As Reformas de Sula como Ditador

Artigo

Jesse Sifuentes
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 06 dezembro 2019
Disponível noutras línguas: Inglês, francês, italiano
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Lúcio Cornélio Sula (v. 138-78 a.C.) promulgou suas reformas constitucionais (81 a.C.) como ditador para reforçar o poder do Senado Romano. Ele nasceu numa era bastante turbulenta da história de Roma, com frequência descrita como o começo da queda da República. O clima político estava marcado pela discórdia civil e crescente violência política, na qual a votação na Assembleia era por vezes resolvida com o uso de gangues armadas. Havia duas facções principais e opostas na política romana: os Optimates, que enfatizavam a liderança e papel proeminente do Senado, e os Populares, que geralmente defendiam os direitos do povo.

Lucius Cornelius Sulla
Lucio Cornélio Sula
Mary Harrsch (Photographed at the Palazzo Massimo, Rome) (CC BY-NC-SA)

Neste período conturbado, o poder senatorial foi reduzido e progressos significativos foram feitos para os direitos da população menos favorecida, particularmente através da magistratura dos tribunos da plebe, criados especificamente para serem guardiões do povo. Sula era um Optimate e após sua ascensão ao poder, proclamou-se ditador e aprovou várias reformas para a constituição, com o objetivo de revitalizar e restaurar o poder dos senadores ao de épocas anteriores. Apesar da curta duração de suas reformas, seu legado teve grande influência na política romana dos anos finais da República, até o fim desta em 27 a.C..

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Sula e a República Romana Tardia

Sula nasceu numa antiga família patrícia e, portanto, podia rastrear sua ancestralidade até os primeiros senadores apontados por Rômulo, o fundador de Roma. Parte do cursus honorum, a tacitamente aceita carreira política, era servir como oficial do exército antes de ser capaz de concorrer a cargos públicos. Por intermédio de sua condição de patrício, Sula foi eleito para a magistratura júnior, como um quaestor (questor), em 108 a.C., mesmo sem ter atuado no exército. Ele ganhou renome como um excelente comandante e negociador ao servir sob as ordens do cônsul Caio Mário (v. 157-86 a.C.), um Populare eleito para extraordinários cinco consulados de 104 a 100 a.C., - nas Guerras Jugurtinas (112-106 a.C.). Um desacordo entre Mário e Sula sobre quem seria o verdadeiro responsável pela captura do rei da Numídia, Jugurta, foi a primeira semente do ódio entre os dois que iria levar Roma à sua primeira grande guerra civil.

O sucesso militar na Guerra Social tornou Sula imensamente popular e resultou em sua eleição como cônsul.

Sula foi eleito praetor urbanus (pretor urbano) em 97 a.C. e governou a província da Cilícia, na Ásia Menor, no ano seguinte. O Senado ordenou-lhe que reinstalasse o Rei Ariobarzanes - um amigo de Roma - de volta ao trono da Capadócia. Ele havia sido expulso do país por Mitridates VI, Rei do Ponto (120-63 a.C.), que empossou seu próprio filho como o novo rei capadócio. Sula foi bem-sucedido e chegou a ser aclamado por seus soldados como imperator (comandante vitorioso).

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Neste período tardio da República, os italianos reivindicavam, como faziam há muito tempo, a cidadania romana e igualdade na política e nos espaços de poder. Os romanos tinham o hábito de acenar com a cidadania para a população italiana, mas nunca chegavam ao ponto de aprovar uma legislação a respeito. Esta discórdia civil chegou a um ponto crítico em 91 a.C., o início da Guerra Social - o confronto entre Roma e os italianos que resultou na concessão da cidadania em 89 a.C., após baixas massivas em ambos os lados. Durante a Guerra Social, Sula conquistou um comando independente sobre as legiões da Itália Meridional, onde sitiou a cidade italiana de Pompeia e conseguiu se defender com sucesso dos exércitos enviados para auxiliar os sitiados. Ele lutou com valentia e seus soldados concederam-lhe a Coroa de Ervas (corona graminea), a mais alta honra militar. O sucesso militar o fez imensamente popular em Roma e resultou na eleição como cônsul de 88 a.C..

