A moeda no período colonial dos Estados Unidos

Artigo

Joshua J. Mark
por , traduzido por Pedro Lerbach
publicado em 20 Abril 2021
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Disponível noutras línguas: Inglês, francês, espanhol

A moeda no período colonial americano foi um processo que ocorreu desde os primeiros assentamentos ingleses no século XVI até os Estados Unidos da América cunharem sua própria moeda em 1783. O sistema monetário estava longe de ser padronizado, e o comércio nas colônias frequentemente se apoiava mais em escambo e transações sem dinheiro do que na troca de cédulas ou moedas.

As colônias inglesas da América do Norte foram todas estabelecidas em diferentes períodos e por diferentes pessoas, alguns por autorização real, outros por iniciativa privada, e o governo britânico não tinha interesse em conceder às suas colônias o direito de cunhar suas próprias moedas, nem de exportar moedas de prata à Metrópole. Essa situação levou a uma grande variedade de moedas diferentes que podiam ser usadas para transações locais, dificultando o comércio entre as colônias e sua metrópole.

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Silver Continental Dollar, 1776
Dólar de prata continental, 1776
Smithsonian Institute (Public Domain)

O dólar espanhol teve grande circulação e era aceito, por exemplo, na Carolina do Sul, mas não necessariamente em Massachusetts. O tabaco foi amplamente aceito como moeda, mas também não de modo uniforme. O botão de bronze de um casaco masculino podia ser usado para jantar ou beber em uma taverna de Nova York, mas alguém poderia rir desse mesmo gesto em Connecticut. Assim, as transações tomavam diferentes formas conforme o que era aceito como pagamento por bens e serviços, ainda que fosse entendido - por todas as colônias - que os preços eram baseados na libra esterlina inglesa, e o dinheiro era aceito em três categorias no comércio:

  • Espécie - moedas, especialmente o dólar espanhol
  • Papel-moeda - moeda fiduciária, notas de terra, notas bancárias, notas de tabaco
  • Commodities - bens ou serviços ofertados no comércio

As pessoas se referiam ao dinheiro em espécie e ao papel-moeda como libras, xelins e centavos, mas o valor de uma libra em Connecticut não era o mesmo que em Virgínia. Ainda se usava libras, xelins e centavos para precificar um item ou serviço, mas essas moedas tinham valores diferentes em cada colônia, pois cada uma delas tinha o seu próprio governo, fazia suas próprias leis e definia os valores de sua moeda. Um método comum de pagamento, portanto, era em commodities, como tabaco, álcool, madeira ou trabalho. Um homem poderia pagar por madeira enviando seu servo para construir uma cerca ou um galinheiro para o vendedor, ou comprar um vestido novo para a esposa pagando com uma quantidade de tabaco. Essa prática funcionava suficientemente bem em uma dada cidade ou colônia, mas nem sempre entre as colônias. Surgiam problemas no comércio quando, digamos, alguém em Nova Jersey tentasse pagar por arroz com uma commodity que o vendedor não queria.

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Foram feitas tentativas de corrigir esse problema, notavelmente com a cunhagem de xelins de pinheiros por John Hull (1624-1683), em Massachussetts, 1652. Mas, ainda que isso tenha ajudado, não havia ainda uma padronização da moeda por todas as colônias. Mesmo as notas bancárias que eram lastreadas pelo valor de propriedades não eram sempre aceitas (embora geralmente fossem). Apenas depois da Guerra de Independência (1775-1783) é que foi cunhada a primeira moeda padronizada nos Estados Unidos, o que estabeleceu o modelo para os fundamentos econômicos do país dali em diante.

As Colônias Inglesas e a Moeda

Nas colônias da Nova Inglaterra, especialmente Massachussetts, Wampum era aceito como pagamento por bens e serviços entre 1643 e 1660.

Cada uma das Treze Colônias era sua própria entidade política, fundada por razões específicas e em épocas diferentes. A colônia de Jamestown, estabelecida na Virgínia em 1607, foi o primeiro assentamento inglês bem-sucedido, seguido de Plymouth, Massachussetts, em 1620. A Colônia da Baía de Massachussetts foi fundada em 1630, e as demais colônias da Nova Inglaterra foram desenvolvidas a partir daí. As Colônias Centrais foram controladas pelos holandeses até 1664, quando foram tomadas pelos ingleses, e a Pensilvânia foi fundada depois, em 1681. As Colônias do Sul, à exceção da Virgínia, foram estabelecidas entre 1632 e 1763, e elas, assim como as outras, tinham suas próprias ideias sobre o que constituía a moeda.

