A colonização portuguesa da Madeira

Artigo

Mark Cartwright
por , traduzido por Bernardo R. Carvalho
publicado em 21 Maio 2021
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Disponível noutras línguas: Inglês, francês, Turco

O Arquipélago da Madeira é um conjunto de ilhas vulcânicas no Atlântico Norte, que foram colonizadas pelos portugueses a partir do ano de 1420. O assentamento e distribuição dos direitos fundiários nas ilhas, até então desabitadas, foi um modelo que a Coroa portuguesa iria reproduzir em outros conjuntos de ilhas coloniais e no Brasil.

O arquipélago era um ponto útil de parada para os navios que faziam as rotas comerciais entre a Europa e as Américas. Além disso, com seu rico solo vulcânico, clima ameno e chuvas suficientes, as ilhas foram exploradas por meio da agricultura, especialmente do trigo, vinho e cana-de-açúcar, com escravos africanos sendo explorados para trabalhar nas plantações. Hoje, tal como no século XV, a Madeira é mais conhecida pelo vinho generoso que leva o nome da ilha principal. As ilhas são hoje uma região administrativamente autônoma da República de Portugal.

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Madeira Landscape by Karl Briullov
Paisagem da Madeira, por Karl Briullov
Karl Briullov (Public Domain)

Geografia e Clima

O arquipélago vulcânico da Madeira está localizado a cerca de 800 km (500 milhas) da costa africana no Oceano Atlântico. As quatro ilhas principais do grupo são Madeira, Porto Santo, as ilhotas Desertas e as ilhas rochasas Selvagens, mas apenas as duas primeiras se encontram habitadas. A Madeira é a maior ilha do grupo, com 55 km de comprimento e 22 km na sua parte mais larga. O nome se deve às abundantes florestas da ilha. Tal como as outras ilhas do grupo, a Madeira é realmente o topo de uma montanha submersa e por isso é dominada pelo pico do Ruivo que se eleva a 1.861 metros acima do mar. As vantagens do Porto Santo para os primeiros colonizadores portugueses eram que a ilha tem 42 km de comprimento e é quase toda plana, com poucas árvores, tornando-a ideal para a produção agrícola, e há vários portos naturais. O clima permite que as safras sejam cultivadas durante todo o ano, e sua abundância se deve ao rico solo vulcânico, às temperaturas amenas e chuvas anuais suficientes.

Um marinheiro português descreveu a Madeira como "um grande jardim".

Descoberta

As ilhas eram conhecidas tanto por escritores gregos como romanos, foram possivelmente visitadas por vikings e certamente eram conhecidas por marinheiros islâmicos. No entanto, foi apenas no início do século XV que os portugueses, ou qualquer outro povo, aliás, se interessaram seriamente por elas. Dois capitães de navios comicionados pelo Infante Dom Henrique de Avis (conhecido como O Navegador, 1394-1460), que estavam atacando a costa marroquina, desembarcaram em Porto Santo, no arquipélago desabitado, durante uma tempestade em 1418. Os exploradores casuais rapidamente perceberam o potencial do lugar - um marinheiro posteriormente o descreveu como "um grande jardim" (Cliff, 71) - e relataram a Dom Henrique. Em 1419, a Coroa portuguesa declarou formalmente a posse do grupo de ilhas, que passaram a ser governadas justamente por ele. A Ordem de Cristo, uma ordem militar portuguesa, cujo comandante era também Dom Henrique, passou a ter direitos exclusivos sobre o local.

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Para sustentar a reivindicação de posse, foi lançada uma expedição para melhor explorar as ilhas e encontrar terras aptas para o cultivo, já que Portugal era então um importador de grãos. Nessa época, os portugueses já reinavam soberanos. Algumas décadas depois, Portugal e Espanha disputaram a posse das Ilhas Canárias, mas o Tratado de Alcáçovas-Toledo, de 1479-1480, estabeleceu que estas últimas eram domínio da Espanha, enquanto Portugal ficou com Cabo Verde, Açores e Madeira. Havia ainda algumas cláusulas adicionais no tratado que, por serem vagas, causariam problemas mais tarde, sobre o direito de posse de Portugal a futuras descobertas na África, e o direito de posse da Espanha a ilhas mais além das Canárias, que foram eventualmente identificadas como o Caribe e mesmo as Américas.

