspiradas nos luteranos. Ele escreveu um livro em 1529 que dava apoio à posição de Henrique na sua busca pela anulação do seu primeiro casamento. De 1531 em diante, havia servido como capelão pessoal de Henrique. Assim, não foi surpresa sua nomeação como sucessor de William Warham no Arcebispado de Canterbury em 30 de Março de 1533, uma indicação aprovada pelo Papa após pressões diplomáticas. Warham não tinha sido muito favorável às reformas do rei, mas Cranmer iria provar-se leal ao monarca até o fim.

Ele anulou devidamente o casamento de Henrique em 23 de Maio de 1533. O Ato de Sucessão (30 de Abril de 1534) tornou ilegítima a filha de Catarina, Maria. Antes destas importantes decisões, Cranmer havia presidido a cerimônia de casamento secreta de Henrique com Ana Bolena, em 25 de Janeiro de 1533. Infelizmente, Ana iria em breve cair em desgraça junto ao monarca. Três abortos e uma relação cada vez mais tempestuosa entre os dois levou Henrique a buscar por um herdeiro em outro lugar. O olhar do rei foi atraído por outra dama de companhia, uma certa Jane Seymour. Ana foi acusada de adultério e o casamento anulado por Cranmer em 17 de Maio de 1536. Após um período de confinamento na Torre de Londres, Ana Bolena foi decapitada em 19 de maio de 1536. Henrique não perdeu tempo em absoluto, casando-se com Jane Seymour em 30 de Maio. Ela finalmente deu ao rei um filho legítimo, Eduardo, nascido em 12 de Outubro de 1537, mas faleceu logo após o parto.

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Após um curto e desastroso matrimônio com Ana de Cleves (1519-1557) em 1540, o rei imediatamente conseguiu a esposa número cinco, Catarina Howard (c. 1523-1542), outra jovem e atraente dama de companhia da corte. Infelizmente, verificou-se que Catarina mostrava um comportamento amoral, tanto antes quanto durante o casamento. As notícias de sua reputação escandalosa foram levadas ao rei por Cranmer, que havia entrevistado Mary Lascelles, uma companheira de Catarina quando esta vivia em Norfolk. A princípio, Henrique não acreditou, mas o arcebispo retornou com amplas evidências e o destino de Catarina estava selado – foi decapitada na Torre em Fevereiro de 1542. No ano seguinte, Henrique desposou sua sexta e última mulher, Catarina Parr (c. 1512-1548), em 12 de Julho de 1543.

Ruins of Whitby Abbey
Ruínas da Abadia Whitby
Afshin Darian (CC BY)

A Reforma Ganha Impulso

Enquanto o rei se ocupava com sua vida privada, trocando de esposas, a Reforma ganhava impulso. O Ato de Supremacia de 28 de Novembro de 1534 declarou formalmente que o rei era o Chefe da Igreja na Inglaterra, substituindo o Papa nesta destacada posição. Cranmer apoiou inteiramente esta iniciativa e a próxima, a Dissolução dos Monastérios. Em 1536 Henrique apresentou ao Parlamento uma lei para abolir todos os mosteiros em seu reino. A lei foi aprovada e as propriedades destas instituições foram redistribuídas para a Coroa e para os apoiadores de Henrique. Os abades de Glastonbury, Colchester, Reading e Woburn, que tentaram resistir, acabaram enforcados e o último monastério a fechar foi a Abadia de Waltham, em Essex, em Março de 1540. Entretanto, Henrique encontrou nesta região seu primeiro e maior obstáculo às reformas da Igreja. Uma insurreição contra os fechamentos começou em Lincolnshire e então se espalhou para Yorkshire e outros condados setentrionais em Outubro de 1536. Estas rebeliões, que envolveram mais de 40.000 manifestantes, são conhecidas como a "Peregrinação da Graça" e um de seus objetivos específicos era a renúncia de Cranmer. Porém, após se deparar com um exército real e receber falsas promessas de perdões e de um retorno às práticas católicas, os manifestantes dispersaram pacificamente; muitos dos líderes seriam executados no ano seguinte.

As consequências do fracasso em bloquear os Seis Artigos foram pessoais para Cranmer, obrigado a se divorciar de sua esposa.