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Nas colônias da Nova Inglaterra, especialmente Massachussetts, wampum era aceito como pagamento por bens e serviços entre 1643 e 1660. Wampum eram cintos, faixas e cordões de conchas polidas e miçangas, formando um desenho específico e, geralmente, contando uma história. Foram usados como moeda entre as tribos nativas americanas. Quando as colônias tentaram pagar suas dívidas com a Inglaterra usando wampum, o governo britânico rejeitou e acabou com essa prática.

O papel-moeda, especialmente a moeda fiduciária, nem sempre foi aceito. Seu valor é baseado na confiança que uma pessoa tem no emissor, como explicado por Charles C. Mann:

A moeda fiduciária não tem valor intrínseco e só vale alguma coisa porque o governo declara que vale. O dólar americano é um exemplo, assim como o euro. Enquanto pedaços de papel, uma cédula de dólar ou euro praticamente não tem valor. Mas porque são oficialmente impressas por instituições do governo, as pessoas podem entregar esse retângulo de papel colorido para o caixa de uma mercearia e sair de lá com sacolas de comida. (172)

Diferentemente da moeda fiduciária, a moeda-mercadoria possui valor por causa do material com o qual é feito - ouro ou prata - e embora a moeda-mercadoria na forma de dólar espanhol circulasse amplamente nas colônias, ele não tinha o mesmo valor reconhecido em cada colônia. As notas de terra, papel-moeda lastreado pelo valor de uma propriedade de terra, eram mais ou menos confiáveis e amplamente usadas nas Colônias Centrais. Um fazendeiro ia a um cartório de registro de imóveis e tomava um empréstimo usando sua terra como garantia. O empréstimo seria dado em notas de terra, que o fazendeiro usava no comércio. Se o tomador do empréstimo não conseguisse liquidá-lo em qualquer commodity que tivesse sido acordada, o cartório executava a dívida e vendia a propriedade.

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Spanish Silver Dollar, 1771
Dólar de prata espanhol, 1771
Heritage Auctions (CC BY-NC-SA)

Uma das commodities mais confiáveis para se pagar um empréstimo, ou qualquer outra conta, era o milho, como explica a acadêmica Alice Morse Earle:

Devemos pensar sobre o valor da comida naqueles tempos, e podemos ter certeza de que o governador e o seu conselho valorizavam o milho quando o coletavam na forma de imposto e tornavam-no uma moeda legal, assim como ouro e prata, e proibiam que o dessem aos porcos... O milho tinha um valor estável, sempre dava alimento farto e era ele mesmo um padrão com mais frequência do que era medido e avaliado pelos pobres ou do que a troca de dinheiro. (138)

Nas colônias do sul, o tabaco era a forma mais aceita de moeda e era permitida sua troca por itens necessários ou por itens de luxo. Um fazendeiro levava seu tabaco seco para uma inspeção supervisionada pelo governo colonial local. Se fosse de qualidade, o inspetor emitia em favor do fazendeiro um documento, por uma dada quantia. O fazendeiro usava esse documento (conhecido como nota de tabaco) para a compra de bens e serviços de outras pessoas na comunidade. Os inspetores e comerciantes coloniais embarcavam o tabaco com direção à Inglaterra, e os comerciantes britânicos em Londres mandavam de volta os bens requeridos pelos colonos.

Dried Tobacco
Tabaco seco
Maureen (CC BY)

No entanto, o governo e os comerciantes britânicos não enviavam às colônias moedas de ouro ou prata, e pouquíssimas moedas britânicas circulavam nas colônias. O governo ordenava que as colônias enviassem à Metrópole itens de valor, e não o contrário, e eles não exportariam grandes quantidades de prata, quebrando essa regra. Além disso, as colônias estavam no lado mais fraco da balança comercial, porque os bens que exportavam à Inglaterra não eram equivalentes ao valor monetário dos bens que importavam. Os bens que eles recebiam pelo tabaco exportado, por exemplo, eram enviados com o entendimento de que o tabaco tinha o mesmo valor monetário, mas nem sempre era assim.

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O tabaco podia molhar ou ficar obsoleto na viagem até a Inglaterra, ou os comerciantes poderiam ter uma definição muito diferente sobre a qualidade do produto quando ele chegasse, mesmo em condições originais. Nesses casos, os colonos tinham que pagar a diferença aos comerciantes londrinos. Mesmo se o tabaco fosse aceito sem problemas ao preço que os colonos davam, as commodities enviadas ainda assim eram avaliadas com um preço maior, e esperava-se que os colonos pagassem não apenas a diferença, mas também as taxas de importação e exportação, em moedas de prata.

