O Roubo de Túmulos no Antigo Egito

Artigo

Joshua J. Mark
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 17 Julho 2017
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Disponível noutras línguas: Inglês, francês, espanhol

As tumbas dos grandes reis e nobres do Egito eram construídas para salvaguardar o cadáver e pertences do falecido pela eternidade mas, embora muitas tenham permanecido por milhares de anos, com frequência seu conteúdo desaparecia relativamente rápido. O roubo de túmulos no antigo Egito foi reconhecido como um problema sério já no Período Pré-Dinástico (c. 3150 - c. 2613 a.C.), como se verifica na construção do complexo piramidal de Djoser (c. 2670 a.C.). A câmara mortuária foi propositalmente oculta e as demais câmaras e corredores enchidas de detritos para prevenir o furto, mas, ainda assim, a tumba acabou sendo invadida e pilhada; até a múmia do rei desapareceu.

Tomb of Ramesses V
Tumba de Ramsés V
GoShows (CC BY-NC-SA)

Este mesmo paradigma pode ser visto na construção das pirâmides de Gizé, durante o Antigo Império do Egito (c. 2613-2181 a.C.), com os mesmos resultados. Embora a Grande Pirâmide e as demais tenham resistido ao tempo, nenhum dos tesouros sepultados com os reis da 4ª Dinastia – Quéops (Khufu), Quéfren (Khafre) e Miquerinos (Menkaure) - foram encontrados nas estruturas, assim como seus corpos. Textos de execração (maldições) nas portas e linteis dos túmulos tinham o objetivo de prevenir tais furtos e a crença egípcia numa vida após a morte – a partir da qual os mortos podiam interagir com os vivos – deveriam encorajar um maior respeito e medo de assombrações pelos candidatos a ladrões mas, evidentemente, nada disso trouxe incentivos suficientes para inibir a tentação de obter riquezas fáceis com relativamente pouco risco. O egiptólogo David P. Silverman assinala que:

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Não era segredo que, à medida que o processo de sepultamento ficava mais elaborado, assim também aumentava o valor dos produtos tumulares enterrados tanto em múmias reais quanto não-reais. Esquifes dourados, amuletos de pedras preciosas e artefatos importados exóticos mostraram-se tentadores demais para os ladrões. Quando os embalsamadores começaram a incluir amuletos protetores, pedras preciosas, ouro ou prata no interior dos tecidos que recobriam as múmias, mesmo o cadáver dos falecidos passou a ser ameaçado. Os ladrões provavelmente atacavam as tumbas reais logo após o funeral e há evidências de corrupção entre os funcionários da necrópole encarregados de proteger os túmulos. (196)

Na época do Novo Império (c. 1570-c. 1069 a.C.) o problema tinha se tornado tão sério que Amenófis I (ou Amenhotep, c. 1541-1520 a.C.) ordenou que uma vila especial fosse construída nas imediações de Tebas, com fácil acesso para uma nova necrópole real, que deveria ser mais segura. Este novo local de sepultamento é conhecido atualmente como o Vale dos Reis; nas proximidades situa-se o Vale das Rainhas; e a vila é Deir el-Medina. Estavam localizados no deserto, fora de Tebas – muito distante de um acesso fácil – e a vila foi intencionalmente isolada da comunidade tebana em geral, mas mesmo estas medidas não seriam suficientes para proteger os túmulos.

A Riqueza dos Reis

A mais famosa tumba do antigo Egito é do faraó do Novo Império Tutankhamon (1336-1327 a.C.), descoberta por Howard Carter em 1922. A riqueza contida no túmulo de Tutankhamon é estimada em cerca de três quartos de bilhão de dólares. Só o seu esquife dourado é avaliado em 13 milhões de dólares. Tutankhamon morreu antes dos 20 anos e ainda não tinha reunido a quantidade de riqueza que os grandes reis, como Quéops ou Tutmósis III, ou Séti I ou Ramsés II, devem ter amealhado. Os bens sepultados com um faraó como Quéops seriam muito maiores e mais opulentos do que qualquer coisa no túmulo de Tutankhamon.