Henrique e Cranmer prosseguiram apesar dos protestos. O Ato dos Dez Artigos de 1536 introduziu princípios inspirados no luteranismo nas práticas e doutrinas da igreja inglesa. Outras reformas incluíram a publicação de uma tradução da Bíblia em Inglês em 1539, na qual o arcebispo escreveu o prólogo. É importante lembrar, no entanto, que Henrique não estava totalmente voltado para a reforma da doutrina da Igreja; seu compromisso com práticas católicas tradicionais, tais como a missa, confissão e o celibato clerical é evidenciada no Ato dos Seis Artigos, também de 1539. De fato, ambos nem sempre estavam de acordo, já que o arcebispo não considerava o rei comprometido o suficiente com as reformas - ainda que o próprio Cranmer não fosse um extremista. Porém, ele se posicionou contra o Ato dos Seis Artigos porque era conservador demais e garantia muitas práticas tradicionais católicas. Os Seis Artigos eram resultado da pressão da facção rival na hierarquia da igreja, os católicos conservadores liderados por Stephen Gardiner, o Bispo de Winchester. As consequências do fracasso em bloquear os Seis Artigos foram pessoais para Cranmer, que teve de se divorciar de sua esposa (ela voltou para a Alemanha para viver com parentes). Ele também apresentou sua renúncia do cargo, que não foi aceita.

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As Reformas de Eduardo VI

Quando Henrique morreu de causas naturais em Janeiro de 1547, foi sucedido por seu jovem herdeiro, Eduardo. Cranmer estava de volta ao topo e, como Arcebispo de Canterbury, foi quem coroou o rei-garoto na Abadia de Westminster, em 20 de Fevereiro de 1547. Eduardo e seus dois sucessivos regentes (em tudo, menos no nome) Edward Seymour, Duque de Somerset (c. 1500-1552) e John Dudley, Conde de Northumberland (1504-1553), prosseguiram com a Reforma com mais vigor do que o demonstrado por Henrique VIII.

Em 1547, Cranmer divulgou seu Livro de Homilias, uma coleção de sermões prontos para uso em cerimônias religiosas. Ele também lançou seu novo Book of Common Prayer (livro de rituais e orações), em Inglês, no ano de 1549, tornado compulsório através do Ato de Uniformidade aprovado no mesmo ano. O livro de orações foi atualizado com uma ruptura ainda mais radical do catolicismo em 1552, com a rejeição da ideia da transubstanciação (segundo a qual os elementos da Eucaristia, o pão e o vinho, transformam-se no corpo e no sangue de Jesus Cristo). O termo Protestantismo começou a ser utilizado de forma corrente pela primeira vez. Iconografia, murais e vitrais foram removidos das igrejas e as cerimônias passaram a ser conduzidas em Inglês, não mais em Latim. Os altares católicos foram substituídos por mesas de comunhão. A adoração de santos era desencorajada. Os padres receberam a permissão de se casar. As guildas religiosas foram suprimidas, aboliram-se as doações para a realização de missas pelas almas dos mortos e as terras da igreja acabaram confiscadas. As riquezas obtidas, com frequência, iam diretamente para os bolsos da nobreza.

Thomas Cranmer Posthumous Portrait
Retrato Póstumo de Thomas Cranmer
Unknown Artist (Public Domain)

Houve protestos, assim como havia ocorrido a respeito da Dissolução dos Monastérios. Novamente, a mistura de uma situação econômica precária para muitos e os ressentimentos pelas mudanças na tradicional vida paroquial levaram a uma nova rebelião, desta vez em Cornwall e em seguida em Norforlk, em 1549. A última, denominada Rebelião Kett por causa de seu líder, Robert Kett, foi mais séria mas acabou esmagada sem piedade com o massacre dos rebeldes em Dussindale, no mês de Agosto. A Reforma prosseguia sem descanso, com mais práticas "papistas" banidas, tais como a eliminação dos elementos mais vistosos das vestimentas do clero e a abolição das preces para os mortos.

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Maria "Sangrenta" e o Ressurgimento do Catolicismo

Quando Eduardo morreu de tuberculose em Julho de 1553 e após Cranmer ter conduzido as cerimônias funerárias, houve uma breve e mal sucedida tentativa de John Dudley e do arcebispo de instalar a prima do rei, Lady Jane Grey (1537-1554) como rainha. Lady Jane adotava fielmente o protestantismo, mas o apelo mais amplo de Maria, filha de Henrique VIII e meia-irmã de Eduardo, foi fatalmente subestimado. Maria representava a legitimidade e a continuidade da dinastia Tudor e foi colocada no trono com a aprovação tanto dos plebeus quanto da nobreza. Para Cranmer, o problema residia no fato de que Maria, como sua mãe, Catarina de Aragão, era uma católica fanática. Maria I da Inglaterra iria governar por somente cinco anos - tempo suficiente para varrer toda a legislação reformista aprovada por seus predecessores desde 1529.