Problemas com o Comércio

A moeda mais comum em circulação nas colônias era o dólar espanhol, na forma conhecida como ocho reales (mais conhecidas como "peças de oito"), que chegaram às colônias inglesas pelo comércio com os espanhóis nas suas colônias das Índias Ocidentais e México. Os bens eram avaliados em libras esterlinas, mas podiam ser comprados com dólares espanhóis. O valor de um dólar espanhol era 54d (d de denário, palavra latina para designar o centavo), mas esse valor mudava de lugar para lugar. Um dólar espanhol poderia valer 54d em Massachussets, mas não em Nova York e nem em Londres. A avaliação em Londres, especialmente, diferia em muito das colônias, e um xelim poderia valer 16d em Londres ou apenas 12d em Massachussetts.

Não havia uma indicação na moeda com o valor nominal e, ao reduzir ou inflacionar o valor de uma moeda por decreto, a entidade soberana podia alterar o seu valor.

Para complicar ainda mais a moeda colonial, havia a prática de "chorar" o valor da moeda. Não havia uma indicação na moeda com o valor nominal - o valor era dado pela entidade soberana que fazia a emissão - então, ao reduzir ou inflacionar o valor de uma moeda por decreto, essa entidade soberana podia alterar o seu valor. Londres poderia depreciar, e de fato depreciava uma certa moeda e valorizava outras, e assim podia estabelecer as taxas para exportação e importação. Os comerciantes das colônias, que tinham que pagar essas taxas em prata, frequentemente ficavam apertados por causa da depreciação que os comerciantes londrinos faziam com o xelim.

Não havia nada que os colonos pudessem fazer quanto a esses problemas no comércio com a Inglaterra porque a coroa britânica fazia todas as regras favorecendo a Metrópole. Os Atos de Navegação de 1651 (fortalecidos em 1660 e 1663) tornavam ilegal o comércio das colônias com qualquer navio que não fosse inglês, comandado por um capitão inglês e com uma população de maioria inglesa, e assim dificultava o comércio com a Espanha, cortando o fornecimento de dólares espanhóis.

Numa tentativa de compensar essa perda de moeda, a legislatura da Colônia da Baía de Massachussetts decidiu cunhar sua própria moeda. Em 1652, o Capitão John Hull foi autorizado pelo governo colonial a cunhar os hoje famosos xelins de pinheiros (assim chamados pela impressão de um pinheiro em sua superfície, representando o principal produto de exportação da colônia, a madeira). O xelim de pinheiro era cunhado em denominações de 3d, 6d e um xelim.

Pine Tree Shilling
Xelim de Pinheiro
Arienne King (Public Domain)

A cunhagem serviu ao seu propósito, padronizando a moeda em Massachussetts e fornecendo moedas de verdade para o comércio com outras colônias, mas era considerada ilegal pelo governo inglês, portanto não podia ser usada no comércio com Londres. Para contornar quaisquer problemas com a lei, Hull ordenou que todas as moedas, independente do ano de cunhagem, fossem cunhadas com a data de 1652, quando o governo inglês era uma comunidade e não havia um rei no trono para proibir a cunhagem. As moedas continuaram a ser cunhadas de 1652 a 1683, quando foi proibida por Charles II da Inglaterra (que reinou entre 1660 e 1685), depois que a monarquia estava restaurada. Charles II via a cunhagem de Hull como ato de alta traição, mas nem Hull nem seus assessores foram acusados ou processados de qualquer forma, e tampouco o governo reconheceu os problemas econômicos que haviam levado à cunhagem.

Leis da Moeda

Em 1690, Massachussetts tentou de novo resolver o problema monetário cunhando e emitindo moeda fiduciária. Isso foi feito primeiramente para pagar as dívidas da colônia com a coroa por despesas militares geradas pela Guerra do Rei William (1688-1697), que foi o teatro norte-americano da Guerra dos Nove Anos entre França e Inglaterra na Europa. Os colonos não tinham começado a guerra, mas foram solicitados a ajudar financeiramente, e reconheceram que estava em seu melhor interesse fazê-lo em virtude da ameaça da Confederação Wabanaki, dos nativos americanos, que eram aliados dos franceses no ataque aos assentamentos ingleses.

A moeda fiduciária emitida pelo governo colonial prometia ser aceita como moeda de curso legal no comércio e poderia ser usada para pagar impostos no futuro, o que tiraria as notas de circulação. Algumas colônias reconheceram que precisavam ter cuidado sobre a quantidade emitida, considerando os impostos no futuro, que tirariam as notas de circulação, mas nem todas fizeram isso. As colônias que mediram corretamente as notas impressas conforme o imposto futuro fizeram bem, mas as que não mediram acabaram emitindo mais notas do que poderia ser legalmente colhido de imposto (e então ser usado). Isso resultou em inflação generalizada à medida em que a confiança no poder de compra da moeda fiduciária evaporava. Mais notas foram emitidas, e com valor nominal maior, do que os governos coloniais podiam suportar, e até o momento em que percebessem o problema, a moeda estava em ampla circulação.