Map Showing the Location of the Madeira Archipelago
Mapa destacando a localização do Arquipélago da Madeira
TUBS (CC BY-SA)

Assentamento

A Coroa portuguesa dividiu as ilhas e as distribuiu em "capitanias" (ou, donatarias), como parte do sistema feudal, para encorajar os nobres a financiar o desenvolvimento local. A coroa ainda retinha a propriedade geral, mas cedeu o senhorio ao príncipe Dom Henrique e seus herdeiros, que por sua vez distribuíram propriedades aos que depois vieram. Cada "capitão" (ou, donatário) tinha a responsabilidade de colonizar e desenvolver sua área em troca de privilégios financeiros e judiciais. O "capitão" tinha sua própria sede, no território sob sua jurisdição, e ele podia distribuir outras parcelas de terra (sesmarias) aos homens com a responsabilidade de limpá-las e começar o cultivo dentro de um período determinado (primeiro dez, mas posteriormente reduzido para cinco anos). Em muitos casos, essas capitanias tornaram-se ofícios hereditários. O modelo de donatarias seria aplicado a outros territórios coloniais portugueses no futuro, notadamente no Brasil.

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Os três primeiros governadores eram cavaleiros da Ordem de Cristo, e dois foram os próprios homens que haviam chegado ao Porto Santo dois anos antes: Tristão Vaz Teixeira, que controlava a metade norte da Madeira em torno de Machico, e João Gonçalves Zarco, que detinha a zona em torno do Funchal, fundada em 1421. O terceiro capitão foi Bartolomeu Perestrelo, que governou o Porto Santo. Em meados do século XV, um aparato de governo local foi formado com funcionários eleitos para governar a crescente população. Em 1508, o Funchal passa a ser, oficialmente, uma cidade.

Muitos pescadores e camponeses deixaram Portugal voluntariamente em busca de uma nova vida nas ilhas, melhor do que fosse possível num Portugal devastado pela Peste Negra, e onde as melhores terras cultiváveis já eram estritamente controladas pela nobreza. Para os pescadores, as ilhas eram uma base prática cercada por enormes possibilidades de pesca em alto mar.

Levada Aqueduct, Madeira
Aqueduto, ou, levada, em Madeira
Jörg Schmalenberger (CC BY-SA)

Alvise Cadamosto, um comerciante veneziano licenciado para operar na Madeira, escreveu um valioso registo das ilhas na época (bem como dos negócios portugueses no continente africano). O relato foi escrito por volta de 1468, mas descreve eventos da década de 1450 e a história anterior da ilha:

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Esta ilha é chamada ilha da Madeira porque quando foi descoberta pelos homens do Infante, não existia um palmo que não fosse coberto por imensas árvores… embora não tenha porto, existem ancoragens muito boas. A terra é fecunda e abundante e, embora seja tão montanhosa como a Sicília, é sempre muito fértil e produz 30.000 staras venezianas [4,5 milhões de litros] de trigo por ano... A região é muito produtiva, tem água abundante e belas nascentes, e existem seis ou oito pequenos riachos que fluem pela ilha...

(Newitt, 56)

Os primeiros colonizadores às vezes enfrentavam problemas, apesar da descrição de um Jardim do Éden. Alvise Cadamosto nota que um incêndio se descontrolou na Madeira, o que obrigou todos os primeiros colonos a regressar aos seus navios e a aguardar ao largo da costa durante dois dias até que se extinguisse. Pelo menos a carne era fácil de encontrar, já que os pavões, pombos e codornizes selvagens da ilha não tinham medo de humanos e eram facilmente capturados. Animais domésticos europeus, coelhos e até a flora portuguesa foram também introduzidos nas ilhas, o que devastou as espécies autóctones, muitas das quais foram extintas.

