O salão foi um evento cultural tipicamente francês: uma reunião social privada em que um grupo diverso de convidados discutia abertamente arte, literatura, filosofia, música e política. Embora mais frequentes em Paris, os salões não se restringiram à capital e costumavam ser organizados por mulheres ricas e que possuíam contatos importantes.
Os participantes tinham origens distintas e, como o ambiente era democrático, cosmopolita e tolerante, os salões se tornaram uma oportunidade para ouvir diferentes pontos de vista das mais variadas camadas sociais. Também eram ocasiões propícias ao contato com novas ideias, algumas delas radicais, em vários campos do saber, o que contribuiu para a difusão do pensamento iluminista. O salão se firmou como uma instituição cultural, sobretudo nos séculos XVII e XVIII, não apenas na França, mas também em outras cidades da Europa e na América do Norte.
O desenvolvimento do salão
Os salões começaram a se popularizar em Paris no início do século XVII, mas o termo “salão” só passou a ser empregado no século XVIII, e não deve ser confundido com as exposições públicas de arte parisienses da mesma época, que também recebiam esse nome. Esses encontros eram geralmente organizados por mulheres da aristocracia e ocorriam semanalmente, com acesso restrito a convidados. Realizados em ambientes elegantes e reservados, proporcionavam um espaço propício à socialização e às conversas em pequenos grupos. O historiador W. E. Burns explica que “a missão original era o refinamento dos modos, da fala e da literatura” (p. 285). Com o tempo, porém, a reflexão sobre as artes, a filosofia e as ciências passou a desempenhar um papel importante nesses encontros. Apesar de muitas vezes abordarem temas intelectuais complexos, os salões mantinham o caráter informal. Além da comida servida, os convidados podiam assistir a apresentações musicais realizadas por músicos renomados ou promissores. Escritores eram incentivados a ler trechos de suas obras mais recentes. Também podia haver danças, pequenas encenações teatrais, debates intelectuais, imitações e jogos de cartas ou de salão. Outros convidados vinham da alta sociedade, e embora alguns anfitriões separassem os presentes por classe social, seja em salas distintas ou em encontros alternados, havia também quem permitisse a mistura entre as classes. As mulheres também eram convidadas, o que contribuía ainda mais para fazer dos salões uma verdadeira miscelânea de gênero, status social e talento.
Enquanto espaço de circulação de novas ideias, os salões podem ter contribuído para o movimento iluminista europeu, num período em que as visões tradicionais começavam a ser questionadas pela razão e pela ciência. Esses ambientes favoreceram a disseminação de ideias ao conectar escritores a editores e pensadores entre si, além de proporcionarem a muitos intelectuais os meios financeiros para dar continuidade às suas atividades em busca do conhecimento. Pela abertura com que recebiam seus convidados, as anfitriãs frequentemente atuavam como “catalisadoras de tendências políticas e culturais” (Yolton, p. 471). Em suma, ideias radicais nem sempre permaneciam confinadas às paredes dos salões. O historiador J. W. Yolton aprofunda essa questão:
Devido à sua permeabilidade social, os salões tornaram-se fóruns importantes para o pensamento pré-revolucionário na França. Com o declínio do mecenato da corte, mas antes da consolidação da indústria editorial, os salões também passaram a ajudar editores, patronos e leitores a buscar autores, colaborando para a produção e a distribuição de suas obras.
(p. 471)
É importante lembrar que os salões não foram criados apenas por razões intelectuais e que, em essência, eram eventos sociais. Esse último aspecto levou alguns historiadores, como R. Robertson, a afirmar:
Por mais diversas que fossem essas reuniões, elas tiveram uma importância considerável para a vida cultural. No entanto, isso não significa que tenham contribuído igualmente para o desenvolvimento do pensamento iluminista, e sua relevância nesse sentido pode ter sido exagerada.
(p. 363)
O papel da anfitriã
Como Yolton afirma: “Em todos os salões, a figura central era a anfitriã, geralmente uma mulher madura, cheia de estilo e autoridade. Seu charme pessoal, ambição social, habilidades organizacionais, inteligência, espírito e bom gosto determinavam como seria o ambiente” (p. 471). Cabia também a ela decidir quem seria convidado para os encontros, realizados semanal ou quinzenalmente.
As anfitriãs dos salões eram, geralmente ricas, bem relacionadas, com tempo, espaço e arcar para arcar com os custos dos comes e bebes. Havia alguns salões apenas para homens, como os promovidos pelo Barão d’Holbach (1723-1789) em sua residência luxuosa em Paris, mas os mais famosos eram liderados por mulheres. Muitas dessas anfitriãs, conhecidas como salonnières, tornaram-se internacionalmente célebres por seus salões. Vale destacar que, num período em que os maridos ainda exerciam domínio quase total sobre suas esposas, muitas dessas mulheres (embora certamente não todas) tinham a liberdade de organizar eventos públicos porque eram viúvas ou separadas. Também havia anfitriãs casadas e solteiras.
