A Vida Cotidiana na China Antiga

Artigo

Emily Mark
por , traduzido por Débora Barbosa
publicado em 27 abril 2016
Disponível noutras línguas: Inglês, africâner, francês, italiano, Persa, espanhol
Ouve este artigo
X
Imprimir artigo

A vida cotidiana na China antiga mudou ao longo dos séculos, mas refletiu os valores da presença de deuses e dos ancestrais em quase todos os períodos. Vilarejos como Banpo mostram evidências de uma sociedade matriarcal, onde havia uma classe sacerdotal dominada por mulheres que governavam e eram as autoridades religiosas.

Hoje, a cultura chinesa é uma das mais antigas do mundo. Há mais de 6000 anos essa cultura começou a se desenvolver no Vale do Rio Amarelo e muitas das práticas daquela época ainda podem ser observadas atualmente. Os chineses desenvolveram uma sociedade baseada no respeito pelos espíritos da terra, pelos seus ancestrais, pelos deuses e uns pelos outros. Acreditavam que o mundo era governado por espíritos e deidades, por isso, as pessoas deveriam se comportar como se estivessem na presença desses espíritos o tempo todo.

Remover publicidades
Publicidade

Na era pré-histórica (c. 5000 a.C.), as pessoas viviam em pequenas aldeias no Vale do Rio Amarelo, em casas pequenas e circulares construídas no chão, usavam peles de animais e praticavam uma forma de religião animista. Pequenos vilarejos, como Banpo, evoluíram para sociedades maiores e, mais tarde, para cidades. A Dinastia Xia (2070–1600 a.C.) foi o primeiro governo da China a estabelecer grandes cidades. Pensava-se que essa dinastia era, em sua maioria, mitológica, até serem descobertas evidências arqueológicas que, de acordo com acadêmicos, comprovam sua existência (apesar de isso ainda ser assunto de debate). Depois da Dinastia Xia, veio a Dinastia Shang (1600–1046 a.C.), foi quando a escrita foi desenvolvida e a primeira evidência escrita de como a vida poderia ter sido para as pessoas na China antiga apareceu.

Banpo Village, Xi'an, China
Assentamento de Banpo, Xi'an, China
Ian Armstrong (CC BY-SA)

Classes Sociais, Roupas e Adornos

Acredita-se que a seda tenha sido inventada c. 2696 a.C., que foi quando a deusa Leizu, esposa do deus supremo Shangti, estava tomando chá e um casulo caiu em seu copo. Ela percebeu que, ao se desenrolar, o casulo era feito de uma só linha, então passou a plantar amoreiras para que bichos-da-seda pudessem tecer sua teia e produzir seda. Os nobres e a realeza eram as únicas pessoas que podiam usar seda. Aqueles que costuravam as roupas, e até mesmo os mercadores que as vendiam, eram proibidos de usá-las. A maior parte da população da China usava roupas feitas de cânhamo.

Remover publicidades
Publicidade

As mulheres usavam túnicas longas que iam até seus tornozelos, com um laço em volta de suas cinturas; as túnicas masculinas eram menores e iam apenas até os seus joelhos, às vezes, eles usavam calças e botas ou sandálias de tecido. Em épocas mais frias, costumavam usar uma jaqueta grossa e forrada, feita de cânhamo. Mulheres chinesas costuravam a imagem de um tigre nas roupas de suas crianças, como um símbolo para proteção. O tigre era reconhecido como o rei das feras e acreditava-se que sua imagem era capaz de proteger do mal. Às vezes, as mães costuravam imagens de sapos ou cobras nas roupas, junto ao tigre, para adicionar mais proteção contra o perigo.

Essa prática alcançou as classes mais altas, então dragões e tigres passaram a ser bordados na seda com o mesmo propósito. Na Dinastia Sui (589–618 d.C.), o imperador decretou, por haver muita semelhança entre o que os camponeses e o que os nobres vestiam (mesmo que apenas os nobres pudessem usar seda), uma lei que obrigava todos os camponeses a usar roupas azuis ou pretas; apenas os ricos podiam usar roupas coloridas.

