O Ouro dos Conquistadores das Américas

Artigo

Mark Cartwright
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 25 Julho 2022
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Disponível noutras línguas: Inglês, francês, espanhol

A espantosa quantidade de ouro que os conquistadores extraíram das Américas permitiu à Espanha se tornar o país mais rico do mundo. A sede de ouro para financiar exércitos e ganhar riqueza pessoal resultou em ondas de expedições de descoberta e conquista a partir de 1492. Somente na primeira metade do século da conquista espanhola das Américas, aproximadamente, mais de 100 toneladas de ouro foram extraídas do continente.

Ao fundir o metal cintilante, os conquistadores deixaram para trás uma trilha de morte, tortura e destruição. Eles reduziram massivamente o número de artefatos que, de outra forma, teriam sobrevivido até os dias de hoje, expressando o significado religioso, cultural e artístico que seus criadores lhes conferiram. Eles pensavam que a escolha pelo incorruptível ouro faria com que tais objetos perdurassem por várias gerações; em vez disso, seu destino foi selado e os artefatos acabaram perdidos para sempre.

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Lambayeque Tumi
Tumi (Faca Cerimonial) Lambayeque
Metropolitan Museum of Art (Copyright)

A Sede pelo Ouro

Quando Cristóvão Colombo (1451-1506) chegou às Américas em 1492, a principal commodity que todos os monarcas europeus ansiavam era o ouro. Com este metal amarelo precioso, exércitos, mercenários e armas de pólvora podiam ser pagos e seus reinos podiam ser defendidos e expandidos. Escasso por natureza, o ouro se tornara excepcionalmente raro na Europa ao fim do século XV. De forma talvez surpreendente, se todo o ouro da Europa na época tivesse sido reunido num mesmo lugar, seu volume total seria um mero cubo de dois metros de lado, com 88 toneladas. O ouro com que os conquistadores estavam prestes a se deparar no Novo Mundo superaria em muito este total, enriquecendo a Coroa Espanhola de forma jamais vista anteriormente.

O ouro era apreciado pelos indígenas americanos por causa de seu brilho, incorruptibilidade e associações espirituais.

Os conquistadores encontraram ouro pela primeira vez na ilha de Hispaniola (atualmente a República Dominicana e Haiti), em 1494. Os tentáculos do império estenderam-se então para Porto Rico, em 1508, Jamaica (1509) e Cuba, em 1511, até o momento a melhor fonte de ouro. Na primavera de 1513, Juan Ponce de León (1474-1521) foi o primeiro europeu a fazer um desembarque documentado na Flórida. Também em 1513, Vasco Núñez de Balboa (1475-1519) cruzou o Istmo do Panamá e, assim, tornou-se o primeiro europeu a avistar o Oceano Pacífico. Na década de 1520, o processo de colonização espanhol alcançou outro patamar. Diego Velázquez de Cuéllar (1465-1524), o governador de Cuba, enviou Hernán Cortés (1485-1547) para explorar o México, onde ele encontrou e depois conquistou os astecas, a partir de 1521. A seguir, Pedro de Alvarado (c. 1485-1541) liderou a brutal conquista dos maias, na Guatemala, em 1524. O próximo foi Francisco Pizarro (c. 1478-1541), que saqueou o Peru Inca a partir de 1532, seguido por Hernando de Soto (c. 1500-1542), que começou a explorar a América do Norte até o Rio Mississippi, em 1539-42. Todos estes homens estavam atrás de riquezas de qualquer tipo, de esmeraldas a peles exóticas, mas de todos o mais cobiçado material era sem dúvida o ouro.

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As Américas, de fato, mostraram-se um excelente lugar para se encontrar ouro. Embora o metal não fosse valorizado por sua raridade ou como meio de pagamento entre os povos originários das Américas, eles o apreciavam por causa de seu brilho, incorruptibilidade, associações espirituais (especialmente referentes ao sol) e maleabilidade nas mãos dos artesãos. Por estas razões, era extraído, comercializado e oferecido como tributo por todo o continente. Quando os visitantes do Velho Mundo chegaram e viram os valiosos adereços corporais das pessoas que encontravam e os artefatos brilhantes nos muros dos templos, ficaram radiantes. Esta exultação confundia os nativos, já que eles geralmente valorizavam mais outros materiais, como jade, turquesa, penas exóticas e tecidos de alta qualidade.

