O Jogo de Bola da Mesoamérica

Artigo

Mark Cartwright
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 16 Setembro 2013
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Disponível noutras línguas: Inglês, bósnio, francês, espanhol, Turco

O esporte conhecido simplesmente como o Jogo de Bola era disputado por todas as maiores civilizações da Mesoamérica e os impressionantes campos de pedra tornaram-se uma característica de muitas cidades. Mais do que somente um jogo, pode ter tido um significado religioso e aparece em episódios da mitologia. As disputas forneciam inclusive candidatos ao sacrifício humano, transformando-se literalmente num jogo de vida e morte.

Goal, Ball Court of Chichen Itza
Gol do Campo de Jogo de Bola de Chichén Itzá
KÃ¥re Thor Olsen (CC BY-SA)

Origens

O jogo foi inventado em alguma época do Período Pré-Clássico (2500-100 a.C.), provavelmente pelos Olmecas, disseminando-se até virar um componente comum da paisagem urbana por toda a Mesoamérica no Período Clássico (300-900). Com o tempo, foi exportado para outras culturas na América do Norte e no Caribe.

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Na mitologia mesoamericana o jogo é um elemento importante na história dos deuses maias Hun Hunahpu e Vucub Hunahpu.

Na mitologia mesoamericana o jogo é um elemento importante na história dos deuses maias Hun Hunahpu e Vucub Hunahpu. Os irmãos aborreceram os deuses do submundo com o barulho que faziam ao jogar e, assim, foram convencidos a descer para Xibalba (o mundo subterrâneo), e lá desafiados para um jogo de bola. Ao perder a partida, Hun Hunahpu teve sua cabeça cortada; um exemplo daquilo que se tornaria prática comum para os infortunados jogadores que perdessem dali por diante.

Em outra lenda, um jogo célebre teria sido realizado na capital asteca de Tenochtitlán entre o rei asteca Motecuhzoma Xocoyotzin (r. 1502-1520) e o rei de Texcoco. O último havia predito que o reino de Motecuhzoma cairia e a partida foi marcada para estabelecer a verdade desta ousada previsão. Motecuhzoma perdeu o jogo e, é claro, realmente acabou derrotado pelos invasores do Velho Mundo. A história dá suporte à ideia de que este esporte também era usado em algumas ocasiões com propósitos divinatórios.

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Ballcourt, Xochicalco
Campo de Jogo de Bola, Xochicalco
Wikipedia User: Maxtreiber (Public Domain)

O Campo

Os campos faziam parte do distrito sagrado das cidades, reforçando a hipótese de serem mais do que apenas um esporte. Os campos no Pré-Clássico inicial eram simples retângulos de terra batida mas no Período Formativo Tardio (a partir de 300 a.C.) eles evoluíram para construções mais imponentes, que consistiam numa superfície retangular lisa entre dois muros de pedra paralelos. Em cada lado há um largo anel vertical de pedra, colocado no alto do muro. Estes muros poderiam ser perpendiculares ou inclinados e as extremidades do campo eram abertas mas definidas com o uso de marcadores ou, em outros traçados, um muro fechava o espaço de jogo, criando um campo em formato de L. O campo de Monte Albán, em Oaxaca, é um típico exemplo do campo em formato de L. O comprimento do campo variava, mas o de 60 metros da Epiclássica El Tajín (650-900) representa um tamanho típico.

A superfície lisa do campo possui muitas vezes três grandes marcadores circulares de pedra, colocados em linha, próximos à extremidade. Alguns destes marcadores em sítios maias possuem um cartucho no formato de um trevo de quatro folhas, indicando a entrada do submundo, o que levou à especulação de que o jogo possa ter simbolizado o movimento do sol (a bola) através do submundo (o campo) a cada noite. Uma alternativa é que a bola possa ter representado outro corpo estelar, como a Lua, e o campo fosse o mundo.

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Existem vários campos espalhados através da Mesoamérica. A cidade Epiclássica de Cantona possui incríveis 24 campos, com ao menos 18 construídos na mesma época. El Tajín também tem um extraordinário número de campos (ao menos 11) e pode ter sido um centro sagrado para o esporte, como Olímpia para o atletismo na Grécia Antiga. O mais antigo campo conhecido é o da cidade olmeca de San Lorenzo, enquanto o maior campo de pedra que subsistiu é o da cidade maia-tolteca de Chichén Itzá. Com 146 metros de comprimento e 36 metros de largura, este campo parece ser quase grande demais para a realização de um jogo, especialmente com os anéis colocados à exigente altura de 8 metros.