Remover publicidades
Publicidade

As classes sociais eram determinadas desde o nascimento. Se o pai era camponês, o filho também seria. A divisão social entre a corte, nobres, mercadores (donos de negócios) e camponeses se aprofundou com a invenção da escrita; as pessoas passaram a ser divididas em uma classe alta letrada e uma classe de camponeses analfabetos. A Dinastia Han (202 a.C.–220 d.C.) incentivou a educação entre os homens como parte dos ideais confucianos e deu início às provas para a ocupação de cargos públicos, que possibilitava a ascensão de classes mais baixas. Um camponês letrado poderia ascender ao nível de um burocrata se passasse na prova.

A partir da Dinastia Han, as pessoas podiam melhorar sua condição social ao passar nessas provas imperiais e trabalhar para o governo, mas era muito difícil passar nessas provas. Não era apenas necessário ser letrado, mas também quase ter memorizado os nove livros (conhecidos como Os Cinco Clássicos e os Quatro Livros) para responder às perguntas referente a eles.

Os ricos e a classe média eram nobres, mercadores, políticos ou funcionários civis, enquanto os pobres eram os camponeses das fazendas e os operários. As tavernas e bares eram lugares de reunião para homens de todas as classes, mas cada um tinha seu próprio tipo de taverna. Os de classe alta não iam a bares frequentados pelos camponeses e os camponeses não eram permitidos nos bares de alta classe. O acadêmico Charles Benn escreveu:

Remover publicidades
Publicidade

Em Changan, ocidentais geriam tavernas preferidas por poetas, nas alas ao longo da muralha sudeste da cidade. Eles contratavam mulheres brancas, loiras e de olhos verdes da Ásia Central para cantar e dançar, assim os patronos gastavam mais dinheiro em cerveja. Além das tavernas dentro das muralhas de Changan, havia bares onde os aldeões que viviam ao longo de cerca de trinta quilômetros e meio da estrada oriental fora da cidade vendiam cerveja para os viajantes. (57)

As tavernas urbanas atendiam desde aos de classe média até os trabalhadores rurais e classes mais baixas. Na cidade de Changan, durante a Dinastia Tang (618–907 d.C.), havia uma área no distrito de North Hamlet conhecida como Os Alojamentos Gay, que servia os ricos. A palavra "gay" deve ser entendida como "leve de coração" e as funcionárias eram cortesãs muito caras e de alta classe. Benn escreveu: "Mais estimadas, ou pelo menos tanto quanto, por seus talentos para o entretenimento em banquetes do que pelos seus serviços sexuais, muito parecidas com as gueixas japonesas" (64).

Nenhuma pessoa de classe baixa era permitida nos Alojamentos Gay, e se fossem, não poderiam visitar nenhuma das casas porque a entrada era muito cara. As tavernas eram frequentemente gerenciadas por mulheres, mas os Alojamentos Gay eram geridos por homens que respondiam ao prefeito da cidade. Era assim que normalmente funcionava na China, onde cortesãs estavam estritamente sob o controle do governo.

Na antiguidade, também se percebia a diferença das classes sociais através de penteados e outras escolhas pessoais. Homens e mulheres de todas as classes deixavam os cabelos longos porque se pensava que o cabelo vinha dos antepassados e que era desrespeitoso cortá-lo. No dia a dia, prendiam os cabelos num coque, mas nunca cortavam. Mulheres ricas prendiam o cabelo com grampos elaborados, feitos de marfim, ouro ou prata, enquanto mulheres mais pobres amarravam seus cabelos num nó ou os prendiam com um fio de tecido.

Remover publicidades
Publicidade

Assim como o cabelo, o corpo também era considerado uma dádiva dos ancestrais e não devia ser maltratado. O corpo não era seu para fazer o que quisesse; deveria ser tratado com respeito. Por isso, a maioria das pessoas desprezava quem tinha tatuagens, além disso, marcar o corpo com tinta era associado a costumes bárbaros. As tatuagens também eram usadas para marcar os criminosos, aqueles que fossem marcados a carregariam pelo resto de suas vidas; mesmo que a marca fosse queimada, a cicatriz permaneceria.

