
O Culto do Ser Supremo foi um culto deísta estabelecido por Maximilien Robespierre (1758-1794) durante a Revolução Francesa (1789-1799). A iniciativa tinha como objetivo substituir o catolicismo romano como religião estatal da França e minar o Culto da Razão, de caráter ateísta, que conquistara popularidade na ocasião. Representou o auge do poder de Robespierre e, após a queda do líder jacobino, caiu no esquecimento.
Ao estabelecer o Culto do Ser Supremo, ele pretendia conduzir a República Francesa a um estado de virtude absoluta ou excelência moral. Robespierre queria utilizar a ideia de uma divindade abstrata, o Ser Supremo, para educar o povo francês sobre o relacionamento entre virtude e governo republicano, criando assim uma sociedade perfeitamente justa. Conforme o decreto de 18 floréal (7 de maio), o culto reconhecia a existência de um Ser Supremo, bem como a imortalidade da alma humana. A adoração ao Ser Supremo seria feita por atos de dever cívico.
Em 8 de junho de 1794, o Festival do Ser Supremo foi realizado no Campo de Marte. No ápice dos seus poderes ditatoriais, Robespierre assumiu um papel central nas festividades, o que lhe deu a aparência de pontífice da nova religião. Acredita-se que o descontentamento criado pelo culto e pela posição central que ocupava contribuiu para a queda de Robespierre, pouco mais de um mês depois. Conforme a historiadora Mona Ozouf, o Festival incorporou uma certa rigidez revolucionária que prenunciava a "esclerose da Revolução" (Ozouf, 24).
A Igreja e a Revolução
A Revolução Francesa entrou em conflito com a Igreja Católica desde seu início. Um pilar fundamental do opressivo Ancien Régime, a instituição da Igreja parecia representar corrupção, superstição e atraso, em oposição total aos valores revolucionários. Em novembro de 1789, as propriedades da igreja foram confiscadas e nacionalizadas para reforçar a enfraquecida economia francesa, enquanto a Constituição Civil do Clero forçou todos os religiosos praticantes a jurar lealdade à nova constituição e prometer que a lealdade ao estado francês viria em primeiro lugar em relação ao Papa.
No entanto, nesta fase inicial da Revolução, era a instituição da igreja que estava sob ataque, e não o cristianismo em si. Muitos cidadãos consideravam-se católicos e muitos até buscaram se reconciliar a Igreja Gálica [ou seja, a igreja católica francesa] com a Revolução; a maioria dos primeiros festivais revolucionários incluía sermões de padres constitucionais, que faziam questão de traçar paralelos entre os valores revolucionários e os evangelhos, além de se referir a Jesus Cristo como o sans-culotte ideal. O batizado dos bebês incluía uma fita decorativa tricolor presa às fraldas, simbolizando a entrega a Jesus e à pátria.
Mas, em pouco tempo, as diferenças entre a Igreja e a Revolução tornaram-se muito grandes para serem ignoradas. O Papa condenou o movimento e excomungou os clérigos que haviam apoiado a nova constituição. O rei Luís XVI da França (r. 1774-1792), após a fracassada fuga para Varennes, deixou claro seu desgosto com o tratamento dado à Igreja pela Revolução, contribuindo ainda mais para associá-la à aristocracia corrupta. No final de 1791, a Assembleia Legislativa Francesa declarou que todos os clérigos que ainda não haviam prestado juramento à constituição eram culpados de conspiração e condenados à deportação. Além disso, a Assembleia legalizou o divórcio e declarou que todos os registros de nascimentos, mortes e casamentos passariam a ser realizados apenas por funcionários seculares, removendo uma função importante da Igreja.
A Ascensão do Ateísmo: o Culto da Razão
Porém, as tentativas mais fervorosas de descristianização só ocorreram durante o Reino do Terror, em setembro de 1793. Um movimento anticlerical e ateísta, chamado Culto da Razão, surgiu em Paris, apoiado por uma facção extremista e "ultrarrevolucionária" conhecida como os hebertistas. O Culto da Razão rejeitava completamente a existência de Deus, dedicando-se, em vez disso, à celebração dos valores do Iluminismo, tais como a liberdade e o racionalismo. Embora ainda tivesse cerimônias que se assemelhavam às tradições religiosas, elas tinham o propósito principal de zombar da religião organizada, levando alguns historiadores a considerar o culto como uma "caricatura grosseira das cerimônias católicas" (Furet, 564).
