
Cerveteri (nome etrusco: Cisra ou Caisra, em grego: Agylla, em latim: Caere) foi uma importante cidade etrusca que floresceu entre os séculos VII e IV a.C., localizada perto da costa oeste do centro da Itália, a cerca de 50 km a norte de Roma, atualmente Cerveteri é mais famosa pelas necrópoles de milhares de túmulos escavados na rocha, ricos em artefatos e pinturas murais retratando cenas da vida quotidiana etrusca. Destacando-se a túmulo Regolini-Galassi, repleto de preciosos artefatos, desde taças de prata até às mais finas joias de ouro etruscas alguma vez descobertas. Cerveteri etrusca é considerada Património Mundial pela UNESCO.
Assentamento Inicial
Localizada num afloramento rochoso travertino com vista para o Mar Tirreno, Cerveteri possui evidências arqueológicas de assentamento da Idade do Bronze e necrópoles que datam da Idade do Ferro. Muitas das necrópoles da Idade do Ferro contêm instrumentos relacionados com a tecelagem: como bobinas, fusos e pesos de tear feitos de cerâmica e, menos frequentemente, bronze. Bendizida com terra fértil para agricultura, recursos minerais das Montanhas Tolfa e trocas comerciais com os assentamentos vizinhos, como Tarquinia, Cerveteri era um assentamento próspero da cultura pré-etrusca conhecida como Villanovan (1000-750 a.C.) e estava destinada a se tornar uma cidade próspera na região da Etrúria, no centro da Itália.
Uma Próspera Cidade Etrusca
A partir do século VII a.C., Cerveteri foi um importante centro de produção própria da cerâmica bucchero (senão mesmo o primeiro, por volta de 675 a.C.), que possui um acabamento brilhante de cor cinza escuro, quase preto, bem como peças imitando estilos gregos (especialmente iônicos) e do Médio Oriente, por vezes feitas por artistas imigrantes gregos. As olarias locais produziam uma forma distinta de hídria, Caeretana hydria, um grande vaso de duas alças usado para guardar água e frequentemente decorado com cenas da mitologia grega e etrusca. Como prova do centro comercial que Cerveteri era são a miríade de finos vasos gregos encontrados no local. A prosperidade geral da elite da cidade é provada pelos grandes túmulos e pelos conteúdos dos mesmos; e dispostos em fileiras ordenadas ao longo das ruas. No século VI a.C., a cidade expandia-se por cerca de 150 hectares e tinha colónias próprias, como Tolfa.
A Cerveteri etrusca é a única cidade conhecida por ter guardado o próprio tesouro no local sagrado de Delfos, na Grécia, o que indica o seu estatuto como um dos membros mais ricos da Liga Etrusca. Tinha três portos: Alsium, Punicum e Pyrgi, com os seus dois grandes templos e santuário. O rei de Cerveteri, Thefarie Velianas, dedicou um dos templos segundo as três placas de ouro pregadas na porta, datadas de cerca de 500 a.C., as inscrições foram escritas em etrusco e fenício, indicando novamente o papel da cidade como um centro de comércio internacional.
Cerveteri era membro da Liga Etrusca, uma confederação lassa de 12 (ou talvez 15) cidades etruscas, que incluíam: Chiusi, Populonia, Tarquinia (Tarchuna), Vulci (Velch) e Volterra. Pouco se sabe sobre a liga, exceto que os seus membros tinham laços religiosos comuns e que os líderes se reuniam anualmente no santuário de Fanum Voltumnae perto de Orvieto (desconhece-se a localização exata). O facto de Cerveteri ser uma das cidades etruscas mais avançadas e tida como propulsora de tendências é comprovado pelos achados de algumas das mais antigas cerâmicas, obras de arte e inscrições produzidas na região da Etrúria.
Decadência e Conquista Romana
Em 540 a.C, os interesses de Cerveteri mantiveram-se protegidos após a vitória naval na Batalha de Alalia (ou Batalha do Mar da Sardenha); aliados a uma força cartaginesa, afastaram a frota dos Foceanos (de Messália). De acordo com Heródoto (1:167), alguns dos sobreviventes gregos foram levados para Cerveteri e brutalmente apedrejados até a morte De seguida, houve uma maldição de paralisia sobre qualquer pessoa que se aproximasse do local da tragédia; procurando aplacar a maldição, os governantes de Cerveteri consultaram o oráculo em Delfos e foram informados de que deveriam realizar jogos atléticos em homenagem aos mortos. Heródoto diz que assim o fizeram e continuam a fazê-lo regularmente a partir de então.
No entanto, a partir de meados do século V a.C., instalou-se um período de declínio à medida que o controlo das lucrativas rotas comerciais locais cai nas mãos do crescente poder da província Siracusa, na Sicília. Em 474 a.C., começa o lento declínio com a derrota na batalha naval em Cumas. Depois, o tirano siracusano Dionísio I, sem dúvida, lembrando o apoio etrusco a Atenas durante o ataque à sua cidade há 30 anos, enviou uma expedição à Itália Central para arrebanhar tanta riqueza quanto pudesse. Os portos de Cerveteri foram saqueados e os templos despojados dos seus tesouros em 384 a.C.. Durante as décadas seguintes, seguiram-se outros ataques siracusanos à Etrúria. Contudo, o pior ainda estava por vir, quando os vizinhos do sul dos Etruscos começaram a mostrar igualmente mais ambição territorial: os Romanos estavam a chegar.