Chinese Hairpins
Grampos Chineses
The Trustees of the British Museum (Copyright)

Porém, existem registos de algumas pessoas que escolheram se tatuar como forma de expressão artística. Charles Benn escreveu:

[Um homem] pagou 5000 de seu dinheiro para que um artista picasse seu peito e barriga para pintar uma paisagem cheia de gazebos alojados em montanhas, pavilhões sobre rios, árvores, pássaros e animais” [e outro] “tatuou uma serpente em todo o seu corpo durante a juventude. A Imagem da serpente começava na mão direita, onde a mandíbula do animal foi desenhada no espaço entre o polegar e o indicador. O corpo da serpente se enrolava ao redor do pulso, do braço e do pescoço. O resto do corpo descia pelo peito, barriga, coxa e canela, onde terminava com uma cauda. (112–113)

Mas, geralmente, tatuagens eram usadas apenas por condenados ou membros de gangues. Benn cita o exemplo de membros de uma gangue de rua que tinham os cabelos raspados e tatuagens, eles roubavam e batiam nas pessoas no mercado de Changan. Depois que foram presos, o prefeito os fez serem publicamente espancados até a morte na praça da cidade, depois disso, muitas pessoas queimaram suas tatuagens para não serem associadas à gangue.

Assim como as tatuagens, o odor corporal também era associado a bárbaros e criminosos. Os chineses eram muito meticulosos quanto a se perfumarem. Benn escreveu:

Tanto mulheres quantos homens se perfumavam. As moças do palácio usavam aromas tão excessivos que quando saíam em excursão, a presença de seu cortejo impregnava o ar por quilômetros. (113)

Também usavam desodorantes feitos de cal, incenso, cravos, âmbar e plantas aristolóquia. Benn escreveu: "O composto era embalado em saquinhos que eram colocados debaixo das axilas. As autoridades também recomendavam lavar as axilas com urina no Dia de Ano Novo" (114). Pensava-se que tomar banho todos os dias era pedir para ficar doente e o costume era de tomar banho a cada cinco dias. Para mau hálito, os chineses chupavam cravos e era obrigatório que qualquer um na presença do imperador fizesse isso antes de falar com ele. O odor dos pés era outra preocupação, era controlado com perfumes ou cânfora.

Os sapatos dos ricos eram macios e feitos de seda, com as pontas viradas para cima, enquanto os dos camponeses eram botas ou sandálias grossas feitas de palha, cânhamo ou madeira. Dentro de casa, todos usavam chinelos feitos de palha, fio de cânhamo ou seda. Tanto os homens quanto as mulheres das classes altas deixavam as unhas crescerem para mostrar que não precisavam trabalhar. Eles tinham criados que faziam tudo por eles, até mesmo os alimentavam para não estragarem as unham. As mulheres ricas usavam joias, como brincos, braceletes, colares, amuletos e anéis. Algumas mulheres prendiam asas de besouro-verde em suas roupas para ficarem mais atraentes para os homens.

Silk & Textile Shoe from China
Sapato de Seda e Tecido da China
The Trustees of the British Museum (Copyright)

Durante o período conhecido como As Cinco Dinastias e os Dez Reinos (907–960 d.C.), se iniciou a prática de enfaixar os pés. É provável que tenha começado antes, mas se tornou um costume após o reinado do Imperador Li Yu (937–978 d.C.) que fez sua consorte Yia Niang enfaixar seus pés para que se assemelhasse a uma lua crescente e performar uma dança especial para os convidados em uma de suas festas. Li Yu ergueu uma grande estátua dourada de uma flor de lótus em seu jardim e a dança de Yia Niang foi feita para honrar sua inauguração. A dança dela foi tão bonita que fez as outras mulheres presentes desejarem ter pés pequenos e graciosos como os de Yia Niang, assim, logo se desenvolveu a ideia de que uma mulher bonita deveria ter pés pequenos.

As meninas ainda crianças tinham os pés enrolados em ataduras tão apertadas que quebravam os dedos e os faziam se curvar para debaixo do pé. As meninas andavam pisando nos próprios dedos dos pés e sofriam em dor constante por anos até se acostumarem. Apesar dessa prática começar nas classes mais altas, logo se tornou comum para todas as mulheres da China. Isso tornava muito difícil trabalhar nos campos de arroz ou fazer qualquer tipo de trabalho manual. Em pinturas antigas, as mulheres são mostradas rastejando nos arrozais porque não conseguiam andar. O enfaixamento dos pés continuou por séculos até ser proibido por lei em 1911 d.C. Muitas mulheres foram entrevistadas, no final do século XIX e no início do século XX, sobre o enfaixamento dos pés e contaram que choraram de dor durante anos e que isso nunca as fez se sentirem mais bonitas.

