Os Portugueses no Leste da África

Artigo

Mark Cartwright
por , traduzido por Rogério Cardoso
publicado em 15 Julho 2021
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Disponível noutras línguas: Inglês, francês, espanhol

Os portugueses começaram a se interessar pelo leste da África no início do século XVI, à medida que o seu império se expandia para o Oriente, ao longo do Oceano Índico. O comércio na região já estava bem estabelecido e era movido por africanos, indianos e árabes. Os ataques contra as cidades comerciais da Costa Suaíli e contra o Reino de Monomotapa não trouxeram aos portugueses quaisquer benefícios tangíveis porque os comerciantes simplesmente emigraram para o norte. Consequentemente, os europeus decidiram concentrar-se na área que se tornaria a África Oriental Portuguesa (também conhecida como Moçambique) mais ao sul. Moçambique foi colonizada pelos portugueses que se integraram às comunidades locais, no interior do país, e continuou a ser uma colônia portuguesa até obter a sua independência em 1975.

A Costa Suaíli

A Costa Suaíli, localizada no litoral leste da África, foi uma região onde africanos, árabes e comerciantes muçulmanos se misturaram para criar uma identidade única a partir do século VIII, a chamada cultura suaíli. Suaíli é o nome de sua língua e significa "o povo costeiro". A costa prosperou do século XII ao XV graças à sua profusão de pequenas ilhas e portos naturais. 35 cidades comerciais independentes como Mombaça, Mogadíscio e Zanzibar estabeleceram lucrativos contatos comerciais com tribos africanas no interior e com outros estados ao longo do Oceano Índico, tanto na Arábia quanto na Índia, e até mesmo na China. Ouro, marfim, cascos de tartaruga, couros de animais e escravos vinham do interior da África para serem comercializados em troca de mercadorias asiáticas, como seda, pimenta, incenso, porcelana Ming, vidro, corais e joias.

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Fort Jesus, Mombasa
Forte Jesus de Mombaça
www.Shellsofafricasafaris.com (CC BY-SA)

Depois, nos anos derradeiros do século XV, os portugueses chegaram e desestabilizaram esse equilíbrio comercial centenário. O primeiro movimento importante nessa disputa imperial veio com a viagem de Vasco da Gama (c. 1469-1524) nos anos de 1498 e 1499. O explorador português havia audaciosamente contornado o Cabo da Boa Esperança e seguido para o norte, ladeando a costa africana, antes de navegar para o leste em direção à Índia. Ele, destarte, abriu uma rota marítima entre a Europa e a Índia, mas também havia notado os navios comerciais carregados de objetos valiosos que estavam ancorados nos portos suaílis da África.

Os portugueses tinham armas superiores, que foram usadas para causar devastação entre as cidades-estados suaílis.

A partir de 1502, os portugueses tencionavam intervir no comércio da região e logo começaram a afundar navios, a destruir cidades e a construir fortes para alcançar esse objetivo. Os portugueses tinham um objetivo secundário nesses ataques no leste da África, que era o de prejudicar o mundo islâmico de qualquer maneira possível. A Costa Suaíli era, em grande medida, uma área da África dominada por muçulmanos, conforme salientou o historiador P. Curtin: "A religião islâmica se tornou, ulteriormente, um dos elementos centrais da identidade suaíli. Ser um suaíli, nos séculos posteriores, significava ser um muçulmano" (125).

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Aqueles que seguiram na esteira de Vasco da Gama desejavam uma só coisa: o controle total da rede de comércio do Oceano Índico. Os portugueses tinham armas superiores, que foram usadas para causar devastação entre as cidades-estados suaílis, cujas rivalidades (por exemplo, entre os sultões de Melinde e Mombaça) os impediram de dar uma resposta unificada a essa nova e mortífera ameaça. Dominando a região com relativa facilidade, colonos e mercadores portugueses se estabeleceriam depois em vários pontos ao longo da Costa Suaíli, como em Melinde, Mombaça, Pemba, Sofala e Quíloa. Muitos comerciantes afora os portugueses continuaram as suas atividades comerciais também, pois os colonos lusos se aperceberam de que não poderiam policiar o Oceano Índico inteiro; logo, a cooperação mostrou-se mais lucrativa do que o confronto.

Swahili Coast Map
Mapa da Costa Suaíli
Walrasiad (CC BY)

Os portugueses fundaram colônias na Índia, com destaque para a Goa Portuguesa (1510), que se tornou a capital do Estado da Índia (isto é, o Império Português ao leste do Cabo da Boa Esperança). Os portugueses pretendiam obter o controle total de ambos os lados do Oceano Índico. Conforme outras colônias eram fundadas na Índia, a Costa Suaíli passou a ser sofrer repetidos ataques oriundos dessas bases. Já em 1505, a cidade de Quíloa foi bombardeada por canhões portugueses até transformar-se em ruínas e, depois de tomada, foi novamente fortificada. Fortes foram construídos ao longo da costa leste da África, nomeadamente em Sofala em 1505, na Ilha de Moçambique em 1507 e em Xama, em 1526.