Muitas das mulheres que organizavam salões eram amigas dos intelectuais e artistas convidados, e algumas mantinham correspondências que duravam anos. Além disso, muitas atuavam como mecenas, seja por meio de apoio financeiro, seja recomendando diretamente esses artistas e pensadores a pessoas influentes. Somando a isso a oportunidade única que ofereciam para dar visibilidade a esses criadores, não surpreende que essas mulheres se tornassem “figuras de poder que poucos podiam se dar ao luxo de ignorar” (Chisick, p. 378).
As anfitriãs também podiam oferecer seus próprios entretenimentos além do charme e do espírito, como uma dama que mantinha camaleões em uma gaiola aquecida, para que os convidados se maravilhassem ao vê-los mudar de cor. Porém, as mulheres dos salões frequentemente receberam tratamento depreciativo na literatura e na imprensa. Em 1672, o dramaturgo Molière (1622-1673) escreveu a peça As Mulheres Sábias (Les Femmes Savantes), uma sátira em que ridicularizava o interesse feminino por assuntos intelectuais.
Les Salonnières
Algumas das principais anfitriãs de salões são destacadas a seguir.
Madame Anne Thérèse de Marganat de Courcelles, Marquesa de Lambert (1647–1733), estabeleceu o modelo para os salões posteriores, embora organizasse encontros distintos: um para literatos e outro para membros da alta sociedade. Essas reuniões começaram em 1710, e alguns convidados participavam de ambas. O salão intelectual de Madame de Lambert foi tão frequentado que ficou conhecido como a “antessala da Academia” (Chisick, p. 377). De fato, seu apoio a Montesquieu (1689–1757) foi uma contribuição importante para a posterior admissão do filósofo na prestigiosa Academia Francesa.
Madame Marie-Anne de Doublet (1677–1771) organizou um salão em Paris por 40 anos. Seu salão era conhecido pela presença tanto de mulheres quanto de homens e pelo forte vínculo entre os participantes, que se autodenominavam “os paroquianos” (Chisick, p. 149). O salão chegou até a publicar seu próprio jornal.
Madame Claudine-Alexandrine Guérin de Tencin (1681–1749), parisiense de nascimento que, embora fosse marquesa, foi escritora por mérito próprio, escrevendo romances e as Memórias do conde Comminge (Mémoires du comte de Comminge) em 1735. Madame de Tencin teve uma vida escandalosa: lutou contra seus votos religiosos obrigatórios em 1714, envolveu-se com vários amantes sem jamais se casar, teve um filho ilegítimo (o matemático Jean Le Rond d’Alembert), arranjou amantes para Luís XV da França e chegou a passar um tempo na prisão da Bastilha após ser acusada de extorsão por um de seus amantes (que depois cometeu suicídio). Organizando salões desde 1718, Madame de Tencin atraía convidados ilustres, mas ainda assim chamava todos de “feras” de sua “menagerie” (Chisick, p. 410).
Madame Marie de Vichy-Chamrond, Marquesa du Deffand (1696–1780), embora fosse casada, viveu separada na corte do regente francês e depois passou a se manter de forma independente. Fundou seu salão parisiense em 1745, privilegiando convidados que não eram filósofos, com a única exceção de Voltaire (1694–1778).
Madame Marie Thérèse Rodet Geoffrin (1699–1777), também natural de Paris, foi, em muitos aspectos, uma aprendiz de Madame de Tencin, frequentando seus salões quando era jovem. Madame de Geoffrin teve a ideia inovadora de organizar dois jantares por semana: um às segundas-feiras para escritores e outro às quartas-feiras para artistas. Ajudava financeiramente os convidados que precisavam, chegando a comprar suas pinturas. Conhecida por seu tato e discrição ao conduzir as conversas, seus salões eram notórios pela respeitabilidade e pela evitação de discussões mais radicais. A filha de Madame Geoffrin, a marquesa de Ferté-Imbault, escreveu um livro de memórias sobre as atividades do salão da mãe.
Madame Anne-Catherine Helvétius (nascida Anne-Catherine de Ligniville, 1722–1800) administrou o único salão que sobreviveu até os anos da Revolução Francesa (1789–1799). Sediado em Auteuil — na época um retiro campestre fora de Paris e hoje um subúrbio da capital —,incentivava a presença de membros mais pobres da sociedade e pensadores de diferentes gerações. O salão tornou-se um grande caldeirão para debates políticos, contando entre seus frequentadores regulares o renomado teórico político Marquês de Condorcet (1743–1794).