Agricultura, Comida e Bebida

A principal cultura da China era a de arroz. O arroz crescia melhor na parte sul da China, em campos inundados, por isso, canais foram abertos para inundar mais campos por todo o país. O arroz foi tão importante que foi usado para pagar impostos. Se comia arroz em toda refeição e ele era até mesmo fermentado para se fazer vinho. Trigo e outros grãos também eram cultivados, mas nunca foram tão importantes quanto o arroz.

A dieta chinesa era (e ainda é), em maior parte, vegetariana. Os templos e monastérios chineses ensinavam que uma dieta saudável levava a uma vida longa e enfatizavam o vegetarianismo como uma forma humana e saudável de alimentação. Os chineses comiam carne, mas era raro, e nunca se matava uma galinha que ainda estivesse botando ovos. O peixe era o prato mais popular, servido com arroz e vegetais.

Ding
Ding
The Trustees of the British Museum (Copyright)

A comida era cozida em fogo baixo dentro de casa, em uma panela de três pernas, chamada de ding. O ding podia ser colocado diretamente sobre o fogo e os ingredientes eram adicionados para cozinhar lentamente durante o dia, assim a família teria o jantar pronto quando voltasse dos campos. As pessoas ricas tinham criados que cozinhavam para elas, que também usavam o ding, mas também usavam panelas e cozinhavam em fornos. A bebida mais importante era o chá, que começou a ser feito cerca de 100 a.C. a partir de folhas em pó. Misturava-se diversas folhas para obter sabores diferentes ou para produzir efeitos diferentes. O chá era considerado um remédio poderoso, mas também era apenas uma bebida popular que as pessoas gostavam e bebiam para relaxar. A popularidade do chá deu origem à Cultura do Chá na China, que é mais conhecida como a Cerimônia do Chá.

Chinese Tea Ceremony
Cerimônia do Chá Chinesa
Oleksii Leonov (CC BY-SA)

Uma lenda reza que um antigo governante chamado Yan Di saía em busca de ervas medicinais para ajudar seu povo. Um dia, ele provou uma erva que o envenenou, mas, enquanto ele estava morrendo, a água de uma árvore de chá pingou em sua língua e o curou. Depois disso, ele passou a plantar árvores de chá e dava chá ao seu povo. As pessoas comiam folhas de chá em suas refeições como se fosse um vegetal e o chá foi considerado como uma oferenda religiosa aceitável nos templos. Jardins de chá se tornaram populares entre os ricos e se desenvolveu a Cerimônia do Chá, que é um ritual elaborado de respeito no qual as pessoas bebem chá juntas. A pessoa que prepara o chá honra seus convidados através dos preparativos e apresentação e os convidados prestam respeito ao participar adequadamente.

Vida Doméstica, Jogos e Esportes

A Cerimônia do Chá era realizada dentro de casa ou no jardim, onde se recebiam os convidados. A casa, assim como nos dias de hoje, era o centro da vida da família. As mulheres cuidavam da casa enquanto os homens trabalhavam fora. Mulheres, homens e crianças das classes camponesas trabalhavam nos campos. Como tudo na época, os lares chineses eram diferenciados dependendo das classes sociais e do quanto de dinheiro se tinha. Camponeses viviam em cabanas, enquanto mercadores e outras pessoas de classe média viviam em casas de madeira, que eram construídas em torno de um pátio retangular onde era plantado um jardim. O jardim geralmente era uma borda ao redor de um pátio com árvores e arbustos.

Dentro das casas, havia quartos para dormir, uma cozinha e um salão (às vezes muito grande) que era uma sala de jantar e entretenimento. As famílias comiam no salão enquanto conversavam e ouviam música, ou liam na companhia de um gato de estimação. Gatos eram o animal de estimação mais popular na China antiga e quase todo lar tinha um. Não existe o Ano do Gato no zodíaco chinês, mas, reza a lenda, que isso é porque quando os animais estavam participando da grande corrida para decidirem quem seria escolhido para o zodíaco, o rato assustou o gato, que caiu num rio e foi levado pela correnteza; é por isso que os gatos odeiam os ratos. Os cachorros eram mantidos mais para segurança e como fonte de comida, embora exista evidência de que os chineses antigos brincavam com seus cachorros como se fossem animais de estimação.