Mário vs. Sula

Durante seu consulado, Sula recebeu o comando das legiões para enfrentar o rei Mitridates VI do Ponto, um dos inimigos mais formidáveis de Roma, que estava causando devastação no leste. Após conquistar um império e cercar-se de aliados, Mitridates ordenou a todas as cidades dos seus territórios asiáticos que matassem os romanos e italianos. Nem mesmo mulheres e crianças foram poupadas. Mas antes que Sula pudesse embarcar rumo ao leste, Mário e seu aliado, Sulpício, usando gangues armadas e 600 cavaleiros como guarda-costas, "convenceram" a Assembleia a retirar o comando oriental de Sula e transferi-lo para o próprio Mário. O novo comandante enviou dois tribunos militares para assumir o comando do exército de Sula.

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Num dos momentos mais decisivos da história de Roma, Sula então pronunciou um discurso aos seus soldados que não tinha cunho militar, mas sim político, no qual incitou os 35.000 legionários, que ficaram revoltados com o relatos dos atos cometidos contra o general e, supostamente, contra eles próprios. O leste era conhecido por seus riquezas sem-fim e Mário estava roubando o abundante saque oriental que poderia ser deles. O instigante discurso do general alcançou seu objetivo e, agora, as legiões eram leais apenas a Sula. Quando os tribunos de Mário finalmente chegaram, os soldados os assassinaram. A seguir, marcharam em direção a Roma para retomar o que seria deles por direito. Perguntado sobre as razões pelas quais ele ordenava que os soldados marchassem contra seu próprio país, Sula replicou que "para libertá-la [a pátria] dos tiranos". Primeira pessoa a conquistar Roma, Sula revogou as ações de Mário e Sulpício e renomeou-se como cônsul. Ele e suas legiões tinham o cobiçado comando oriental novamente e Mário foi forçado a fugir de Roma.

Vatican Bust of Gaius Marius
Busto do Vaticano de Caio Mário
Marie-Lan Nguyen (CC BY)

Enquanto Sula estava no Leste, sua estratégia consistia em remover o controle de Mitridates VI sobre a Grécia e ele sitiou Atenas no inverno de 87-86 a.C.. Nesta época, teve notícias de que Mário e sua facção haviam recapturado Roma e aprovado um decreto que o declarava inimigo público. Mário cortou o financiamento da campanha de Sula, que foi obrigado a taxar os gregos para custear seus gastos. Repentinamente, Mário morreu de pneumonia em em Roma (86 a.C.). Sula permaneceu no Leste, finalmente capturou Atenas, venceu a Batalha de Queronéia (86 a.C.) e a Batalha do Orcomeno (85 a.C.), expulsando Mitridates e retomando o controle romano sobre a Grécia. Em seguida, dedicou-se a apaziguar e organizar a província da Ásia até retornar a Roma, em 83 a.C. e confrontar a facção de Mário na primeira guerra civil romana.

O Senado, destituído de toda a oposição, foi forçado a aceder e nomear Sula como ditador para criar leis e ajustar a constituição.

Sula e suas legiões varreram a Itália, persuadindo as legiões inimigas a desertarem e derrotando no campo de batalha aquelas que não o fizeram. Ele demonstrou grande clemência no perdão a pessoas e cidades que decidiam mudar de lado. Porém, ao chegar vitorioso a Roma, ele deixou a persona misericordiosa de lado e proscreveu (proscriptio) seus inimigos. As proscrições eram tabuletas com os nomes das pessoas que deveriam ser mortas, com direito a recompensa, e ter suas terras confiscadas. No final, cerca de cem senadores e mais de mil cavaleiros pereceram.

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Agora que tinha eliminado a oposição, o que restou do Senado anulou o decreto que o tinha declarado inimigo público e determinou que uma estátua de Sula deveria ser erguida em frente ao Fórum. Com o objetivo de legitimar sua autoridade, Sula sugeriu então que revivessem o antigo cargo de dictator (ditador). Fazia 120 anos desde a última vez que Roma tivera uma ditadura. O Senado, destituído de toda a oposição, foi forçado a aceder e nomear Sula como ditador para criar leis e ajustar a constituição. Ditadores eram somente nomeados em tempos de grande emergência, quando não havia outra opção a não ser confiar toda a autoridade e poder a uma única pessoa para salvar Roma. No passado, o mandato do ditador limitava-se a seis meses, com poder irrestrito. Podiam decidir sobre vida e morte, declarar guerra e paz, nomear ou destituir senadores, assim como a autoridade para fundar e destruir cidades. Porém, Sula não tinha um limite de tempo para sua ditadura e, portanto, poderia demorar o quanto precisasse para ajustar a constituição.

