O Hipódromo de Constantinopla

Artigo

Mark Cartwright
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 28 novembro 2017
Disponível noutras línguas: Inglês, francês, espanhol, Turco
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O Hipódromo de Constantinopla era uma arena utilizada para as corridas de carros durante o período bizantino. Inicialmente erguido durante o reinado do imperador romano Sétimo Severo (ou Septímio Severo), no princípio do século III d.C., a estrutura se tornou mais grandiosa por ordem do imperador Constantino I, no século IV d.C. O hipódromo também costumava ser utilizado para eventos públicos, tais como desfiles, execuções e a humilhação dos inimigos do imperador. Em decorrência da Quarta Cruzada, no começo do século XIII, o hipódromo caiu em desuso e seus monumentos e obras de arte espetaculares foram saqueados.

Horses from the Hippodrome of Constantinople
Cavalos do Hipódromo de Constantinopla
Tteske (CC BY)

Uma Arena Esportiva

Muitas importantes cidades romanas dispunham de arenas, como o Circo Máximo de Roma, nas quais realizavam-se emocionantes corridas de carros para o entretenimento do público. Bizâncio (que se tornaria Constantinopla) não era exceção e o imperador Sétimo Severo (r. 193-211 d.C.) financiou a construção de uma delas no século III d.C. Constantino I (r. 306-337 d.C.) compreendeu que o Hipódromo proporcionava uma oportunidade sem igual para exibir ao povo o poder, riqueza e generosidade do imperador através de luxuosos divertimentos que podiam durar vários dias, em geral coincidindo com os feriados públicos. Em consequência, ele não somente reformou e ampliou o velho circo quando transferiu a capital de Roma, mas assegurou a doação de dinheiro e roupas para a multidão na corrida inaugural. Situado no coração da cidade, vizinho ao Grande Palácio, que sediava a residência imperial, o hipódromo dispunha inclusive de uma passarela entre os dois prédios, com a qual Constantino buscava destacar o elo físico entre o imperador e a população que se divertia.

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As corridas de carros - cujo número variava de 8 a mais de 25 em alguns jogos - tinham enorme popularidade com as massas e os condutores recebiam aclamações como heróis.

O hipódromo tinha a típica forma retangular longa, com as extremidades curvas, vistas em outras partes do Império Romano. Seu comprimento chegava a 400 metros, com 200 metros de largura. Uma volta da pista teria uma extensão de cerca de 300 metros. Os historiadores não conseguem chegar a um acordo sobre a capacidade de público, com estimativas que variam de 30.000 a mais de 60.000 pessoas. Os VIPs tinham assentos de mármore nas fileiras da frente, enquanto os demais se contentavam com bancos de madeira, ainda que almofadas pudessem ser alugadas de vendedores ambulantes. Os níveis de assentos situavam-se a 12 metros de altura acima da pista e estavam separados dela por um fosso. O monumental portão de entrada, o Cárceres, era decorado na parte superior com um grupo de carros de bronze dourado. Em 1204, durante o saque de Constantinopla ocorrido na Quarta Cruzada, os quatro cavalos desta escultura foram roubados. Provavelmente são os mesmos que ainda podem ser vistos nos dias atuais na Catedral de São Marcos, em Veneza.

Durante as corridas, os carros precisavam completar sete voltas ao redor de uma ilha central ou spina. A spina continha um verdadeiro museu de obras de arte saqueadas em todo o império, além de esculturas monumentais dos primeiros imperadores romanos e figuras associadas à vitória, como águias e o herói grego Hércules. Vários obeliscos embelezavam esta ilha central, incluindo um falso, feito de blocos individuais mas inteiramente coberto de folhas de bronze, e várias colunas, incluindo a famosa Coluna da Serpente de bronze do trípode plateano, um monumento consagrado do século V a.C. e trazido do santuário sagrado de Apolo, em Delfos, na Grécia. A coluna, formada pelos corpos entrelaçados de três cobras, originalmente erguia-se a 8 metros de altura; a parte inferior ainda pode ser vista em Istambul, na atual Turquia. Os condutores mais célebres também tinham seus próprios monumentos no local, como um competidor do início do século VI, Porfírio, cuja base da estátua de mármore ainda sobrevive.

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Plan of the Hippodrome of Constantinople
Planta do Hipódromo de Constantinopla
Cplakidas (CC BY-SA)

O mais impressionante exemplar da coleção de antiguidades da spina era um obelisco egípcio trazido de Karnak e datado do reinado de Tutmés III, no século XV a.C. O monumento, medindo 25,6 metros de altura, provavelmente foi instalado definitivamente no Hipódromo por Teodósio I para comemorar sua vitória sobre os usurpadores Máximo e Vítor em 389 d.C., embora estivesse no local há algum tempo, mas na posição horizontal. A base do obelisco, em mármore, tinha decorações de cenas em relevo mostrando o imperador assistindo às corridas de carros, cercado por sua família e guarda-costas.