Contar histórias era um passatempo popular e a literatura chinesa é abundante em folclore e histórias de fantasmas que quase sempre tem uma moral. Os animais aparecem frequentemente nessas histórias, e o que mais aparece, provavelmente, é o porco. Os porcos, na China antiga, eram muito valorizados e ter um deles era considerado um sinal de sucesso; quanto mais porcos alguém tivesse, maior seria sua riqueza. Os porcos eram tão importantes que o pictograma da palavra "casa" (家) é um porco sob um telhado (Benn, 71).

As pessoas também jogavam jogos como mahjong, go (um tipo de xadrez chines) ou damas. Os chineses também gostavam de jogar kickball, futebol, luta livre e arco e flecha. A natação não era um esporte popular na China, por causa da crença de que um tipo de fantasma conhecido como Shui Gui, o espírito de alguém que morreu afogado, esperava na água para afogar outra pessoa para ser liberto. Os chineses nadavam, mas não era um passatempo popular.

Chinese Board Game
Jogo de Tabuleiro Chinês
The Trustees of the British Museum (Copyright)

Em toda casa, havia um santuário para os ancestrais da família, os Tudi Gong locais e os deuses que a família seguia. Na cozinha, sempre havia uma imagem de papel do deus da cozinha conhecido como Zao Shen. Zao Shen era provavelmente o deus mais importante de uma casa, porque seu trabalho era vigiar e proteger a família, mas ele também devia reportar a conduta diária da família aos deuses. Ele era como um espiãozinho que também protegia quem estava dentro da casa.

Uma vez por mês, Zao Shen saía da casa para relatar aos deuses locais como as pessoas estavam. Durante esse tempo, a família era muito cuidadosa para não fazer nada que pudesse atrair espíritos malignos para dentro de casa, porque eles estariam sem proteção. Uma vez por ano, na Véspera de Ano Novo, Zao Shen saía para fazer seu relatório a Shangti e aos outros deuses no céu. Era oferecida comida e bebida à sua imagem, depois passavam mel em sua boca para que, quando ele chegasse aos céus, fizesse um bom relatório aos deuses.

A imagem de papel era queimada para que ele pudesse seguir seu caminho e fogos de artifício eram acesos para o fazer ir mais rápido. Na manhã seguinte, no Dia do Ano Novo, a mulher mais velha e mais honrada da casa fazia uma nova imagem de Zao Shen para colocar sobre o fogão, para que ele pudesse vigiar a família durante o ano seguinte.

Religião

A religião chinesa começou na era pré-histórica, quando as pessoas praticavam uma forma de animismo. Essa prática evoluiu para a adoração dos ancestrais e para o desenvolvimento de deuses que personificavam as forças naturais. Os Tudi Gong eram espíritos da terra que precisavam ser respeitados e honrados a todo momento. Eram espíritos de um determinado local, às vezes, o espírito de uma grande pessoa que havia morado ali, que abençoava aqueles que o honrassem e amaldiçoava quem não o fizesse. A veneração dos espíritos da terra era, provavelmente, a forma mais antiga da religião, mas a adoração dos ancestrais começou logo em seguida ou até mesmo antes.

Acreditava-se que as pessoas que morriam viviam com os deuses e tinham grande influência no mundo dos vivos. A prática da adivinhação se tornou popular durante a Dinastia Shang, quando as pessoas iam até os místicos que podiam prever o futuro através da leitura de ossos. A crença de que aqueles que morriam continuavam vivos de alguma forma também deu origem à crença em fantasmas.

Os fantasmas eram (e ainda são) um conceito muito importante na cultura chinesa. O Festival dos Fantasmas ainda pode ser observado todos os anos na China, durante o qual as pessoas preparam refeições para os falecidos, queimam incenso para agradar os fantasmas ou afastar maus espíritos e até mesmo fecham suas lojas para que os fantasmas possam passear em paz, sem serem incomodados pelos vivos. O Dia de Varrer os Túmulos pode ser observado durante o festival de QingMing (realizado em 4 ou 5 de abril) e é uma prática muito antiga. Durante o QingMing, se visita os túmulos de parentes e se presta o devido respeito, cuidando do túmulo e deixando presentes, incluindo comida. Se o túmulo dos antepassados for negligenciado, se corre o risco de ser assombrado por eles.