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Em 1536, o porto de Massaua, no Reino da Abissínia (também conhecido como o Império Etíope), foi capturado. O soberano abissínio não estava tão preocupado com a perda porque ele havia adquirido armas de fogo dos europeus, que se mostraram úteis nas suas próprias batalhas contra forças rivais na região. Os portugueses ficaram maravilhados ao encontrarem a Abissínia, um reino cristão e, ao mesmo tempo, um aliado contra o que parecia ser uma África Oriental dominada pelo Islã. As coisas estavam indo bem no início quando, em 1543, os portugueses ajudaram os etíopes a derrotarem os exércitos de Ahmad ibn Ibrahim al-Ghazi (c. 1506-1543), líder do Sultanato de Adal, no norte. Infelizmente, os missionários jesuítas de Portugal e os sacerdotes coptas locais da Abissínia não se tornaram nem um pouco aliados, ocasionando uma guerra civil e a expulsão dos europeus.

Numa típica história de interferência colonial, o Reino de Monomotapa mergulhou num período de guerras civis.

Um erro muito mais grave na política externa de Portugal na região foi a total falta de interesse em estabelecer quaisquer acordos comerciais mutuamente benéficos com as cidades suaílis ou com os reinos africanos do interior. Os portos que os portugueses tinham sob seu domínio eram, em essência, meros pontos de coleta de mercadorias. Não se implementou nem mesmo uma forma perene de administração. Os portugueses queriam tão somente extrair tudo ou qualquer coisa de valor ao menor custo possível, preferencialmente a custo zero. Conforme a presença portuguesa crescia, mais agressiva era a sua postura contra os comerciantes rivais. Navios eram atacados e arrastados para fora da água, e bens comerciais eram confiscados. O resultado dessa política de pilhagem foi o deslocamento dos comerciantes para o norte, fazendo a Costa Suaíli entrar em grave declínio.

Monomotapa

Como os comerciantes haviam partido, a melhor opção que tinham os portugueses era encontrar os produtos diretamente na fonte. Para esse fim, em 1530, eles passaram a ter grande interesse pelo Reino de Monomotapa, situado bem mais ao sul (hoje no norte do Zimbábue e no sul da Zâmbia). Os povos xonas, falantes de línguas bantas e habitantes em Monomotapa (fundado por volta de 1450), haviam herdado a rede de comércio regional do seu predecessor, o Grande Zimbábue (c. 1100 - c. 1550). Os produtos vindos de Monomotapa, como o ouro e o marfim, eram comercializados com Sofala, um posto avançado sob o controle de Quíloa, a mais meridional cidade suaíli. A partir de 1530, os portugueses tentaram construir mercados (feiras) dentro de Monomotapa, mas a interferência deles nos assuntos locais, sobretudo as suas tentativas de espalhar o Cristianismo, os levou a entrar em conflito com os governantes da região. Numa típica história de interferência colonial, o reino mergulhou num período de guerras civis. Um pequeno número de proprietários de terra portugueses resistiu em fortes bem guarnecidos em Sena, Tete e Zumbo no vale do Zambeze.

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Shona Wooden Headrest
Encosto de madeira xona
The British Museum (Copyright)

Mais ao norte, os portugueses ainda estavam causando devastação ao longo da Costa Suaíli, explorando as rivalidades entre as cidades e capturando Mombaça em 1593. Um grande forte, o Forte Jesus, foi depois construído em Mombaça, que atuou como um quartel-general português na região. Em 1633, uma nova estratégia foi adotada em Monomotapa, e, com a ajuda dos colonos lusos que haviam se casado com mulheres locais, os portugueses assumiram o pleno controle do reino. Infelizmente, Monomotapa estava longe de ser tão rico em ouro como se esperava; não era a civilização inca nem a asteca, a quem os seus grandes rivais espanhóis estavam saqueando nas Américas.

O declínio do comércio no leste da África, a decepção ante as riquezas não existentes de Monomotapa e o mortífero problema das doenças tropicais fizeram com que a Coroa Portuguesa abandonasse as suas ambições na Costa Suaíli. Em vez disso, eles se concentraram na Ilha de Moçambique, localizada entre a Costa Suaíli ao norte e Monomotapa ao sul. Butua, outro reino xona, apoderou-se do que restava de Monomotapa em 1693.

