A Cultura Hallstatt recebe esse nome por causa de um lugar na Áustria com o mesmo nome, e essa cultura floresceu na Europa entre os séculos VII e VI a. C. O período completo de sua existência se estende de 1200 a 450 a. C. – do final da Idade do Bronze até o começo da Idade do Ferro.
Devido a similaridades culturais com povos tardios da Idade do Ferro na Europa, a cultura Hallstatt é, com frequência, considerada uma cultura proto-céltica. Ela entrou em declínio por volta de 500 a. C conforme recursos locais, em particular o sal, esvaiam-se e centros de comércio rivais apareciam em outros lugares. Essa cultura foi substituída, em termos de domínio regional, pelos povos que viviam no norte, oeste e leste, conhecidos coletivamente como a Cultura La Tène (450 – 50 a. C.), quando as rotas de comércio ao longo da Europa mudaram na área de Hallstatt.
Tempo & Geografia
O nome da cultura de Hallstatt deriva do local na margem oeste do lago Hallstatt na Alta Áustria, onde os primeiros artefatos foram descobertos em 1846. Tradicionalmente, a cultura era dividida em dois períodos aproximados; um de 750 a 600 a. C e outro de 650 até 450 a. C. Mais recentemente, descobertas arqueológicas têm mostrado que a cultura começou mais cedo do que se pensou, então o período total da existência dessa cultura é agora dividido em quatro (A, B, C e D), começando por volta de 1200 a. C. e terminando cerca de 450 a. C. No entanto, essas datas são o intervalo mais amplo possível, e nem todos os especialistas concordam com elas, tampouco elas podem ser aplicadas para todas as áreas em que a cultura esteve presente.
O mais certo é que, eventualmente, a cultura se espalhou para o leste e oeste, cobrindo um território que hoje corresponde, de um lado, ao oeste da Áustria, ao sul da Alemanha, ao leste da França e à Suíça e, do outro, ao leste da Áustria, à Boêmia e partes dos Balcãs. Era o lado oeste dessa área que enfim se tornaria o que hoje podemos chamar de os antigos celtas. Como a cultura de Hallstatt se espalhou é uma questão rodeada de incertezas. Tradicionalmente sugeriu-se que migrações fossem a resposta, mas historiadores mais modernos preferem uma explicação mais abrangente, que inclua atividades como comércio, alianças tribais, casamentos, imitação, entre outros, os quais podem ser difíceis de rastrear nos registros arqueológicos.
Ferro & Sal
Dois desenvolvimentos foram responsáveis pelo sucesso da cultura de Hallstatt. O primeiro surgiu por volta do começo do primeiro milênio a. C. e cresceu durante os próximos dois ou três séculos, os quais às vezes são chamados de período Urnfield (1300-800 a. C. e equivalente à Hallstatt A e B) depois da prática de enterrar restos cremados em urnas. A tecnologia e o conhecimento sobre o derretimento do ferro fizeram a cultura de Hallstatt dar um salto adiante em termos da fabricação de objetos de metal mais fortes. O ferro era usado para produzir ferramentas melhores, equipamentos agrários mais robustos, rodas com aro de metal mais fortes e armas mais afiadas e mais duráveis do que as feitas na Idade do Bronze, como espadas de ferro. A abundância de ferro local significou que ele podia ser comercializado como matéria prima, e, tipicamente, isso era realizado na forma de lingotes no formato de uma pirâmide dupla ou de hastes simples que pesavam até 9 kg cada.
O segundo fator na prosperidade desta cultura foi a exploração de depósitos de pedra de sal locais. O sal era necessário para conservar a carne, e era comercializado com as culturas vizinhas. Primeiro o sal era extraído de fontes salgadas naturais por meio da evaporação, mas a partir do século VIII a. C. o mais eficiente método de mineração de sal começou a ser usado. As passagens das minas de sal de Hallstatt percorriam 3.750 metros, atingiam uma profundidade de 215 metros e cobriam uma área de 30.000 metros quadrados.