Oracle bone
Osso Oracular
The Trustees of the British Museum (Copyright)

Tanto a terra da vida após a morte, para onde as almas iam (ou, como fantasmas, eram impedidas de chegar), quanto os céus e a terra eram presididos por deuses e deusas que as pessoas costumavam adorar. Uma deusa muito popular era Xi Wang Um, a Rainha Mãe do Oeste, deusa da imortalidade, que viviam em um grande palácio dourado nas montanhas Kunlun e tinha um pomar de pêssegos da imortalidade pelo qual andava. As pessoas usavam amuletos e construíam santuários para a Rainha Mãe, para serem consideradas dignas de sua proteção e da longa vida com a qual ela recompensava seus seguidores.

Shangti era o deus supremo da criação, da lei e da justiça. Ele também era conhecido como o Imperador Amarelo e acreditava-se que ele tenha dado ao povo a cultura e a língua. Cai Shen era o deus da riqueza, que recompensava aqueles que se comportavam com uma vida feliz. Os Menshen eram deuses do sono tranquilo, eles protegiam as pessoas e afastavam os maus espíritos e os sonhos ruins.

Alguns desses deuses e deusas eram adorados em santuários e templos, outros eram reconhecidos apenas através de amuletos e braceletes, estátuas e pinturas nas paredes. Os Menshen, por exemplo, ainda são pintados em ambos os lados das portas para proteger contra fantasmas e espíritos malignos. Lei Shen, deus do trovão, e Dian Mu, deusa do relâmpago, eram temidos, enquanto Zhong Kui, deus da cura, recebia oração e adoração constante, provavelmente tanto quanto Cai Shen.

Entre as divindades mais populares estava Guanyin, deusa da misericórdia e compaixão, que ajudava a todos e se tornou padroeira dos marinheiros, e Niu Lang e Zhi Nu, deus e deusa do amor, que inspiraram um dos festivais mais populares da China, a Sétima Noite da Sétima Lua (também chamado de Festival da Sétima Dupla), no qual as mulheres rezavam para ter habilidade na tecelagem e costura, é oficialmente e não oficialmente uma noite romântica para os amantes. As pessoas olhavam para as estrelas e contavam a história de Niu Lang (a estrela Altair) e Zhi Nu (a estrela Vega), que ficavam separados pela Via Láctea durante todo o ano, exceto naquela noite. Tanto astrônomos quanto astrólogos consideravam as estrelas como expressões corpóreas de divindades. Os astrônomos eram sempre homens, enquanto astrólogos podiam ser homens ou mulheres.

Educação e Saúde

Apenas os homens recebiam educação na China antiga; por isso os astrônomos, que eram altamente letrados, eram apenas homens. Era esperado que as meninas ficassem em casa e aprendessem a ser donas de casa e mães. Antes, os meninos também ficavam em casa e ajudavam no trabalho externo, além disso, somente meninos adolescentes frequentavam a escola e só aqueles de classes mais altas.

Confúcio começou a ensinar aos jovens os princípios de como ser a melhor pessoa possível, isso estabeleceu o padrão para os fundamentos da educação chinesa. Esperava-se que todos soubessem de cor as Cinco Virtudes de Confúcio. Essas eram: Li (boas maneiras), que era considerada a mais importante, Ren (bondade), Xin (lealdade), Yi (honestidade) e Zhi (diferenciar o certo do errado, conhecimento moral).

Nos primórdios das escolas, os alunos escreviam pedaços de madeira e depois em rolos de madeira que eram amarrados juntos. Em 105 a.C., o papel foi inventado e, durante a Dinastia Tang (618–907 d.C.), o processo de impressão em blocos de madeira possibilitou a produção em massa de livros de papel, que passaram a ser usados nas escolas. Os livros de leitura obrigatória eram os textos conhecidos como Os Cinco Clássicos e os Quatro Livros: O I-Ching, O Livro da Poesia, O Livro dos Ritos, O Livro da História, Os Anais da Primavera e do Outuno, Os Analetos de Confúcio, Os Trabalhos de Mêncio, A Doutrina do Meio e O Grande Ensino, a maioria desses e foram baseados nos escritos de Confúcio.