Reformas na Constituição

Agora ditador, Sula apareceu perante o Senado com os poderes de um rei. Vinte e quatro fasces eram mantidos diante dele como um ditador, o mesmo número dos antigos reis. Talvez a mais importante reforma de Sula tenha sido a severa redução do poder e prestígio dos tribunos da plebe. Os tribunos tinham sido criados originalmente como guardiões do povo. Sua autoridade legal (potestas) era vasta e, devido ao progresso sem precedentes feito pelos tribunos Populares, tais como Tibério Graco em 131 a.C. - que ignorou o Senado e apresentou a proposta de reforma agrária diretamente à Assembleia -, seus poderes haviam crescido ainda mais.

Sula buscou reverter estes avanços, estabelecendo que um tribuno deveria requerer permissão do Senado antes de apresentar uma lei para votação. Além disso, retirou o fundamental poder de veto inerente ao cargo, removendo também a atração e prestígio que pudesse exercer junto aos políticos. Ele decretou que quem ocupasse o cargo de tribuno não poderia exercer outra magistratura. Compreensivelmente, a posição passou a ser evitada por qualquer um que quisesse ganhar reputação política. O antes grandioso cargo de tribuno, com todo o seu antecedente histórico de guardião do povo, tornava-se uma sombra do que havia sido.

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Sulla
Sula
Carole Raddato (CC BY-SA)

Sula também formalizou o cursus honorum. Ele proibiu a candidatura do cargo de praetor para qualquer um que não tivesse sido eleito antes para o posto de quaestor e, da mesma forma, para se candidatar a cônsul seria necessário antes ser praetor. Também foi vedada a ocupação da mesma magistratura de forma consecutiva. Em vez disso, o candidato deveria esperar dez anos antes de ocupar o mesmo cargo novamente. O ditador, além disso, decretou que deveria haver um intervalo de dois anos entre magistraturas. O número de quaestors subiu para vinte e o de praetors para oito. A elevação do número de magistrados era necessária para governar e administrar um império sempre crescente.

Outra reforma de Sula visou aos governadores provinciais, estabelecendo que eles não poderiam prorrogar seus mandatos, evitando de forma significativa as oportunidades de reunir exércitos pessoais que pudessem ser utilizados contra rivais políticos ou a própria Roma, como o próprio ditador havia feito. Devido ao aumento do número de magistrados, os governadores não precisavam ficar nas províncias por muito tempo, já que outros cargos estariam disponíveis para serem ocupadas após o mandato de um ano. Além disso, se um governador abusasse ou excedesse seus poderes, poderia ser julgado no Tribunal de Traição (maiestas).

Como o Senado se esvaziara por causa da guerra, sem contar as proscrições, Sula dobrou o número de senadores de 300 para 600. A Casa se estava reduzida a cerca de duzentos membros, e, portanto, surgiam agora 400 cadeiras vagas disponíveis. Ele próprio nomeou muitos dos novos senadores de um grupo de cavaleiros que considerava merecedores. Para as vagas restantes, buscou recomendações de várias pessoas, criando um enorme contingente de senadores agradecidos por sua elevação social. O Senado ganhou poder e se fortaleceu em números.

The Curia
A Cúria
Chris Ludwig (Copyright)

Numa das reformas mais importantes, o ditador restabeleceu o poder senatorial nos tribunais. Os júris de tribunais representavam uma ferramenta política extremamente poderosa. Um Populare queria um júri composto por cavaleiros e um Optimate desejava um formado por senadores. Se os senadores compusessem um júri, então, como seria de se esperar, eles raramente considerariam seus colegas culpados. Porém, os jurados escolhidos entre os cavaleiros não perderiam muito de seu sono condenando um senador por corrupção. Populares e Optimates constantemente entravam em conflito a esse respeito. As mudanças de Sula revertiam a reforma do tribuno Caio Graco no Tribunal de Extorsão, que impedia a atuação dos senadores como jurados. Sula então instalou sete tribunais permanentes: homicídio, falsificação, fraude eleitoral, fraude financeira, traição, injúria pessoal e extorsão provincial.