Mademoiselle Julie Jeanne Éléonor de Lespinasse (1732–1776) era filha ilegítima de uma condessa. Tornou-se companheira de Madame du Deffand, mas foi dispensada quando esta descobriu que Julie organizava encontros populares antes do início oficial do salão com convidados que chegavam cedo. Com ajuda financeira de Madame de Geoffrin, Julie conseguiu criar seu próprio salão, adotando uma abordagem totalmente diferente ao abrir sua casa diariamente das 17h às 21h. Ainda que apenas petiscos fossem oferecidos aos convidados, o salão fazia sucesso. O historiador e literato Jean-François Marmontel (1723–1799), frequentador assíduo dos salões, descreveu Julie de Lespinasse em suas memórias como “uma combinação surpreendente de decoro, razão e sabedoria, com a mente mais viva, a alma mais ardente e a imaginação mais intensa desde Safo” (Robertson, p. 361).
Os convidados
Os salões eram exclusivos para convidados e, caso o interessado não fosse conhecido pessoalmente pela anfitriã, era comum que precisasse apresentar cartas de recomendação fornecidas por alguém de confiança do círculo. A principal finalidade do salão era a conversa. Um bom convidado deveria ter algo a oferecer a esse diálogo, no mínimo inteligência e um francês refinado, e aqueles com habilidades específicas eram ainda mais valorizadas. Escritores, pintores, músicos e filósofos eram bem estimados pelos anfitriões, pois ,além de garantirem entretenimento para os demais convidados, revelavam as tendências vanguardistas em seus respectivos campos. Também havia quem fosse convidado por sua riqueza e posição social, pois conferia um tipo diferente de prestígio à anfitriã. A idade não era um obstáculo, como demonstrava a presença de prodígios jovens como o matemático Blaise Pascal (1623–1662). Estrangeiros como o estadista americano Benjamin Franklin (1706–1790) e o historiador Edward Gibbon (1737–1794) também eram bem-vindos nos salões.
Embora a música dos salões fosse muitas vezes encarada como frívola e inferior às apresentações com orquestra, alguns músicos renomados, como Franz Liszt (1811–1886), faziam aparições pessoais. Outros, como Jacques Offenbach (1819–1880), compunham baladas sentimentais e obras para violoncelo e piano especificamente para os salões. Alguns compositores organizavam seus próprios salões, como Gioachino Rossini (1792–1868), que, já aposentado, usava seus populares salões em sua residência luxuosa no Bois de Boulogne, em Paris, para promover a carreira de futuros astros como Camille Saint-Saëns (1835–1921) e Georges Bizet (1838–1875).
Liszt, em especial, tornou-se uma atração tão popular nos salões que sua idolatria foi chamada de “Lisztomania”. As mulheres suspiravam e desmaiavam diante desse “diabo do teclado”, chegando a disputar a suas luvas do maestro quando ele as deixava descuidadamente sobre o piano ou as jogava dramaticamente no chão, como fazia com frequência antes de começar a tocar. Liszt alimentava esse fervor, tocando sempre que possível e escolhendo as peças mais chamativas para apresentar, geralmente composições próprias. Foi assim que se tornou pioneiro de recital e ajudou a tornar o solista uma presença constante no entretenimento dos salões.
Dentre os filósofos que frequentaram os salões, inclui-se Montesquieu, Voltaire, David Hume (1711–1776) e Adam Smith (1723–1790). Cientistas também eram bem-vindos, principalmente se pudessem levar seus instrumentos para fazer demonstrações interessantes. O astrônomo holandês Christiaan Huygens (1629–1695) era um frequentador assíduo, usando esse ambiente, tal como muitos intelectuais, para fazer contatos e impulsionar sua carreira.
Entre os escritores, destacavam-se Bernard Le Bovier de Fontenelle (1657–1757) e Horace Walpole (1717–1797). Os homens de letras muitas vezes aproveitavam para ler trechos de obras ainda não publicadas para observar a reação do público e fazer revisões quando necessário. Alguns se desesperavam diante do patrocínio volúvel, enquanto outros criticavam abertamente a capacidade intelectual do público aristocrático. Em Cândido, publicado em 1759, Voltaire desdenhou:
O jantar era como a maioria dos jantares em Paris. Primeiro, silêncio; depois uma cacofonia de palavras que ninguém entende; em seguida, piadas que quase sempre não fazem efeito, rumores falsos, argumentos falsos, uma pitada de política e muita difamação.
(Robertson, p. 362)
A disseminação dos salões
Embora a influência exata dos salões sobre a cultura iluminista ainda seja objeto de debate, o historiador H. Chisick destaca que os salões “constituem um raro exemplo de mulheres exercendo um papel dominante na cultura da elite” (p. 379). A ideia certamente se espalhou rapidamente para outros lugares. Em Londres, Elizabeth Montagu (1718–1800) organizava um salão célebre que incluía escritoras entre os convidados. Na Prússia, Henriette Herz (1764–1847) e Rachel Levin promoviam encontros regulares voltados para a comunidade judaica de Berlim. Já na Filadélfia, a escritora Elizabeth Graeme Fergusson (1737–1801) comandava um salão literário muito popular, pioneiro na América do Norte. Tudo indica que mulheres de diversas partes, e não apenas em Paris, estavam interessadas em explorar as oportunidades oferecidas por esse formato único de enriquecimento social e intelectual.