Esperava-se que todos soubessem de cor as Cinco Virtudes de Confúcio. Essas eram: Li (boas maneiras), que era considerada a mais importante, Ren (bondade), Xin (lealdade), Yi (honestidade) e Zhi (diferenciar o certo do errado, conhecimento moral).

Como somente os homens aprendiam a ler e escrever, e era necessário ser alfabetizado para ler textos médicos, os médicos também eram todos do sexo masculino na época da Dinastia Tang. Herbalistas das áreas rurais podia ser mulheres, mas a profissão da medicina era dominada por homens. A maioria dos médicos era sacerdotes os tinham experiencias com práticas religiosas.

Antes da Dinastia Tang, os médicos eram essencialmente xamãs que curavam os doentes com ervas medicinais e exorcismos. Acreditavam que as doenças eram causadas por espíritos malignos ou fantasmas. Depois que o budismo chegou à China, os sacerdotes budistas moravam em estabelecimentos conhecidos como Campos de Compaixão, que eram hospitais, clínicas, orfanatos, casas de repouso e centros de aconselhamento, tudo ao mesmo tempo. Geralmente esses estabelecimentos eram num monastério ou ao lado de um.

O segundo imperador da Dinastia Tang, Taizong (reinou entre 626 e 649 d.C.), criou escolas de medicina e acrescentou medicina à lista de profissões para as quais era necessário passar nas Provas Imperiais. Esses médicos eram mais seculares que os xamãs anteriores e tinham um alto padrão de conduta.

Uma vida longa e saudável era muito valorizada pelos chineses. Sacerdotes, monges, xamãs e médicos seculares enfatizavam a dieta como o fator mais importante para a saúde de uma pessoa. Uma dieta vegetariana era considerada a mais saudável e a mais humana, pois não estariam matando animais para se sustentar. As pessoas comiam carnes e muitas vezes sacrificavam animais (especialmente porcos) para os deuses e espíritos, mas os médicos, especialmente os seculares, desencorajavam isso.

A crença predominante na Dinastia Tang era de que uma vida equilibrada e harmoniosa só poderia ser alcançada ao não ingerir carne e ao viver da dádiva da agricultura que os deuses deram às pessoas. Para agradecer por essas dádivas e todas as outras, os chineses honravam seus deuses e, para celebrar a vida, realizavam vários festivais ao longo do ano.

Festivais

Havia festivais nacionais, comemorados por todos, festivais regionais e festivais locais. Um festival local poderia ser a comemoração do aniversário de um cidadão famoso, que tivesse feito boas obras para a cidade, ou de um poeta, ou artista. Festivais regionais e locais também eram feitos para honrar os Tudi Gong. Festivais taoistas era eram feitos para limpar uma vila, uma cidade ou um povoado de espíritos malignos, para apaziguar os mortos inquietos ou para homenagear os ancestrais e pedir por suas bençãos.

O festival nacional mais importante era o Dia de Ano Novo, que era comemorado entre o 1º e o 15º dia do primeiro mês lunar. Bombinhas e fogos de artifício eram disparados para dar as boas-vindas ao ano novo e para acelerar Zao Shen em sua jornada para os céus. Esses fogos de artifício também serviam para espantar maus espíritos. As bombinhas eram bambus secos, que eram jogados no fogo no início da manhã e faziam um barulho alto ao estourar quando eram queimados. Todas as casas acendiam bombinhas e, se pudessem pagar, soltavam fogos de artifício, mas todo município tinha algum tipo de exibição pública de fogos de artifício.

No Dia de Ano Novo, era permitido que as pessoas abatessem porcos, galinhas e ovelhas em grande escala para garantir a fertilidade da terra no ano seguinte. O ritual envolvendo o Shen Dzu (“Porco Sagrado”) era realizado no Ano Novo, no qual os porcos, que haviam sido engordados o máximo possível, participavam de uma competição de maior peso. O vencedor era sacrificado à divindade local e os outros seguiam o exemplo.

Os oficiais do governo tinham férias de sete dias e as lojas que não eram fechadas funcionavam apenas por algumas horas. O foco do festival era agradecer pelo ano que passou e fazer provisões para o que estava por vir. Essa provisão enfatizava proteção contra os maus espíritos e fantasmas. Galinhas abatidas e peles de ovelha eram penduradas do lado de fora das casas como oferenda, incenso era queimado e uma cerveja especial era feita, chamada de Matar Fantasmas e Reviver Almas. Acreditava-se que beber essa cerveja em grande quantidade protegia a pessoa de doenças causada por espíritos e fantasmas.