O ditador lançou uma longa sombra sobre a República nestes anos. O Senado era uma criação sua, expurgado de todos os seus oponentes que não conseguiram desertar a tempo e repleto de partidários do ditador. Como instituição, ele fortalecera a posição do Senado, restaurando o monopólio sobre os júris e limitando severamente o poder dos tribunos. Outra legislação, por exemplo uma lei restringindo o comportamento dos governadores provinciais, tinha o propósito de prevenir qualquer outro general de seguir o exemplo do próprio ditador e voltar as legiões contra o Estado. (Goldsworthy, Caesar, 92)

Sula também usou seus poderes para executar sua vingança não somente em Roma, mas em todas as regiões italianas que se opuseram a ele. Entre as formas de punição estavam o massacre, exílio e confisco para quem obedecera ao inimigo durante a guerra civil. Os crimes poderiam ser tão insignificantes quanto abrigar um inimigo, emprestar-lhe dinheiro ou fazer qualquer tipo de gentileza. Quando as acusações contra indivíduos não tinham êxito, Sula vingava-se de cidades inteiras. Algumas foram punidas pela destruição de suas cidadelas ou demolição dos muros, além da imposição de multas e a asfixia via pesados impostos e tributos. O ditador instalou seus leais veteranos em colônias nas terras e casas das cidades nas quais impusera sua vingança.

Legado

Uma vez ajustada a constituição, Sula renunciou à ditadura. No ano seguinte, em 80 a.C., foi eleito cônsul. Em 79 a.C., retirou-se da política romana por completo e mudou-se para a casa de campo na Campânia, onde tentou finalizar a redação de suas memórias. De acordo com Plutarco, Sula previu sua morte num sonho e parou de escrever dois dias antes de morrer, em 78 a.C..

Embora a constituição de Sula fosse obedientemente seguida por outros Optimates, tais como Pompeu (v. 106-48 a.C.) e Crasso (v. 115/112-53 a.C.) - suas reformas não durariam muito tempo. Ele buscou remediar os problemas que haviam assolado a República, mas a solução que adotou era injusta, limitando-se a reforçar o poder senatorial ao mesmo tempo que reduzia severamente a atuação dos tribunos da plebe e de quem não pertencesse ao Senado.

Júlio César (v. 100-44 a.C.), durante seu mandato como tribuno militar, pronunciou-se a favor da restauração dos poderes dos tribunos revogados por Sula. Em 75 a.C., César convenceu seu tio, Caio Aurélio Cota, cônsul daquele ano, a propor uma lei que permitia aos ex-tribunos buscar outras magistraturas. Foi uma reversão crucial de uma das reformas chave de Sula, porque agora o tribunato não era mais uma magistratura sem futuro, pavimentando o caminho para políticos ambiciosos tentarem outros cargos eletivos.

César também aperfeiçoou outra legislação do ditador falecido. Ele sempre manifestou interesse na administração das províncias e suas mais renomadas aparições em tribunais foram os processos contra governadores opressores e corruptos. Seus conceitos sobre o papel e o comportamento dos governadores provinciais seriam o padrão para os próximos séculos. Cícero descreveu mais tarde a legislação de César como uma “lei excelente”. Finalmente, a lei de Sula que permitia somente senadores em júris foi revogada quando o praetor Lúcio Aurélio Cota apresentou e teve aprovada uma lei que permitia que os júris fossem compostos tanto por senadores quanto cavaleiros, equilibrando a balança do poder.

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Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Jesse Sifuentes
Sou um professor de História Mundial em Houston. Sou apaixonado pela Roma Antiga, particularmente sobre o Principado de Augusto e a República Tardia. Minhas outras paixões incluem xadrez, ciclismo, arte e a língua italiana.

Citar este trabalho

Estilo APA

Sifuentes, J. (2019, dezembro 06). As Reformas de Sula como Ditador [Sulla's Reforms as Dictator]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1481/as-reformas-de-sula-como-ditador/

Estilo Chicago

Sifuentes, Jesse. "As Reformas de Sula como Ditador." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação dezembro 06, 2019. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1481/as-reformas-de-sula-como-ditador/.

Estilo MLA

Sifuentes, Jesse. "As Reformas de Sula como Ditador." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 06 dez 2019. Web. 08 out 2024.