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Death Mask of Tutankhamun
Máscara Mortuária de Tutankhamon
Richard IJzermans (CC BY-NC-SA)

A única razão pela qual a tumba de Tutankhamon permaneceu relativamente intacta (apesar de invadida e roubada duas vezes na Antiguidade) foi o fato de ter sido acidentalmente enterrada pelos trabalhadores que construíram a tumba de Ramsés VI (1145-1137 a.C.) nas proximidades. Exatamente como isso ocorreu é desconhecido, mas de alguma forma os trabalhadores não deixaram traço da entrada da tumba mais antiga, que assim ficou preservada até o século XX, quando Carter a descobriu. Na maioria dos túmulos, porém, não houve tanta sorte e quase todos foram pilhados de uma maneira ou outra.

A fortuna sepultada com o falecido era tão vasta que os funcionários encarregados da sua segurança podiam facilmente ser subornados.

O Egito foi uma sociedade sem moeda até a chegada dos persas, em 525 a.C. e, portanto, os bens roubados das tumbas não poderiam ser trocados por dinheiro ou utilizados no comércio. Não se conseguiria simplesmente ir ao mercado com um cetro dourado, por exemplo, e trocá-lo por alguns sacos de grãos, já que objetos roubados deviam ser entregues imediatamente às autoridades. Se alguém aceitasse o item furtado numa transação, então aquela pessoa enfrentaria a difícil tarefa de se livrar dela e, ao mesmo tempo, ter alguma esperança de lucro. Mais provavelmente, os artigos roubados seriam vendidos ao receptador, um funcionário de alta patente (e corrupto), que pagaria com produtos de uso diário. O ouro seria então fundido em outra forma e trocado por produtos ou serviços de um artesão.

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A maior dificuldade em controlar os roubos de túmulos residia no fato simples de que a fortuna sepultada com o falecido era tão vasta que os funcionários encarregados da sua segurança podiam facilmente ser subornados. Mesmo que uma tumba fosse planejada para desorientar o ladrão e a câmara mortuária estivesse localizada profundamente no interior da terra e bloqueada por detritos, os gatunos mais hábeis encontravam sempre algum jeito de contornar estes obstáculos. Não havia dificuldade em localizar os túmulos, encimados por enormes pirâmides ou mastabas, estas mais simples porém ainda imponentes. Quem estivesse procurando por ganho rápido tinha como opção imediata pilhar uma tumba no meio da noite.

O Lugar da Verdade

Esta foi a principal razão que levou Amenófis I a ordenar a construção da vila conhecida atualmente como Deir el-Medina. Originalmente mencionada em documentos oficiais como Set-Ma'at (O Lugar da Verdade), Deir el-Medina e as necrópoles das proximidades tinham como objetivo solucionar o problema do roubo de túmulos de uma vez por todas. Os trabalhadores da vila criariam as tumbas e protegeriam sua criação. Como dependiam do estado para seus salários e lares, seriam leais e discretos no que se referia à localização dos túmulos e a quantidade de tesouros dentro deles.

Embora este paradigma possa ter funcionado nos dias iniciais da comunidade, não durou muito. Deir el-Medina estava longe de ser autossuficiente – não dispunha de cultivo agrícola nem suprimento de água – e dependia de entregas mensais de suprimentos como pagamento por Tebas, além de importação diária de água do Nilo. Estes suprimentos eram padronizados, não luxuosos, e nem sempre chegavam a tempo. Os cidadãos da vila produziam e trocavam entre si alguns artigos, mas a tentação de pegar tesouros de uma tumba, caminhar por cerca de uma hora até Tebas e trocá-los por alguma mercadoria de luxo provou-se ser demasiada para alguns dos trabalhadores. Aqueles que deveriam proteger os túmulos usavam as mesmas ferramentas com as quais os tinham construído para invadi-los e roubá-los.