O Festival das Lanternas era feito no 15º dia do primeiro mês lunar, para concluir a celebração de Ano Novo. Esse era um festival de luzes que honrava a lua cheia, as pessoas colocavam lanternas acesas em lagoas, lagos ou riachos, observavam a lua cheia, jogavam jogos, dançavam e faziam banquetes. Dependendo de seu status e riqueza, algumas pessoas erguiam grandes exibições para a comemoração. Charles Benn escreveu:

Os patrícios procuravam superar uns aos outros na disposição das lâmpadas mais grandiosas. Uma senhora aristocrata de meados do século VII teve uma árvore de lâmpadas com várias centenas de galhos e com quase dois metros de altura. Quando ela a acendeu no Festivas das Lanternas, sua luz era visível por quilômetros. No entanto, ela não se comparava a do Imperador Ruizong. Ele teve mandou erguer uma roda de lanternas de 60 metros de altura do lado de fora de um portão de Changan em 713 d.C. o aparelho era revestido de brocados e gaze de seda e adornado com ouro e jade. Quando ele acendeu seus 50.000 copos de óleo, o brilho irrompeu como flores desabrochando numa árvore. (151)

Se pudessem pagar, nenhuma despesa era poupada na comemoração do Festival das Lanternas. Um bom festival significaria prosperidade no ano seguinte.

Lantern Festival
Festival de Lanternas
gill_penney (CC BY)

Havia também o Festival da Lustração, que acontecia no terceiro dia da terceira lua, quando as pessoas afugentavam os maus espíritos bebendo quantidades enormes de cerveja. O dia inteiro era dedicado a banquetes e bebidas em excesso. O Festival QingMing era realizado em abril e honrava aos ancestrais, e o Festival do Quinto Dia da Quinta Lua (Festival do Barco-Dragão) era feito em julho para honrar um estadista respeitável que escolheu uma morte digna no lugar de uma vida de desonra. O Festival dos Fantasmas Famintos, em agosto, reconhece a dimensão espiritual da vida e honra aqueles que já faleceram.

A sétima Noite da Sétima Lua homenageia o deus e a deusa do amor, e o Festival do Meio do Outono prestava homenagem à lua. No festival do Último Dia da Décima Segunda Lua acontecia o ritual de enviar Zao Shen em seu caminho para os deuses na Véspera de Ano Novo e corresponde a muitas festas de Véspera de Ano Novo dos dias atuais. As pessoas começavam a beber a cerveja "Matar Fantasmas e Reviver Almas", faziam banquetes e soltavam fogos de artifício. Os festivais mantinham as pessoas em contato com seu passado, as fundamentavam em seus valores culturais e eram um aspecto muito importante da vida das pessoas da China antiga. Hoje em dia, muitas dessas mesmas celebrações ainda são feitas todos os anos. Os rituais envolvidos remontam a centenas ou até mesmo milhares de anos e continuam a ser realizados de maneira muito semelhante ou exatamente igual.

Remover publicidades
Publicidade

Sobre o tradutor

Débora Barbosa
Débora Barbosa atualmente estuda letras português-chinês na Universidade de São Paulo.

Sobre o autor

Emily Mark
Emily Mark estudou história e filosofia na Universidade de Tianjin, na China, e inglês na SUNY New Paltz, em Nova York. Publicou poesia e artigos de história. Seus relatos de viagens estrearam na Timeless Travels Magazine. É formada pela Universidade do Estado de Nova York em Delhi, em 2018.

Citar este trabalho

Estilo APA

Mark, E. (2016, abril 27). A Vida Cotidiana na China Antiga [Daily Life in Ancient China]. (D. Barbosa, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-890/a-vida-cotidiana-na-china-antiga/

Estilo Chicago

Mark, Emily. "A Vida Cotidiana na China Antiga." Traduzido por Débora Barbosa. World History Encyclopedia. Última modificação abril 27, 2016. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-890/a-vida-cotidiana-na-china-antiga/.

Estilo MLA

Mark, Emily. "A Vida Cotidiana na China Antiga." Traduzido por Débora Barbosa. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 27 abr 2016. Web. 30 out 2024.