Chimu Gold Rattle
Chocalho Dourado Chimu
Daderot (Public Domain)

Ouro Asteca

Quando Cortés começou a conquista do México, em 1519, a busca pelo ouro estava entre suas prioridades e a motivação principal entre seus companheiros conquistadores. As armas mais sofisticadas, táticas de guerra total e agressiva e o brilhante uso de aliados locais conspiraram para trazer aos espanhóis vitória após vitória e, por fim, o controle total do último grande império da longa história da Mesoamérica.

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Quando Cortés se encontrou com o líder asteca Motecuhzoma II (ou Montezuma, r. 1502-1520), em Novembro de 1519, as coisas tinham começado bem em relação à busca pelo ouro, já que o conquistador recebeu de presente um magnífico colar de caranguejos dourados. Após a queda da capital asteca de Tenochtitlán, em Agosto de 1521, pilharam-se templos, palácios, armazéns e residências. Indígenas eram frequentemente capturados e torturados para revelar o paradeiro de seus objetos de valor e, particularmente, de qualquer coisa feita de ouro. Os conquistadores mostraram-se insaciáveis em sua ganância por qualquer objeto dourado, desde piercings nasais até imagens de ídolos. Como uma fonte contemporânea dos nativos afirma: “Os espanhóis tomaram as coisas do povo pela força. Estavam procurando ouro; davam pouca importância à diorita, penas preciosas ou turquesa” (citado em Carballo, 226).

Para um fluxo mais regular de ouro, as tribos subjugadas logo foram obrigadas a dar aos espanhóis tributos anuais, frequentemente na forma de pequenos discos de ouro. Naturalmente, os espanhóis também queriam saber sua proveniência e, assim, assumiram o controle das minas astecas em Taxco e Pachuca. Novas minas de ouro e prata foram criadas em Taxco (1536), Zacatecas (1546), Guanajuato (1550), Pachuca (1552) e San Luis Potosí (1592), ocasionando um fluxo regular de metais preciosos enviados à Espanha.

The Torture of Cuauhtémoc
A Tortura de Cuauhtemoc
Leandro Izaguirre (Public Domain)

Ouro Inca

No Peru, o conquistador Francisco Pizarro atacou o Império Inca em 1532 e capturou seu líder, Atahualpa. A civilização inca considerava o ouro como o suor do deus-sol Inti e, por isso, usava o metal para fabricar vários tipos de objetos de importância religiosa. O Corichancha, Templo do Sol de Cuzco, estava coberto com mais de 700 folhas de ouro batido de meio metro quadrado, cada uma das quais pesando dois quilos. Existia até um jardim dedicado a Inti, todo em ouro e prata. Nele havia um grande campo de milho e modelos em tamanho natural de ovelhas, lhamas, jaguares, porquinhos-da-índia, macacos, pássaros e até borboletas e insetos, todos esculpidos em metais preciosos.

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Só o que sobreviveu do magnífico jardim dourado de Inti, em Cuzco, é um simples caule de trigo de ouro.

Os conquistadores não foram lentos em observar estes magníficos ornamentos dos templos incas. Foi prometido ao líder sua liberdade em troca de um enorme resgate em ouro e prata, suficiente para cobrir uma sala medindo cerca de 6,2 x 4,8 metros. Após ser devidamente pago, o resgate acabou sendo fundido em nove grandes fornalhas e distribuído entre os 217 espanhóis. O ouro entregue pelos incas, com uma pureza de 22,5 quilates e pesando mais de 6.000 quilos, valia pelo menos 1,3 milhões de pesos de ouro, mais de 300 milhões de dólares em valores atuais. Um soldado de infantaria recebeu a enorme soma de 20 quilos de ouro, enquanto um cavaleiro obteve 41 quilos; Pizarro ganhou o equivalente a sete vezes o valor pago aos cavaleiros e um quinto do total, conforme prometido, foi destinado à Coroa. Em acréscimo a esta soma, Pizarro foi obrigado, sob os tempos do contrato de conquista e ao status de adelantado, a pagar à Coroa um imposto de 10% sobre todo o ouro obtido no Peru, um percentual que cresceu para 20% após os primeiros seis anos.