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Deir el-Medina
Deir el-Medina
anagh (CC BY-SA)

As condições de vida e trabalho em Deir el-Medina pioraram por volta de 1156 a.C., durante o reinado de Ramsés III, quando os carregamentos mensais começaram a atrasar e então pararam completamente. Não se tratava de artigos de luxo ou bônus, mas dos salários dos trabalhadores – pagos em comida, suprimentos e cerveja – necessários para a sobrevivência. O fracasso do sistema levou à primeira greve de trabalhadores da história, quando eles abandonaram suas ferramentas, deixaram os locais de trabalho e marcharam para Tebas para exigir seu pagamento.

Embora a greve tenha sido bem-sucedida, com os aldeões recebendo seus salários, o problema subjacente de garantir a entrega destes suprimentos à vila nunca foi solucionado. Os pagamentos para Deir el-Medina atrasariam em várias ocasiões no restante do período do Novo Império, à medida que o governo central perdia poder progressivamente e a burocracia que o mantinha desmoronava.

Um Ladrão de Túmulos Confessa

Neste ambiente conturbado, mais e mais pessoas transformavam o roubo de túmulos num meio de vida. A despeito da crença disseminada numa vida além-túmulo e o poder dos textos de execração, que garantiam um final negativo para qualquer um que roubasse um túmulo, a atividade aumentou numa frequência nunca antes observada. Silverman assinala que:

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Os criminosos condenados no período raméssido tardio (c. 1120 a.C.) testemunharam sobre o furto de objetos das tumbas, a pilhagem de metais preciosos de sarcófagos e múmias e a destruição de cadáveres reais. Outros textos registram festejos usando materiais das sepulturas reais e atividades blasfemas dos indivíduos. Tal comportamento sugere que, pelo menos, parte da população tinha pouco receio das repercussões neste mundo ou da reação dos deuses no próximo. (111)

As confissões de criminosos condenados pelo roubo de túmulos multiplicaram-se no período final do Novo Império. Os tribunais parecem ter lidado com estes casos quase diariamente. O Papiro Mayer (c. 1108 a.C.) registra vários casos, detalhando como aqueles flagrados profanando e roubando túmulos eram “torturados na investigação de seus pés e mãos para fazê-los contar de que modo tinham feito exatamente” (Lewis, 257). Testemunhos de funcionários e chefes de polícia contam quem eram os suspeitos e como haviam sido capturados. As punições eram quase sempre citadas como sendo golpes com bastão (bastonadas) nas solas dos pés e açoites, mas podiam chegar à amputação das mãos ou até a morte por empalação ou pelo fogo.

Valley of the Kings
Vale dos Reis
zolakoma (CC BY)

Tais punições não detiveram os ladrões. A confissão de um homem chamado Amenpanufer, pedreiro de Deir el-Medina, descreve as invasões das tumbas e como era fácil escapar da punição, em caso de prisão, e retornar aos seus camaradas para roubar novamente. Sua confissão é datada de c. 1110 a.C.:

Fomos roubar as tumbas como era nosso hábito e encontramos a pirâmide do Rei Sobekemsaf, que não era como as pirâmides e túmulos dos nobres que geralmente invadimos. Pegamos nossas ferramentas de cobre e abrimos caminho para dentro da pirâmide deste rei em direção à parte interna. Localizamos as câmaras subterrâneas e, pegando velas acesas em nossas mãos, descemos.

Encontramos o deus estendido no fundo de seu local de sepultamento. E encontramos o local de sepultamento da Rainha Nubkhaas, sua consorte, ao lado dele, protegido e guardado por argamassa e coberto com detritos.

Abrimos os sarcófagos e esquifes e encontramos a nobre múmia do rei equipada com uma espada. Havia um grande número de amuletos e joias de ouro em seu pescoço e ele usava uma máscara de ouro. A nobre múmia do rei estava completamente coberta de ouro e seus caixões eram decorados com ouro e com prata por dentro e por fora, além de incrustados com pedras preciosas. Apanhamos o ouro que encontramos na múmia do deus, incluindo os amuletos e joias que estavam em seu pescoço. Colocamos fogo em seus esquifes.