Artefatos relacionados à mineração salina foram preservados por causa da alta concentração de sal no solo ao redor de Hallstatt. Alguns deles são picaretas, sacos de couro para carregar pedras e tochas resinosas. O cobre também era outra preciosa matéria prima encontrada nessa região e exportada.
Com sal e ferro para comercializar, a cultura de Hallstatt ocupava uma boa posição geograficamente para transportar esses materiais para outros lugares. A cultura se localizava no centro de rotas de comércio estabelecidas, as quais eram usadas desde a Idade do Bronze, pelo menos, com as mercadorias sendo transportadas ao longo de vias fluviais que, por sua vez, levavam a alguns dos maiores rios da Europa. A cultura também se beneficiou da expansão dos estados Mediterrâneos ao sul, sobretudo as colônias gregas no sul da França e os Etruscos no centro e norte da Itália, que ficou ainda mais interessada em ter contatos comerciais com os povos da Europa central.
Cultura Material
Os principais restos arqueológicos desta cultura são construções fortificadas e tumbas da elite social. Esses dois tipos de estruturas eram construídos em locais que os historiadores costumam chamar de ‘locais principescos’, indicando que a crença das comunidades de Hallstatt se centrava em príncipes locais e na aristocracia que governava e controlava os recursos econômicos da tribo. Tipicamente, esses lugares se localizavam no alto de colinas e revelam evidências de ruas estreitas ladeadas por residências pequenas e maiores de madeira e áreas concentradas de oficinas. Que o comércio estava bombando é indicado pela quantidade de mercadorias estrangeiras escavadas, como chifres de bebida orientais, vasos de bronze etruscos, cerâmica fina da Grécia e seda do leste do Mediterrâneo.
A cerâmica era produzida localmente, e a produção de mercadorias para banquetes indica que isso era uma parte importante da cultura. Jarros, vasilhas e chifres de beber eram decorados geralmente com desenhos geométricos, os quais eram incisos, estampados ou pintados com ocre ou grafite. Também havia diferenças na cultura de Hallstatt, como uma cerâmica mais plana no leste e mais decorativa no norte. Broches são outra descoberta comum, e eles também ilustram a variedade regional, provavelmente refletindo diferentes tipos de vestimentas. Pássaros, sobretudo pássaros da água, como patos, cisnes e touros aparecem proeminentemente na arte de Hallstatt, melhor vista em pequenas esculturas de bronze ou ferro, as quais eram feitas como oferendas votivas. Objetos como esses e até tigelas de bronze para cozinhar mostram um alto nível de expertise técnica na manufatura.
Sepultamentos
Embora haja evidências de cremações depositadas em sepulturas modestas, as tumbas da elite de Hallstatt mostram que eles tinham a habilidade de empregar um grande trabalho organizado na construção delas. Uma tumba típica é composta por uma câmara interna forrada de madeira, cercada por um grande monte de terra. Um excelente exemplo é a tumba Horchdorf próxima de Baden-Württemberg, no sudoeste da Alemanha, que data da segunda metade do século VI a. C. Outrora parte de um complexo funerário desde que foi nivelada e reconstruída, a tumba estava intacta quando a escavaram. As paredes de madeira da câmara foram feitas de toras de carvalho, com cada parede medindo por volta de 4,7 metros de comprimento. Dentro estava um único ocupante masculino, com cerca de 40 anos, que foi colocado num sofá de bronze.