Eight-Dollar Continental Bill, 1775
Nota continental de oito dólares, 1775
Harvard Hollis Images (Public Domain)

O governo inglês provavelmente não teria feito nada a respeito, seguindo o padrão de ignorar as reclamações das colônias, mas o problema começou a afetar os comerciantes de Londres, que foram forçados a aceitar as notas desvalorizadas das colônias como pagamento. A Lei da Moeda de 1751 legislava sobre o uso das notas como curso legal apenas para o pagamento de impostos, e não para transações privadas. Essa lei foi ampliada pela Lei da Moeda de 1764, que permitia às colônias imprimir e emitir papel moeda, mas as proibia de avaliar as notas ao status de moeda física de ouro ou prata. O papel-moeda emitido pelos vários governos coloniais era lastreado pelo crédito daquele governo, não por dinheiro físico, e os credores britânicos não o aceitavam no comércio, desvalorizando o dinheiro e incentivando futuros problemas econômicos nas colônias.

Conclusão

Os problemas econômicos das colônias e as reclamações dos colonos, repetidamente ignoradas ou minimizadas pelo governo inglês, contribuíram para as tensões que finalmente eclodiram na Guerra de Independência Americana em 1775. Após o início da Revolução naquele abril, o Congresso Continental emitiu seu próprio papel-moeda - dinheiro fiduciário - conhecido como Continentais ou Moeda Continental. Eles eram mencionados como dólar, conforme o dólar espanhol (motivo pelo qual o dólar americano é conhecido como dólar) mas ainda era avaliado conforme a libra esterlina e impresso em notas com valores nominais de até 80 dólares.

O Congresso Continental ignorou ou se esqueceu daqueles problemas de 1690 em diante, que tinham sido gerados pela impressão em excesso de notas a serem retiradas de circulação por impostos, e falhou em coordenar um ponto central de emissão, o que resultou em várias colônias continuando a imprimir e emitir suas próprias notas. O dinheiro fiduciário depreciou gravemente porque havia muito em circulação para que seu valor fosse contido. Esse problema era composto por falsificadores britânicos em Nova York que enviavam agentes com notas falsas para as colônias, de modo que, em 1778, um Continental valia menos da metade do valor nominal impresso, e até 1781, o dinheiro fiduciário não valia praticamente nada.

Em um esforço para salvar a economia, o Congresso nomeou o comerciante Robert Morris (1734-1806), um dos signatários da Declaração de Independência, como Superintendente de Finanças dos Estados Unidos. Morris, com a ajuda de Alexander Hamilton (1757-1804) e Albert Gallatin (1761-1849), criou o Banco da América do Norte em 1782. O banco foi fundado com uma moeda forte emprestada pela França, que tinha se aliado aos colonos contra os ingleses em 1777. As ações de Morris financiaram o esforço de guerra de 1782 até a vitória sobre os ingleses em 1783, quando ele liderou a cunhagem da primeira moeda dos Estados Unidos da América, conhecida como Nova Constellatio. Para evitar problemas futuros, os estados foram proibidos de cunhar seu próprio dinheiro, desvalorizando a moeda. Somente o governo federal poderia cunhar e emitir moeda de curso legal. O sistema bancário concebido por Morris, Hamilton e Gallatin, adotado pelo Congresso, continuou a servir de modelo para os bancos e para a economia dos Estados Unidos desde aquela época até hoje.

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Sobre o tradutor

Pedro Lerbach
Pedro Lerbach é tradutor freelance. Estudou ciência política na Universidade de Brasília e fala português, inglês, espanhol e francês.

Sobre o autor

Joshua J. Mark
Escritor freelance e ex-professor de filosofia em tempo parcial no Marist College, em Nova York, Joshua J. Mark viveu na Grécia e na Alemanha e viajou pelo Egito. Ele ensinou história, redação, literatura e filosofia em nível universitário.

Citar este trabalho

Estilo APA

Mark, J. J. (2021, Abril 20). A moeda no período colonial dos Estados Unidos [Colonial American Currency]. (P. Lerbach, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1729/a-moeda-no-periodo-colonial-dos-estados-unidos/

Estilo Chicago

Mark, Joshua J.. "A moeda no período colonial dos Estados Unidos." Traduzido por Pedro Lerbach. World History Encyclopedia. Última modificação Abril 20, 2021. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1729/a-moeda-no-periodo-colonial-dos-estados-unidos/.

Estilo MLA

Mark, Joshua J.. "A moeda no período colonial dos Estados Unidos." Traduzido por Pedro Lerbach. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 20 Abr 2021. Web. 29 Abr 2024.