Os hebertistas, que conquistaram o poder na Comuna de Paris, buscaram a descristianização como uma política oficial da Revolução, tornando o Culto da Razão a religião oficial. Eles foram fundamentais na substituição de muitos símbolos e estátuas cristãs por iconografias revolucionárias, enquanto a Convenção Nacional adotou o calendário republicano, que apagou todas as referências ao cristianismo do ano francês. Os representantes alinhados com os hebertistas levaram estas atitudes para as províncias, promovendo o vandalismo de propriedades da igreja e removendo todos os artigos de valor para custear o esforço de guerra. Um deles, Joseph Fouché, retirou todos os símbolos religiosos de um cemitério e instalou uma placa no portão, com a frase "A morte nada mais é que o sono eterno", que se tornou um dogma do Culto da Razão (Schama, 777).
O Culto da Razão tornou-se especialmente hostil aos clérigos, forçados de maneira humilhante a abjurar de seus votos ao se casar ou se declarar publicamente como charlatães, sob ameaça da guilhotina. A violência declarada contra os católicos ficava cada vez mais comum: Jean-Baptiste Carrier ganhou notoriedade ao submergir milhares de religiosos e rebeldes religiosos da Vendeia no Rio Loire, no episódio que ficou conhecido como os afogamentos de Nantes. Em 7 de novembro de 1793, o arcebispo de Paris foi forçado a renunciar às suas atribuições e obrigado a substituir a mitra por um gorro vermelho da liberdade. Para celebrar a humilhação do arcebispo, os hebertistas organizaram um Festival da Razão, realizado na Catedral de Notre-Dame, que havia sido rededicada como o Templo da Razão.
O Festival da Razão, realizado em 10 de novembro, não demorou a ser alvo de rumores escandalosos. Era verdade que Sophie Momoro, esposa de um dos líderes hebertistas, desempenhou um papel central como uma deusa da Razão escassamente vestida, e que o altar cristão tinha sido desmantelado em favor de um altar à "Filosofia". Porém, persistiram rumores sobre atos de licenciosidade que teriam também ocorrido, incluindo orgias. Verdadeiros ou não, estes boatos finalmente obrigaram Robespierre e os jacobinos moralizadores a tomar providências.
Robespierre e a Religião
No final de 1793, Robespierre estava alcançando o auge dos seus poderes ditatoriais. Ainda que os membros do Comitê de Segurança Pública fossem teoricamente iguais, na prática o órgão estava sob controle de Robespierre, o que o fazia o verdadeiro senhor da França. Célebre pelo seu fanatismo, à beira do puritanismo, ele jamais estivera tão perto de alcançar o objetivo da República perfeitamente virtuosa, consistindo em cidadãos que pensavam no bem comum acima de tudo. Em seu caminho, no entanto, encontravam-se os hebertistas e seu aparentemente hedonista Culto da Razão. Em termos puramente pragmáticos, Robespierre sabia que a aversão declarada do grupo ao cristianismo alienaria ainda mais a República de apoiadores e aliados potenciais. Pessoalmente, ele se sentia ofendido pelo ateísmo e a suposta depravação, uma antítese da sua sociedade idealizada e moralizadora. De qualquer forma, o culto teria de acabar.
Não muito tempo depois do Festival da Razão, Robespierre fez um discurso no Clube Jacobino, denunciando o ateísmo como 'aristocrático'. Em março de 1794, providenciou as prisões e execuções de dezenove líderes hebertistas; suas mortes resultaram também na diminuição do alcance do Culto da Razão. Imediatamente, o líder revolucionário buscou reparar o dano causado e seu aliado, Geoges Couthon, anunciou, no dia 7 de abril, que novas propostas seriam apresentadas para "canalizar as inclinações espirituais da nação de maneiras mais patrióticas" (Doyle, 277).
Mas permanecia a questão do quê exatamente esta nova espiritualidade se pareceria. A despeito do seu ódio ao ateísmo, Robespierre estava longe de ser um fã do catolicismo romano, uma instituição que considerava como imensamente corrupta. Em vez dele, seria necessário introduzir um novo deus, que personificasse os valores revolucionários da verdade, liberdade e virtude. Somente através da fé compartilhada num poder superior, acreditava Robespierre, poderia a sociedade francesa alcançar seu destino e chegar ao pináculo da virtude; claramente, ele concordava com Voltaire em que "Se Deus não existisse, seria necessário inventá-lo" (Scurr, 294).