Na tumba também havia uma carroça de quatro rodas com arreios para cavalos, um chapéu em formato de cone feito de casca de bétula, uma aljava de flechas e anzóis para pesca. Os bens preciosos incluíam acréscimos de ouro na vestimenta do homem e botas de couro, um bracelete e colar de ouro, um colar de âmbar, recipientes finos para beber (alguns continham hidromel), vasilhas e um caldeirão de bronze maciço com decorações de leão. O caldeirão é de origem Mediterrânea e ilustra o comércio realizado entre os povos de Hallstatt e as culturas vizinhas. A única arma na tumba era uma faca, e, comparado com tumbas célticas de períodos posteriores, esse é um ponto de distinção. Curiosamente, uma escultura de arenito de um guerreiro em tamanho real foi encontrada nas proximidades, e ele usa o mesmo tipo de chapéu encontrado na outra tumba. A figura de pedra talvez tenha ficado de guarda sobre a tumba real e podia inclusive ter representado seu ocupante.
Outro lugar bem documentado é um assentamento fortificado no topo de uma colina em Heuneburg na margem oeste do Danúbio, no sudeste da Alemanha. No século VI a. C., o local recebeu uma parede de tijolos de barro de 600 metros colocada sobre uma base de pedras e pontuada com torres quadradas. Em alguns pontos a parede atinge uma altura de 4 metros. A pedra necessária para esse projeto em larga escala foi extraída de uma fonte de calcário a 6,5 quilômetros de distância. Evidências de descobertas arqueológicas e técnicas de construção sugerem fortemente que um contato com os Etruscos foi estabelecido. Espalhados ao redor da área fortificada estão 11 túmulos contendo uma rica variedade de bens.
A tumba de Vix data da última fase do período Hallstatt, talvez o começo do século V a. C. Localizada próxima de Châtillon-sur-Seine no nordeste da França, esse túmulo continha os restos de uma mulher e indica que as mulheres podiam ser tão honradas quanto os homens em termos de cuidado e custo do enterro. Dentro do monte estava a agora familiar câmara forrada de madeira, na qual havia uma carroça de quatro rodas, um enorme torque de ouro, muitos outros itens de joalheria e o famoso Vix Krater. Esse krater é feito de bronze, mede 1,64 metros de altura e tem capacidade de 1100 litros, sendo o maior exemplo desse tipo de artefato a sobreviver desde a antiguidade.
Declínio & Cultura La Tène
Por volta de 600 a. C. há um aumento expressivo das fortificações, tanto para assentamentos no estilo vila quanto para grupos de residências individuais. Outro desenvolvimento é a concentração de poder e riqueza em menos assentamentos. Essas mudanças provavelmente eram sintoma do aumento da competição por recursos e riqueza, principalmente porque as culturas Mediterrâneas apresentavam melhores oportunidades de comércio. Ao fim do período Hallstatt, a quantidade de enterros grandes com bens preciosos depositados neles aumentou. Sendo assim, a cultura ainda estava prosperando, mas então algo aconteceu que levou esses povos ao declínio. Nós sabemos que a produção de sal em Hallstatt terminou em 400 a. C. A elite, agora muito acostumada aos bens de luxo proporcionados pelo comércio, possivelmente se mudou para outros lugares a fim de manter o padrão de vida ao qual tinha se acostumado. Enquanto isso, os povos do oeste da Europa estabeleceram suas próprias redes de comércio com as culturas do Mediterrâneo e substituíram a de Hallstatt como o mercado principal dos comerciantes da Etrúria e das colônias gregas no sul da França.
A cultura de Hallstatt foi substituída em termos de domínio regional pela cultura La Tène, nomeada assim por causa do local na costa norte do lago Neuchâtel, na Suíça. As duas culturas podem muito bem ter sobreposto uma à outra por uma geração (460-440 a. C.). Há muito poucos locais que mostram qualquer continuidade entre as duas; um local notável onde elas se conectam é Hohenasperg, no sul da Alemanha. Parece, então, que rotas de comércio na Europa mudaram conforme novos recursos eram descobertos em outros lugares e novos assentamentos prosperavam ao longo dessas rotas. Assim, os lugares de Hallstatt silenciosamente se esmeiraram para a obscuridade histórica, e sua história só seria redescoberta 23 séculos depois.