O antigo Império Inca também se tornou uma enorme fonte de prata, tanto pela pilhagem quanto pela mineração. Os incas há muito usavam as minas como meio de obter trabalhadores e tributo de áreas específicas. Depósitos de ouro eram extraídos usando-se poços estreitos que seguiam os veios do metal. Havia também minas abertas e o ouro também podia ser recuperado com o emprego de bateias no leito dos rios. Minas de metais preciosos foram abertas e exploradas pelos espanhóis em toda a extensão da América do Sul. As maiores minas incluíam a do Vale do Cauca, na Colômbia (aberta em 1540); Potosí (1545) e Oruro (1595), na Bolívia; e as de Castrovirreyna (1555) e Cerco de Pasco (1630), no Peru.

Atahualpa
Atahualpa
Brooklyn Museum (CC BY-NC-SA)

A extração de prata das Américas logo prevaleceu; por volta de 1540, perfazia mais de 85% dos carregamentos de metais preciosos para a Espanha. Por todo o século XVI e início do século XVII, ouro e prata totalizavam pelo menos 80% das cargas enviadas para a Europa em termos de valor total. O trabalho de extração destes metais ocorreu através do sistema de licença de encomienda, que dava ao seu detentor o direito de usar mão de obra local sem pagamento, em troca de oferecer um grau nominal de segurança e a oportunidade de ser educado na religião cristã. À medida que as doenças e condições precárias de trabalho cobravam um pesado preço das populações, o sistema de encomienda foi eventualmente substituído por um de baixos salários, o sistema de repartimiento.

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O Ouro de El Dorado

Na antiga Colômbia, o ouro também era reverenciado pelo seu brilho e associado ao sol. Utilizava-se o pó dourado para cobrir o corpo do futuro rei Muísca (Chibcha), numa luxuosa cerimônia de coroação, o que deu origem à lenda do El Dorado (Homem Dourado). O novo e dourado monarca então mergulharia no Lago Guatavita, num ritual de limpeza. Nesse meio tempo, os presentes atiravam objetos preciosos no lago como oferendas auspiciosas aos deuses. Quando os conquistadores ouviram rumores desta cerimônia, na década de 1530, a história tinha sido embelezada e El Dorado não era mais somente um homem, mas uma grande cidade inteira pavimentada com ouro.

A cidade dourada jamais foi encontrada porque nunca existiu, mas houve tentativas para recuperar os tesouros no fundo do lago. Na década de 1580, Antonio de Sepúlveda realizou o projeto mais ambicioso, cortando uma parte da beira da cratera onde está situado o lago para drená-lo e localizar tesouros que certamente teriam se acumulado no fundo. Alguns artefatos de ouro foram de fato recuperados mas, antes que o lago pudesse esvaziar completamente, um deslizamento bloqueou a abertura e, assim, a água começou a subir novamente. Seguiu-se uma longa sequência de aventureiros dolorosamente desapontados, até o momento, em tentativas malsucedidas de extrair o ouro do Lago Guatavita.

Muisca Tunjo
Tunjo Muísca (Chibcha)
Ignacio Perez (CC BY-NC-SA)

Tesouros Perdidos

Como os conquistadores estavam interessados somente no ouro e não em seu formato, fundiram sem cessar os artefatos existentes para produzir moedas e lingotes, mais fáceis de transportar para a Europa e de compartilhar entre si. Estátuas sagradas, a despeito dos melhores esforços dos locais para escondê-las, eram encontradas e derretidas. Itens dourados como braceletes, colares, brincos, adereços de nariz, facas cerimoniais, figurinhas, taças e pratos foram atirados aos cadinhos de fusão. Apesar do envio de peças selecionadas para a gratificação do monarca espanhol, não havia quase nenhuma apreciação pelo significado religioso, cultural e artístico das incontáveis peças perdidas para sempre. Tudo o que sobreviveu do magnífico jardim dourado de Inti em Cuzco, por exemplo, é um simples caule de trigo.