Assim, Robespierre resolveu fazer exatamente isso. Ele fundou o Culto do Ser Supremo, centrado no deísmo, a crença de que um criador existe, mas que, em sua versão, se abstinha de interferir no universo. Sua crença no Ser Supremo se associava à da imortalidade da alma humana e ele começou a pregar tais doutrinas diante da Convenção Nacional e do Clube Jacobino. Na data revolucionária 18 floréal ano II (7 de maio de 1794), persuadiu a Convenção a adotar oficialmente a Adoração ao Ser Supremo; as linhas iniciais do decreto proclamavam que:
1. O Povo Francês reconhece a existência do Ser Supremo e da imortalidade da alma.
2. Eles reconhecem que a adoração digna do Ser Supremo é a prática dos deveres do homem.
3. Eles colocam em primeiro lugar entre esses deveres [a obrigação] de detestar a má-fé e a tirania, punir tiranos e traidores, resgatar os infelizes, respeitar os fracos, defender os oprimidos, [e] fazer aos outros todo o bem que se pode e não ser injusto com ninguém. (Decreto que Estabelece a Adoração do Ser Supremo, de Alphahistory.com)
As celebrações republicanas deveriam acontecer a cada décimo dia ou décadi no novo calendário, com o primeiro grande festival marcado para o 20 prairial (8 de junho), que coincidia com o domingo de Pentecostes no calendário cristão; ignora-se se se tratava de uma coincidência ou um desafio sutil à religião tradicional. De qualquer forma, as localidades receberam instruções vagas da Convenção sobre a preparação do próximo Festival. Em algumas regiões, utilizaram-se os mesmos adereços utilizados nos recentemente proscritos festivais da Razão, com a pintura dos novos slogans deístas sobre os anteriores, de caráter ateísta. Em áreas mais religiosas e conservadoras, a ocasião serviu para realizar publicamente a missa cristã pela primeira vez deste o início do Reino do Terror, sem receio de repercussões. Mas o principal local de celebração ocorreria nos arredores de Paris, no Campo de Marte.
O Festival do Ser Supremo
À medida que o dia do festival se aproximava, o renomado pintor e fanático jacobino Jacques-Louis David foi encarregado de organizar o evento. Ele construiu uma montanha artificial no Campo de Marte como o cenário principal do festival; tratava-se de uma metáfora para celebrar o triunfo da Montanha, uma facção política dos jacobinos, sobre seus inimigos. David coreografou meticulosamente cada uma das celebrações, num grande esforço para organizar tudo da maneira mais eficiente possível. Transferiu-se a guilhotina, que ultimamente tinha estado tão ocupada, da Praça da Revolução para o local da recém-demolida Bastilha, onde o som da lâmina descendo estaria longe dos ouvidos dos parisienses que celebravam.
O dia 8 de junho de 1794 amanheceu ensolarado, como se o Supremo Ser em pessoa estivesse sorrindo para o povo francês. Por toda Paris, os cidadãos haviam decorado suas casas com grinaldas de carvalho e louro, fitas tricolores e flores. Pela manhã, eles se dirigiram ordeiramente para os jardins do Palácio das Tulherias, onde ocorreriam as primeiras comemorações e discursos do dia. Observando as massas se reunirem, numa das janelas do palácio, o próprio Robespierre ostentava um casado azul-celeste, calças douradas e um cinturão tricolor.
Convenientemente eleito presidente da Convenção Nacional quatro dias antes, Robespierre oficiaria as cerimônias e desempenharia as funções de sumo sacerdote. Inquieto demais para ingerir seu café da manhã, conforme seu companheiro na ocasião, Joachim Vilate, ele não conseguia se afastar da janela, permanecendo ali para observar o agrupamento de crianças sorridentes, mulheres usando rosas nos cabelos e homens com folhas de carvalho nos chapéus. Maravilhado com a multidão que se reunira para celebrar a religião que criara, Robespierre dirigiu-se a Vilate, refletindo:
Contemple a parte mais interessante da humanidade! Aqui está o universo reunido diante de nós! Natureza, quão sublime, quão prazeroso teu poder! Como os tiranos devem empalidecer ao pensar neste festival. (Scurr, 316)
Ao meio-dia, Robespierre saiu para o jardim e se juntou aos colegas deputados da Convenção. Após acalmar a multidão, proferiu o primeiro discurso do dia, anunciando já no início: "chegou o dia, para sempre afortunado, que o povo francês consagrou ao Ser Supremo" (ibid). Após terminar sua fala, ele se virou para uma estátua de papelão, feia e deformada, que representava o ateísmo, e a incendiou. À medida que queimava, outra estátua surgiu, esta bela e majestosa, representando a Sabedoria. Mais adiante, Robespierre fez outro discurso, durante o qual pôde ouvir os deputados da Convenção murmurando e abafando o riso às suas costas. Ele não esqueceria o insulto.