Cana-de-açúcar e Escravidão

Com o tempo, a capacidade agrícola da Madeira foi aumentada a partir do desmatamento cada vez maior, da construção de socalcos com paredes de pedra nas encostas das montanhas e a criação de um sistema de aquedutos (ou, levadas). As árvores derrubadas eram transformadas em pranchas por moinhos movidos a água na ilha, e essa madeira (cedro e teixo) era enviada para Portugal e Espanha. Por volta de 1455, a produção de trigo estava em declínio, sendo substituída pela cana-de-açúcar. Esta cultura foi plantada inicialmente na Madeira com o apoio financeiro de banqueiros genoveses e o conhecimento técnico de consultores sicilianos. Havia, também, vários imigrantes italianos nas ilhas, visto que Lisboa naquela época tinha consideráveis comunidades de populações vindas dos Estados italianos. Alvise Cadamosto descreve a indústria da cana-de-açúcar:

… O Infante mandou plantar cana, que cresce à perfeição. Produzem-se açúcares diversos, que chegam a 400 cantara [5.500 litros], úteis para cozinhar ou misturar, e entendo que em breve produzirão uma boa quantidade porque esta cultura é adequada ao clima quente e temperado... Muitos diferentes tipos de doces cobertos de açúcar são feitos com perfeição, e cera e mel também são produzidos, embora em pequenas quantidades.

(ibid, 57)

A Glass of Madeira Wine
Uma taça de vinho da Madeira
PortoBay Experiences (CC BY-NC-ND)

No decorrer do século XV, o açúcar começou a ser exportado não apenas para Portugal, mas para outros mercados, como os de Flandres e Constantinopla. No século XVI, as exportações estavam crescendo e o problema era encontrar mão de obra suficiente para trabalhar nas plantações. Consequentemente, povos escravizados passaram a ser importados da África Ocidental, às vezes trazidos por capitães que navegavam a partir da própria Madeira. O número de escravos nunca superou o de colonos europeus, ao contrário do que ocorreu em outras ilhas portuguesas, como São Tomé. Na segunda metade do século XVI, a Madeira perdeu a maior parte de seus mercados de açúcar para as plantações muito maiores e mais modernas do Brasil. Felizmente, as ilhas tinham outro produto para trazer prosperidade mais duradoura.

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Vinho Madeira

As vinhas foram introduzidas na ilha a partir de Creta pelos primeiros colonizadores portugueses, e foram eventualmente plantadas em todos os vales que descem do interior montanhoso da Madeira. Alvise Cadamosto dá uma descrição vívida da viticultura na ilha:

Os novos colonos plantaram vinhas e seus vinhos são bons e finos. Eles produzem o suficiente para suas necessidades e permitem que uma parte seja exportada. Entre essas vinhas estão as uvas malvoisie, vindas de Candia [em Creta], que o Infante trouxe diretamente do Levante. O solo desta ilha é tão bom e fértil que as vinhas produzem quase mais uvas do que folhas, e os cachos são enormes, medindo dois palmos, e quase diríamos quatro palmos compridos - é a coisa mais bonita que se pode ver no mundo - e também há uvas de treliça preta, que não têm caroço e crescem com perfeição.

(ibid, 57)

O vinho da Madeira tem um sabor de caramelo particularmente rico graças ao solo vulcânico e a seu processo de envelhecimento incomum.