As corridas de carros - cujo número variava de 8 a mais de 25 em alguns jogos - tinham enorme popularidade com as massas e os condutores mais vitoriosos recebiam aclamações como heróis. Eles competiam em três categorias diferentes, conforme a idade: adolescentes com menos de 17 anos, jovens entre 17 e 23 anos e homens com mais de 23 anos. Além da disputa em si, as apostas, é claro, traziam emoções extras para muitos espectadores. Músicos, dançarinos, acrobatas e treinadores de animais divertiam a multidão durante os intervalos das corridas. Os imperadores também participavam regularmente, sentando-se nos assentos de pelúcia do camarote imperial ou kathisma. Para adicionar ainda mais interesse às competições, os condutores que costumavam disputar as corridas representavam quatro facções diferentes, simbolizadas pelas cores Azul, Verde, Vermelho e Branco. Não parece ter havido qualquer significado político ou social para cada facção e, desta forma, elas funcionavam apenas como um grupo de conveniência que qualquer um poderia se juntar e apoiar. As facções comportavam-se de maneira semelhante às torcidas mais fanáticas dos estádios de futebol modernos, como explica o historiador T. E. Gregory:

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[...] os fãs frequentemente se envolviam em cantos ou gritos organizados, geralmente usavam roupas e cortes de cabelo exóticos e imediatamente identificáveis, e às vezes se envolviam em violência, especialmente contra membros de facções opostas. Essa violência não raro continuava fora dos limites do hipódromo, nas ruas da cidade. (133)

Ancient Chariot Race
Corrida de Carros da Antiguidade
Ubisoft Entertainment SA (Copyright, fair use)

Uma Arena Comemorativa

O Hipódromo também sediava importantes festivais e eventos comemorativos. O principal e mais duradouro foi o aniversário da fundação da cidade por Constantino I. Realizado no dia 11 de maio, a partir de 323 d.C. e durante os mil anos seguintes, o evento reunia a população para celebrar o nascimento daquela que se tornou a maior metrópole da região do Mediterrâneo. Sem dúvida, todos os espólios de guerra dispostos como decoração ao redor do Hipódromo serviam como uma lembrança de todos os povos que o Império Oriental havia conquistado desde aquele dia.

Justiniano I, sempre disposto a promover espetáculos públicos, recompensou seu talentoso general Belisário com um triunfo no Hipódromo.

Justiniano I (r. 527-565), sempre disposto a promover espetáculos públicos, recompensou seu talentoso general Belisário com um triunfo no Hipódromo após as vitórias sobre o vândalos, no Norte da África, em 533. Tratava-se de uma grande honra, pois ninguém além da família imperial tinha permissão de celebrar um Triunfo Romano desde 19 a.C. Belisário, ostentando sua melhor armadura e com seu rosto pintado de vermelho, conduziu seu carro ao redor da arena, seguido por uma seleção dos prisioneiros vândalos mais vistosos, os estandartes capturados e uma longa caravana de despojos, que incluíam carros decorados com joias, tronos de ouro e os espólios que os próprios vândalos haviam amealhado após o saque de Roma.

Uma Arena de Punição

A base do obelisco de Karnak mencionado acima revela que outros eventos, além dos esportivos e comemorativos, também aconteciam no Hipódromo. Num lado da base estão prisioneiros agachados diante do imperador, provavelmente prestes a serem executados. No outro lado, há prisioneiros bárbaros oferecendo tributos para seu novo soberano. A arena assistiu a muitas outras cenas de punição imperial, além da execução de criminosos. A oportunidade de mostrar ao povo quem mandava e o que acontecia com quem os desafiava era uma tentação boa demais para que os governantes resistissem. Por exemplo, Constantino V (r. 741-775) enfrentou um golpe no início do reinado, quando um governador militar, chamado Artabasdos, apoiado pelo bispo de Constantinopla, Anastásio, ocupou a capital em 743. O exército de Constantino rapidamente esmagou a rebelião e retomou a cidade para o imperador. Como punição, Anastásio foi chicoteado publicamente e teve de desfilar no Hipódromo montado num burro, com a cabeça junto à cauda do animal. Artabasdos teve um destino ainda pior e foi cegado, junto com os dois filhos, numa cerimônia pública realizada no mesmo local.

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Roman Emperor at the Hippodrome
Imperador Romano no Hipódromo
Radomil talk (CC BY-SA)

Constantino V, em seu ímpeto de punir ícones da Igreja, também usou a arena para humilhar monges e clérigos que se opunham a ele, forçando-o a desfilar em torno da spina segurando as mãos de freiras enquanto o público cuspia de cima. O uso imperial do vexame público como arma política e a enorme multidão do Hipódromo pareciam feitos um para o outro e a punição voltaria a ser empregada novamente por muitos imperadores.