O início da tarde, o líder revolucionário liderou a multidão de cidadãos que cantavam através das ruas de Paris e para o Campo de Marte, onde o imenso monumento de David ao jacobinismo os esperava. Conta-se que mais de meio milhão de pessoas se reuniram em torno, gritando Vive le Republique! e Vive Robespierre!, à medida que os deputados ocupavam seus assentos no cimo da montanha, próximos a uma grande árvore da liberdade. Do alto, eles lideraram as multidões reunidas para cantar La Marseillaise [A Marselhesa] e jurar os agora habituais juramentos revolucionários. No restante do dia houve competições atléticas, no espírito da Grécia Antiga. Segundo a maioria dos relatos, o Festival do Ser Supremo foi o dia mais feliz da vida de Robespierre.
A Reação ao Festival
O Festival do Ser Supremo teve boa recepção dos parisienses comuns, acostumados à teatralidade vistosa das celebrações revolucionárias e que aproveitavam qualquer oportunidade de fuga e esquecimento da sombria realidade da França em 1794. Os jornais jacobinos elogiaram o festival como o melhor dia da vida dos homens virtuosos e, em Orléans, outro festival aconteceu, com multidões igualmente jubilosas gritando Vive Robespierre!
Como seria de se esperar, nem todos estavam felizes com a celebração e muitos líderes revolucionários se sentiam ameaçados pelo papel central de Robespierre. Ao consolidar seu poder ao longo do inverno e primavera anteriores, ele passara a despertar rumores segundo os quais aspirava à ditadura total; sua posição como pontífice nesta nova estranha religião parecia confirmar esta especulação. Foi o que pensou um deputado da Convenção Nacional chamado Jacques-Alexis Thuriot. Durante o grandioso discurso nos jardins das Tulherias, Thuriot sussurrou para um companheiro: "Olhe só para esse patife. Não é suficiente ser o senhor, ele também quer ser Deus" (Doyle, 278).
Talvez Thuriot e aqueles que compartilhavam seus pensamentos estivessem certos em se preocupar; apenas dois dias após o Festival do Ser Supremo, Robespierre e seus aliados apresentaram uma lei na Convenção sem consulta prévia. Essa lei, que ficou tristemente célebre como a Lei de 22 Prairial, tinha como objetivo resolver o problema das prisões superlotadas de Paris através da aceleração dos julgamentos. Como resultado, seguiu-se o período de um mês conhecido como o Grande Terror, durante o qual mais de 1.400 pessoas foram rapidamente guilhotinadas na capital francesa.
Robespierre começou a insinuar que dispunha de uma lista de conspiradores traiçoeiros na Convenção Nacional, mas se recusava a fornecer nomes, contemplando os deputados se contorcerem sob a sombra do Terror. Receosos de integrarem a lista, muitos deputados se recusavam a dormir nas próprias camas, temendo ser presos na calada da noite. Finalmente, em 27 de julho de 1794, os membros da Convenção se insurgiram e derrubaram Robespierre, executado já no dia seguinte.
Fim do Culto
Com a queda de Maximilien Robespierre, o Culto do Ser Supremo caiu na obscuridade. Seu papel central tanto na criação da nova religião quanto do festival de 8 de junho fizeram com que o culto ficasse associado a ele e aos jacobinos. Após sua morte, ninguém se apresentou para dar continuidade à iniciativa. Durante a Reação do Termidoriano, o período que se seguiu ao Reino do Terror, o governo francês distanciou-se de muitas políticas e costumes dos jacobinos, incluindo o Culto do Ser Supremo. O golpe final, no entanto, veio somente em 1802, quando Napoleão Bonaparte baniu oficialmente tanto o Culto do Ser Supremo quanto o Culto da Razão, através da Lei sobre Cultos de 18 Germinal Ano X.
Robespierre criou o Culto do Ser Supremo para contribuir com a formação da sociedade virtuosa que idealizava. No entanto, as ideias que norteavam a nova religião eram muito vagas para ter efeitos duradouros e o próprio fundador carecia da eloquência e carisma necessárias para atrair mais seguidores. O culto também falhou porque muitos associaram a iniciativa às ambições de Robespierre, considerando que se tratava de uma tentativa de reivindicar status divino ou, pelo menos, ditatorial. A curta duração do culto impossibilita saber quais seriam os planos a longo prazo do seu criador e deixa os estudiosos especulando se se tratava de uma mera ferramenta política ou uma verdadeira religião deísta.