Por volta de 1560, os conquistadores embarcaram mais de 100 toneladas de ouro de volta à Espanha, com efeito mais do que dobrando a quantidade do metal precioso disponível na Europa. O volume aumentou na segunda metade do século XVI, graças à mineração de novas fontes do que se tornou o Vice-Reino de Granada (abrangendo os atuais países da Colômbia, Equador e Venezuela), com navios entregando cerca de quatro toneladas de ouro por ano em Sevilha.

A busca pelo ouro tinha seu preço, não somente para as culturas locais, mas também para os próprios conquistadores. Várias expedições à procura pelo metal brilhante acabaram em fracassos mortais, como a de 1523-4 a Honduras, liderada por Cristóbal de Olid (n. 1492). Diego de Almagro (v. c. 1475-1538) liderou uma grande e custosa expedição ao Chile em 1535, mas não encontrou ouro. A mais famosa de todas foi a expedição comandada por Francisco Vásquez de Coronado (v. c. 1510-1554), em 1540, para explorar a América do Norte em busca de Cibola, um lendário grupo de cidades alegadamente pavimentadas com ouro. Ele não encontrou nada semelhante. Mesmo aqueles que encontraram ouro frequentemente esbarravam na cobiça de seus companheiros conquistadores. O próprio Cortés esteve envolvido pelo resto da vida em disputas legais infindáveis sobre a maneira como compartilhara sua pilhagem dourada e se havia repassado à Coroa a parcela devida.

Collection of Gold as Tribute, Codex Tepetlaoztoc
Cobrança de Ouro como Tributo, Codex Tepetlaoztoc
The British Museum (CC BY-NC-SA)

A Espanha, por seu turno, sofreu com o massivo fluxo de ouro e prata, que causou hiperinflação, um conceito desconhecido na época. Os preços de commodities aumentaram mais de 400% ao longo do século XVI e as exportações espanholas também sofreram, após a correspondente elevação dos salários para se equiparar ao aumento do custo de vida. Além disso, a Coroa esbanjava seus metais preciosos, geralmente para garantir empréstimos bancários, antes mesmo que as frotas do tesouro anuais chegassem à Europa. E havia também a ameaça de piratas e corsários, ansiosos por interceptar os galeões espanhóis. Em 1579, por exemplo, Francis Drake capturou o Nuestra Señora de la Concepción (Nossa Senhora da Conceição) na costa peruana, com uma carga que incluía 26 toneladas de barras de prata e 36 quilos de ouro. As tempestades representavam uma ameaça ainda maior e levaram a muitos naufrágios, como o do Nuestra Señora de Atocha, que transportava uma carga valendo 400 milhões de dólares quando afundou em 1622, no litoral da Flórida.

Nem mesmo a grande riqueza das Índias poderia custear o tremendo custo de manter exércitos para proteger e expandir o Império Espanhol na Península Ibérica, Países Baixos, França, Alemanha, Itália, Norte da África e nos oceanos. É talvez adequado que a Era de Ouro da Espanha tenha sido tão brilhante e transitória quanto os jovens impérios das Américas que destruiu em sua incansável busca pelo ouro.

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Perguntas e respostas

Os conquistadores das Américas encontraram ouro?

Os conquistadores das Américas encontraram uma tremenda quantidade de ouro, mais de 100 toneladas entre 1492 e 1560.

Quanto ouro Cortés tomou dos astecas?

Hernán Cortés extraiu literalmente toneladas de ouro dos astecas e de outras civilizações mesoamericanos. Inúmeros artefatos foram derretidos, aumentou-se a extração das minas e outras foram abertas.

Onde os espanhóis conseguiam seu ouro?

Os espanhóis conseguiram seu ouro de povos originários através das Américas, particularmente de Cuba, México, Colômbia e Peru. Artefatos e joalheria foram derretidos e ouro extraído das minas locais.

Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Ricardo é um jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é autor, pesquisador, historiador e editor em tempo integral. Seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações compartilham. Ele possui mestrado em Filosofia Política e é diretor editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2022, Julho 25). O Ouro dos Conquistadores das Américas [The Gold of the Conquistadors]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-2045/o-ouro-dos-conquistadores-das-americas/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "O Ouro dos Conquistadores das Américas." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação Julho 25, 2022. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-2045/o-ouro-dos-conquistadores-das-americas/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "O Ouro dos Conquistadores das Américas." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 25 Jul 2022. Web. 27 Abr 2024.