Uma Arena Social e Política

As facções coloridas do Hipódromo de Constantinopla despertavam grande lealdade dos seus apoiadores e uma feroz rivalidade entre si. Os Azuis e Verdes, que dominaram os séculos V e VI, eram particularmente conhecidos por sua violência e selvageria. De fato, uma das responsabilidades do Eparca, um funcionário de alto escalão da cidade, consistia em supervisionar as facções, tal era sua má reputação. Além do papel esportivo, as fações também serviam para organizar a defesa dos muros da cidade caso necessário. Os grupos de apoio não se esquivavam da ação política e com frequência apoiavam causas populares, usando o hipódromo para despertar a atenção para questões que considerassem importantes. Mesmo o imperador, caso se tornasse alvo de rumores devido a alguma indiscrição ou abuso, podia ser censurado pelos espectadores na arena, provavelmente um dos poucos locais onde o povo comum se encontrava com os governantes.

Houve ocasiões em que as facções ficaram completamente fora de controle como, por exemplo, os famosos tumultos da Revolta Nika de 11-19 de janeiro de 532. As verdadeiras causas de descontentamento eram as elevações de impostos por Justiniano I e seu comportamento autocrático, mas o tumulto acabou explodindo pela recusa do imperador de perdoar membros azuis e verdes após um recente surto de violência no hipódromo. Esquecendo as diferenças, os rufiões juntaram forças e, usando o ameaçador canto "Vitória!" (Nika), geralmente destinado ao condutor para o qual torciam numa corrida, organizaram-se para o combate. A revolta começou após a aparição de Justiniano no hipódromo nas corridas inaugurais dos jogos. A multidão voltou-se contra o imperador, as corridas foram canceladas e os baderneiros abandonaram o hipódromo para promover distúrbios pela cidade. Eles deixaram um impressionante rastro de destruição, incendiando as igrejas de Santa Sofia e Santa Irene, os banhos públicos de Zeuxipo, o portão Chalke e uma boa porção do fórum Augustaion, incluindo, de maneira significativa, o prédio do Senado. O ponto de partida de toda esta destruição, o Hipódromo, escapou com poucos danos.

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Obelisk of Thutmose III, Istanbul
Obelisco de Tutmés III, Istambul
Dennis Jarvis (CC BY-SA)

O tumulto se tornou uma rebelição em larga escala e Hipátio, general e sobrinho de Anastásio I (r. 491-518 d.C.) foi coroado no hipódromo como novo imperador pelos revoltosos. Porém, Justiniano não seria derrubado tão facilmente do trono e seus generais, Belisário e Mundo, esmagaram implacavelmente a revolta, massacrando 30.000 dos participantes dentro do próprio hipódromo. Hipátio, que sequer tinha manifestado o desejo de ser coroado pelos revoltosos, acabou executado assim mesmo. Os jogos permaneceram cancelados por vários anos após esta crise. É significativo, também, que a partir do século VII, as fações passaram a ser reprimidas e permitidas apenas para fins cerimoniais. Claramente, os imperadores estavam receosos de misturar esporte e política. Finalmente, Leão III (r. 717-741) usou o hipódromo como um fórum para anúncios solenes. Anteriormente, eles aconteciam numa reunião seleta conhecida como silention, mas Leão expandiu seu público para o maior número possível de pessoas que pudessem se espremer na arena.

Declínio

A partir do século VII, o número de corridas realizadas no hipódromo diminuiu, como ocorria em todo o império à medida que a cultura romana perdia força, mas ainda hospedou competições até o século IX. Eventos públicos, como execuções e festivais, ainda aconteceram até o século XIII e o ataque da Quarta Cruzada à capital, quando os monumentos foram removidos da arena. O Hipódromo de Constantinopla desapareceu há muito tempo, seus materiais de construção foram canibalizados para outras estruturas, mas seu contorno está claramente marcado, vários metros acima do nível original, na forma de um parque público que inclui o que resta da coluna da serpente e dois obeliscos originais, no centro da atual Istambul.

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Bibliografia

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Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é autor em tempo integral, pesquisador, historiador e editor. Seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações compartilham. Ele possui mestrado em Filosofia Política e é diretor editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2017, novembro 28). O Hipódromo de Constantinopla [The Hippodrome of Constantinople]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1158/o-hipodromo-de-constantinopla/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "O Hipódromo de Constantinopla." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação novembro 28, 2017. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1158/o-hipodromo-de-constantinopla/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "O Hipódromo de Constantinopla." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 28 nov 2017. Web. 02 out 2024.