Ball Court Wall & Goal, Chichen Itza
Muro do Campo de Jogo de Bola e Gol, Chichén Itzá
Luis Miguel Bugallo Sánchez (CC BY-SA)

As Regras

As regras exatas do jogo não são conhecidas ao certo e, com toda probabilidade, havia variações entre as várias culturas e os diferentes períodos. Porém, o objetivo principal era jogar uma bola de borracha sólida (latex) através de um dos anéis. Isso era mais difícil do que parece, já que os jogadores não podiam usar as mãos. Pode-se imaginar que bons jogadores tornavam-se muito hábeis em dirigir a bola usando seus cotovelos, joelhos, coxas e ombros acolchoados. Os times eram compostos por dois ou três jogadores, apenas homens. Havia uma versão alternativa, menos disseminada, onde se utilizava bastões para atingir a bola.

Por si só, a bola poderia ser uma arma letal pois, medindo de 10 a 30 centímetros de diâmetro e pesando de 500 gramas a 3,5 quilos, quebraria ossos com facilidade. Incrivelmente, sete bolas de borracha foram preservadas nos pântanos de El Manati, próximo à cidade olmeca de San Lorenzo. Elas medem de 8 a 25 centímetros de diâmetro e estão datadas entre 1600 e 1200 a.C..

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Mesoamerican Ballgame Players
Jogadores de Bola Mesoamericanos
James Blake Wiener (CC BY-NC-SA)

Os Jogadores

Os jogadores podiam ser profissionais ou amadores e há evidências de apostas nos resultados de partidas importantes. O esporte também tinha uma forte associação com os guerreiros e prisioneiros de guerra eram muitas vezes forçados a jogar.

Frequentemente retratados na arte mesoamericana, os jogadores aparecem em esculturas, cerâmicas e na decoração arquitetônica - esta última encontrada nos próprios campos - e estas representações mostram o uso de acessórios de proteção, como cintos e acolchoamento para joelhos, quadris, cotovelos e pulsos. Nestas obras de arte, eles tipicamente vestem um capacete acolchoado ou um enorme cocar enfeitado com plumas, este último talvez exclusivamente para fins cerimoniais. Relevos de pedra dos zapotecas em Dainzu mostram jogadores usando capacetes gradeados, bem como protetores de joelhos e para as mãos.

Os vencedores recebiam troféus, muitos dos quais têm sido escavados, incluindo hachas e palmas. Uma hacha era uma representação de cabeça humana (inicialmente podem ter sido cabeças de verdade), com uma alça afixada. Podem ter sido usados como troféus, peça de equipamento cerimonial ou um marcador no próprio campo. Uma palma era também provavelmente um troféu ou parte de uma vestimenta cerimonial dos jogadores. Elas são frequentemente representadas em pedra e podem tomar a forma de braços, mãos, um jogador ou um pássaro com cauda em forma de leque. Outros troféus para os vencedores incluem cangas de pedra (geralmente em formato de U para ser usada em torno da cintura, numa imitação da proteção empregada pelos jogadores) e mãos de pedra, muitas vezes com entalhes elaborados. Todos estes troféus costumam ser encontrados em túmulos, num símbolo da ligação entre o esporte e o submundo da mitologia mesoamericana.

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Como havia um significado religioso em várias partidas, o capitão do time perdedor, ou em certos casos o time inteiro, era sacrificado aos deuses. Tais cenas são retratadas nas esculturas decorativas dos próprios campos, talvez de forma mais célebre no campo sul em El Tajín e em Chichén Itzá, onde um painel em relevo mostra dois times de sete jogadores, um dos quais está sendo decapitado. Outro sinistro indicador de como este esporte poderia se tornar macabro é a presença de tzompantli (as plataformas de crânios onde as cabeças decapitadas pelos sacrifícios eram exibidas), decorados com entalhes em pedra, nas proximidades dos campos. Os maias do Período Clássico até inventaram um jogo paralelo, no qual cativos, uma vez derrotados numa partida, eram amarrados, usados como bolas e então rudemente rolados abaixo por escadarias.

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Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Ricardo é um jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é autor, pesquisador, historiador e editor em tempo integral. Seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações compartilham. Ele possui mestrado em Filosofia Política e é diretor editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2013, Setembro 16). O Jogo de Bola da Mesoamérica [The Ball Game of Mesoamerica]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-604/o-jogo-de-bola-da-mesoamerica/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "O Jogo de Bola da Mesoamérica." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação Setembro 16, 2013. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-604/o-jogo-de-bola-da-mesoamerica/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "O Jogo de Bola da Mesoamérica." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 16 Set 2013. Web. 25 Abr 2024.