Os Romanos exploraram a falta de unidade política e militar entre os membros da Liga Etrusca e acabaram por conquistá-los. Cerveteri tinha sido, na verdade, uma aliada leal de Roma, dando refúgio seguro às Vestais, por exemplo, quando os Gauleses atacaram Roma no século IV a.C.. Todavia, a marcha cultural e militar dos Romanos não pararia por ninguém, e Cerveteri foi assimilada à República juntamente com as cidades etruscas vizinhas após um longo e sangrento conflito pontuado por períodos de paz. Estabeleceu-se em Pyrgi uma colónia marítima romana e, no início do século II a.C., a romanização final de Cerveteri incluiu a concessão de cidadania romana; vários projetos de construção, incluindo um teatro; e a imposição de mais colónias romanas nos antigos territórios de Cerveteri, que se tornou numa espécie de remanso cultural, dedicando-se à agricultura, à tecelagem e à cordoaria. Os dias de glória como um dos centros culturais mais animados do antigo Mediterrâneo tinham desaparecido para sempre.
Vestígios Arqueológicos
A sul da cidade, foram escavadas as fundações de dois grandes templos. Ambos datando do século VI a.C., um pode ter sido dedicado a Hércules, se a presença de uma taça inscrita e de vários bastões forem tidos como evidência de oferendas votivas ao Deus. Igualmente, um peso de chumbo com a inscrição da palavra etrusca para Hermes (Turms) pode indicar a divindade do segundo templo. Uma terceira grande estrutura assente numa base de blocos de rocha travertino, com cisternas, regos, poços e uma fornalha, talvez como parte de uma oficina de produção de bens votivos, foi designada como o Templo de Manganello.
Os milhares de túmulos de câmara escavados na rocha em Cerveteri estão distribuídos por várias necrópoles: Banditaccia, Cava Della Pozzolana, Monte Abatone e Sorbo, sendo este último datado da Idade do Ferro. Os túmulos etruscos mais antigos datam do século VII a.C.. Muitos são túmulos de cúpula, ou seja, montes de turfa e terra cobrindo a base de rocha, feito de blocos ou escavado em afloramentos naturais. Os maiores têm mais de seis metros de diâmetro. Outros tipos de túmulos são as estruturas cúbicas distintas na necrópole de Banditaccia, datadas dos meados do século VI a.C., feitos de grandes blocos de pedra e, novamente, incorporam as rochas naturais; cada um tem uma entrada com porta e, no interior, há bancos de pedra onde se colocavam os corpos, altares esculpidos e, por vezes, assentos de pedra. Dispostos em filas, os túmulos talvez indiquem a grande preocupação com o planeamento urbano naquela época.
Ao contrário dos túmulos de Tarquinia, por exemplo, muitos dos frescos em Cerveteri foram feitos diretamente nas paredes de rocha, sem uma subcamada de gesso, o que resultou numa maior deteriorização em relção a outras necrópoles etruscas. No entanto, ainda existem alguns belos exemplos da arte etrusca; mostram comummente cenas de mitos gregos, da fauna e da vida quotidiana.
O esplêndido Túmulo dos Relevos (de Estuque) foi construído para a família Matuna durante o último quartel do século IV a.C.. O acesso faz-se por um corredor íngreme com degraus que se abre para uma câmara rodeada com bancos de pedra e espaço para 32 corpos. As duas colunas e as paredes da câmara estão cobertas com representações em estuque pintado de objetos do quotidiano, desde ferramentas a jogos de tabuleiro. Os objetos pendem de pregos, imitando a típica casa etrusca onde se desconheciam as tulhas e os pertences eram pendurados nas paredes.
Os objetos dos túmulos de Cerveteri incluem muitos exemplos de requintadas peças de joalheria em ouro – pulseiras, fíbulas, brincos, anéis, alfinetes, colares e pingentes – muitas das quais exibem as mais difíceis técnicas de ourivesaria. Há cerâmicas de bucchero, cerâmica pintada (produzida localmente e importada, especialmente de Corinto e Atenas), esculturas de terracota e sarcófagos decorados com esculturas em relevo. Um nótavel exemplo deste último, agora no Museu do Louvre, tem a escultura de um casal na tampa e data de cerca de 530-520 a.C.. O sarcófago de terracota continha uma urna de cremação e outrora estava vivamente pintado. Finalmente, muitos túmulos continham placas de terracota pintadas representando, especialmente, cenas de mitologia. Fragmentos destas encontrados espalhados por Cerveteri sugerem que também eram usados para decorar os interiores de casas particulares e edifícios públicos.
O Túmulo Regolini-Galassi
Descoberto em 1836, por um padre e um general, tida como a descoberta mais espetacular em termos de túmulos em Cerveteri é o túmulo Regolini-Galassi; assim designado em homenagem aos seus descobridores. Ambos descobriram-no intacto e com um esqueleto feminino coberto de fina joelharia: um peitoral de ouro de 42 cm, decorado com fauna e flora, um símbolo de estatuto social alto. Usava um cinto com uma magnífica fíbula em ouro de técnica repoussé e granulada, decorada com cinco leões no disco superior e no disco inferior 50 patos em miniatura tridimensional. Quem quer que tivesse sido em vida, sabe-se que se chamava Larthia, dado ao conjunto de onze peças de prata encontrados aos seus pés. Bem como que foi sepultada acompanhada, dado à existência de cinzas de um homem numa segunda câmara.
Outros bens encontrados, muitos com uma decoração oriental, incluem um grande sofá em bronze, escudos redondos, incensários, caldeirões e um trono em bronze; copos e pratos de prata; e olaria bucchero em forma de taças, jarros e enócoas; e grandes ânforas de terracota que outrora continham comida para o falecido (trigo, azeite, mel e ovos). Finalmente, havia uma carruagem de quatro rodas sobre a qual jazia a mulher do túmulo e uma biga. O conteúdo do túmulo, datado de cerca de 680-660 a.C., pode ser visto hoje numa ala nos Museus do Vaticano, em Roma.