As políticas antirreformistas de Maria se defrontaram com dois problemas. O primeiro residia no fato de que os nobres estavam pouco dispostos a devolver as propriedades que haviam recebido da Igreja sob os dois últimos reis. O segundo era que Maria queria se casar com o Príncipe Felipe da Espanha (1527-1598) e muitos temiam que a Inglaterra pudesse ser absorvida dentro do imensamente rico e poderoso Império Espanhol. Houve também outra insurreição de grande porte, a Rebelião Wyatt, em Kent, no mês de Janeiro de 1554, liderada por Sir Thomas Wyatt (1521-1554). Os manifestantes queriam o fim do "Casamento Espanhol", mas talvez, secretamente, o que realmente desejavam era substituir Maria por sua meia-irmã protestante, Elizabeth. Certamente, a rainha considerou o segundo motivo mais relevante e, assim, em primeiro lugar mandou executar Lady Jane Grey em Fevereiro de 1554. Em seguida, prendeu Elizabeth na Torre de Londres e continuou a executar protestantes proeminentes. Esta última política granjeou à rainha seu apelido "Bloody Mary" ("Maria Sangrenta") e pressagiou o final da longa carreira de Thomas Cranmer.

Execution of Thomas Cranmer
Execução de Thomas Cranmer
J. Williams (Public Domain)

Prisão e Execução

Como qualquer pessoa em uma posição de poder, Cranmer tinha seus inimigos e críticos. Havia os que pensavam que suas reformas tinham longe demais, enquanto outros estavam desapontados por não terem avançado o suficiente. Também existiam acusações sobre mudanças em relação às suas posições sobre temas eclesiásticos ao longo de sua carreira. Como um bispo certa vez indagou "No que você acredita, e como você acredita, meu senhor?” (Brigden, 189). Entretanto, tais questionamentos ignoram a complexidade das mudanças na Igreja e a realidade prática da política sob os Tudors, o que significa que Cranmer, com frequência, tinha de satisfazer e equilibrar a demanda tripla do monarca, da Igreja e de sua própria consciência. De todos os seus críticos, um inimigo em particular mostrou-se letal: a Rainha Maria.

Thomas Cranmer foi preso por ordens de Maria em Setembro de 1555 por heresia e confinado na Torre de Londres. A noção do arcebispo de que os reis tinham a suprema autoridade em tudo agora vinha assombrá-lo: Maria tinha manifestado sua vontade. Em seu julgamento, Cranmer foi forçado a admitir que ele poderia não obedecer a um monarca cuja religião ele se opusesse e, portanto, considerado culpado de traição. O arcebispo terminou por renegar o protestantismo e teve de fazê-lo em público, antes de sua execução em Oxford. Maria não pôde resistir à tentação de ministrar um último golpe no homem que havia divorciado sua mãe de Henrique e a deserdado de seus direitos de nascença. Entretanto, percebendo a loucura de repudiar suas próprias convicções religiosas, Cranmer aproveitou uma oportunidade final para reverter o espetáculo pretendido pela monarca. Em 21 de Março de 1556, ele foi conduzido à fogueira na qual seria executado mas, antes de subir ao patíbulo, ele enfiou sua mão direita nas chamas e gritou que fazia aquilo porque aquela era a mão com a qual havia pecado ao assinar sua própria retratação religiosa. Com uma ação brutal, Cranmer tinha salvo sua reputação e dado esperanças aos protestantes de que a luta estava longe do fim.

De certa forma, ele riu por último, já que quando Maria morreu de câncer em Novembro de 1558 foi sucedida por Elizabeth Tudor, coroada Elizabeth da Inglaterra em 15 de Janeiro de 1559. A nova rainha iria restaurar o protestantismo na Inglaterra e, desta vez, de forma definitiva.

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Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Ricardo é um jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é autor, pesquisador, historiador e editor em tempo integral. Seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações compartilham. Ele possui mestrado em Filosofia Política e é diretor editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2020, Maio 15). Thomas Cranmer [Thomas Cranmer]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-18946/thomas-cranmer/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "Thomas Cranmer." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação Maio 15, 2020. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-18946/thomas-cranmer/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "Thomas Cranmer." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 15 Mai 2020. Web. 24 Abr 2024.