Depois de alguns dias, os funcionários distritais de Tebas souberam que estivemos roubando no oeste e me detiveram e prenderam no escritório do prefeito de Tebas. Peguei os vinte deben de ouro que representavam minha parte e os dei para Khaemope, o escriba distrital do cais de Tebas. Ele me libertou e me reuni novamente aos meus colegas, que me compensaram com uma parte novamente. E assim eu peguei o hábito de roubar túmulos. (Lewis, 256-257)

O tom da confissão de Amenpanufer é bastante confortável, como se pensasse que não tinha nada a temer. Sua alegação de que pagou ao escriba distrital pode ser interpretada como uma multa, mas a maioria dos estudiosos reconhece este pagamento como um suborno, pois se tratava de uma prática costumeira. O destino de Amenpanufer após sua confissão é desconhecido. O deben que menciona era a unidade de valor no antigo Egito antes da introdução da economia monetária, por volta de 525 a.C., pelos persas; e o deus citado no túmulo de Sobekemsaf seria a divindade pessoal do rei, que o protegia da mesma forma que as estátuas douradas de Ísis, Néftis e Selquet [ou Sélquis/Serket] colocadas no túmulo de Tutankhamon.

A completa falta de respeito demonstrada por Amenpanufer no relato da pilhagem da tumba, incluindo a queima dos caixões elaborados, revela quão pouco estes ladrões de túmulos se importavam com as repercussões no além-túmulo. A facilidade com que escapou da punição exemplifica por que este tipo de roubo se tornou um meio de vida tão popular: se alguém conseguisse ouro suficiente do assalto, poderia comprar sua saída da cadeia, ser reembolsado por seus comparsas e voltar às atividades como se nada tivesse acontecido.

Conclusão

A despeito dos seus melhores esforços, as autoridades do antigo Egito jamais foram capazes de resolver o problema do roubo de túmulos. Sua melhor tentativa, Deir el-Medina, começou a falhar mesmo antes do declínio do Novo Império e seus esforços anteriores também fracassaram; de outra forma, não haveria razão para construir a vila e novas necrópoles.

Embora alguns estudiosos tenham apontado um declínio na crença religiosa durante o Médio Império (2040-1782 a.C.) como uma razão para o aumento do roubo de túmulos, esta alegação é indefensável. A evidência para uma falta de crença religiosa no Médio Império provém de obras literárias, não inscrições ou registros oficiais, e pode ser interpretada de várias formas. Além disso, conforme observado, o roubo de túmulos existia bem antes desta época.

Os antigos egípcios invadiam e furtavam as tumbas dos ricos por muitas das mesmas razões que pessoas assaltam outras atualmente: excitação, dinheiro e um tipo de empoderamento derivado de tomar aquilo que não é seu. O argumento de que estas pessoas deveriam ter se comportado melhor, considerando seus sistemas de crença, não se sustenta, desde que parece bastante claro que muitas pessoas, através da história, podem professar uma crença que não adotam na realidade. Todas as ameaças e promessas de punição no além-túmulo e terríveis assombrações nesta vida não puderam deter aqueles que, tendo uma chance, podiam invadir um túmulo e sair com o tesouro de um rei.

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Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Ricardo é um jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Joshua J. Mark
Escritor freelance e ex-professor de filosofia em tempo parcial no Marist College, em Nova York, Joshua J. Mark viveu na Grécia e na Alemanha e viajou pelo Egito. Ele ensinou história, redação, literatura e filosofia em nível universitário.

Citar este trabalho

Estilo APA

Mark, J. J. (2017, Julho 17). O Roubo de Túmulos no Antigo Egito [Tomb Robbing in Ancient Egypt]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1095/o-roubo-de-tumulos-no-antigo-egito/

Estilo Chicago

Mark, Joshua J.. "O Roubo de Túmulos no Antigo Egito." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação Julho 17, 2017. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1095/o-roubo-de-tumulos-no-antigo-egito/.

Estilo MLA

Mark, Joshua J.. "O Roubo de Túmulos no Antigo Egito." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 17 Jul 2017. Web. 27 Abr 2024.