O vinho da Madeira tornou-se imediatamente popular entre os marinheiros que faziam a viagem da Europa para as Américas, embora provavelmente só tenha começado a ser fortificado por volta de 1700. O grupo de ilhas foi um ponto de parada comum naquela longa jornada, e esses marinheiros ajudaram a espalhar a popularidade do vinho na Europa Ocidental e no Novo Mundo. Fortificado pela adição de uma quantidade de aguardente (cerca de 10%) ao vinho durante o processo de fermentação, o teor alcoólico da Madeira é tipicamente de 18 a 20% (em comparação com um vinho forte comum de 13 ou 14%). Esta elevada quantidade de álcool permitiu ao vinho viajar bem nas viagens marítimas, e outra vantagem é que envelhecia extremamente bem. Isto segue sendo verdade para a Madeira de hoje e as garrafas podem durar um século ou mais nas adegas. Os vinhos da Madeira podem ser doces ou secos, dependendo da mistura e do teor de açúcar adicionado. Eles têm um sabor de caramelo particularmente rico graças ao solo vulcânico em que as vinhas foram cultivadas e ao seu processo de envelhecimento diferenciado, onde os barris não são armazenados em adegas frescas, mas em "fornos", ou, estufas, durante pelo menos vários meses. Essa inovação foi resultado da maior apreciação do vinho pelos marinheiros depois que os barris passaram pelos trópicos a caminho das Américas. Na verdade, muitos barris de vinho destinados à Inglaterra, então um grande mercado para a Madeira, eram frequentemente transportados em navios para as Américas e vice-versa, porque os conhecedores achavam que isso melhorava o sabor.

História Posterior

O comércio em expansão da cana-de-açúcar e depois do vinho foi acompanhado pela produção de uvas doces (a malvasia), cevada e tinturas caras - tintas da resina do dragoeiro (Dracacea draco), conhecido como sangue de dragão, e o azul da planta conhecida como pastel (Isatis tinctoria) ou da urzela (Tornassol roccella). Com o passar do tempo, os assentamentos das ilhas tornaram-se mais europeus em sua aparência. A elite madeirense tinha enriquecido muito, o que se reflectiu na grandiosa arquitectura da ilha e nas importações de luxo, como as pinturas flamengas. A Catedral da Sé (1485–1514) no Funchal foi construída e vários mosteiros desenvolvidos, criados pela Ordem Franciscana Observante.

No século XVI, Portugal teve de lutar para manter as suas possessões, na medida em que a competição entre as potências europeias se tornava mais intensa. Também houve ameaças significativas por parte de piratas e corsários. Uma fortaleza foi construída na Madeira, em São Lourenço. Esta fortaleza, e as outras, não impediram que a Madeira ficasse brevemente sob controle espanhol (1580-1640) e depois britânico (1801-1802 e 1807-1814). A partir do último quartel do século XVII, com a população madeirense ultrapassando os 50.000 habitantes e as ilhas já não mais conseguirem sustentar as suas próprias necessidades alimentares, muitas pessoas emigraram ainda mais das suas raízes ancestrais e começaram uma nova vida no Brasil Colônia ou na América do Norte. Hoje o arquipélago é uma região autônoma de Portugal, e continua a ser um ponto de paragem útil no Atlântico - atualmente para navios de cruzeiro, em vez de navios negreiros - e funciona como estação retransmissora do sistema de cabos submarinos.

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Sobre o tradutor

Bernardo R. Carvalho
Historiador brasileiro, doutorando e tradutor freelance.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é autor, pesquisador, historiador e editor em tempo integral. Seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações compartilham. Ele possui mestrado em Filosofia Política e é diretor editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2021, Maio 21). A colonização portuguesa da Madeira [The Portuguese Colonization of Madeira]. (B. R. Carvalho, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1756/a-colonizacao-portuguesa-da-madeira/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "A colonização portuguesa da Madeira." Traduzido por Bernardo R. Carvalho. World History Encyclopedia. Última modificação Maio 21, 2021. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1756/a-colonizacao-portuguesa-da-madeira/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "A colonização portuguesa da Madeira." Traduzido por Bernardo R. Carvalho. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 21 Mai 2021. Web. 24 Abr 2024.