O Moçambique Português

A área em que hoje fica Moçambique foi inicialmente habitada por povos falantes de línguas bantas, que haviam chegado ao local como parte da imigração banta do século I ao IV. O famoso marinheiro, explorador e mercador chinês, o almirante Zhèng Hé (também conhecido como Cheng Ho, c. 1371-1433), visitou Moçambique no primeiro quartel do século XV. Comerciantes árabes haviam se estabelecido na área no fim desse mesmo século. Depois, Vasco da Gama havia estacionado no local, em 1498, para reabastecer os seus navios, e com isso os portugueses, sem dúvidas, deixaram registrado o potencial colonial da costa. Os primeiros colonos portugueses chegaram à Ilha de Moçambique a partir de 1506 e criaram uma capitania, cujas terras foram divididas com vistas ao desenvolvimento. A Coroa controlava todo o comércio de entrada e saída de Moçambique, tornando-a uma colônia extremamente rentável. Em meados do século XVI, no entanto, descobriu-se que Moçambique não era tão rico em ouro como se esperava. Havia alguns negócios a serem feitos em nível local, para os quais o marfim seria uma potencial fonte de renda, mas ele se mostrou demasiado difícil de obter e demasiado volumoso para que se tornasse uma mercadoria lucrativa.

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Moçambique tornou-se parte do Estado da Índia em 1571. Nessa época, naus comerciais percorriam o Oceano Índico regularmente entre Moçambique e Goa como parte da rota conhecida por carreira da Índia. Bem como noutras colônias portuguesas, muitos imigrantes europeus eram indesejáveis (degredados), motivo pelo qual as autoridades os mandavam embarcar nas viagens a fim de livrar Portugal deles. Esses relutantes passageiros incluíam condenados, pedintes, prostitutas reformadas, órfãos e dissidentes religiosos. As cidades costeiras logo começaram a ter arquitetura europeia, especialmente casas de campo, igrejas e estradas pavimentadas. Entretanto, muitos portugueses adentraram na terra e se integraram às tribos locais, casando-se com mulheres nativas e adotando muitas vezes o estilo de vida e até mesmo a aparência dos moçambicanos. Desenvolveu-se um sistema conhecido como prazo, por meio do qual chefes tribais africanos concediam terra, mercadorias e direitos tributários aos portugueses e afro-portugueses - um acordo depois formalmente reconhecido pela Coroa Portuguesa. Em troca, o nomeado (um muzungo) tinha de assegurar o exercício da justiça no seu território, supervisionar rituais tradicionais e aprovar chefes de aldeias menores dentro de sua jurisdição. Para manter a sua posição, os muzungos tinham um exército privado de serventes (chicunda) que poderia contar com vários milhares de africanos. Em 1637, havia pelo menos 80 prazos, dos quais muitos atuavam de maneira independente da frouxa administração portuguesa na capital Maputo.

Portuguese Colonial Empire in the Age of Exploration
O Império Colonial Português na Era das Grandes Navegações
Simeon Netchev (CC BY-NC-SA)

Os holandeses atacaram muitas colônias portuguesas no início do século XVII, e Moçambique não escapou. A Companhia Holandesa das Índias Orientais lançou incursões em 1607 e 1608. Os portugueses tinham a esperança de cruzar o interior africano para criar um elo geográfico com a Angola Portuguesa, no outro lado da África, mas o avanço dos britânicos, partindo da África do Sul em direção ao norte, pôs fim a esse sonho. Notavelmente, tanto os britânicos quanto os holandeses tinham navios superiores aos dos portugueses, mas havia também a ameaça dos árabes omanis do Golfo Pérsico, que estavam determinados a manter o domínio das suas rotas comerciais no Mar Vermelho. Os omanis avançaram sobre a Costa Suaíli e capturaram a Mombaça portuguesa em 1698. Os portugueses a recapturaram por pouco tempo nos anos 1720s, mas, falando de maneira simples, o Império Português, um conjunto de portos mercantis que abrangia todo o globo, era demasiado extenso para manter terras pouco ocupadas e enviar tropas para defendê-las. Depois de outras vitórias omanis, os portugueses ficaram apenas com Moçambique como resultado de todos os seus esforços na costa leste da África.

A partir de 1752, Moçambique passou a ter uma administração separada do Estado da Índia e de Goa. O governador da colônia respondia agora diretamente a Lisboa. O comércio escravista cresceu em Moçambique em meados do século XVIII, devido à alta demanda por escravos para trabalharem nas plantações de açúcar francesas na Ilha da Reunião e nas Ilhas Maurício. No século XIX, houve uma crescente colonização do interior e uma crescente exploração por parte dos cientistas, uma vez que Moçambique se tornara uma colônia territorial plena, e não meramente uma faixa de fortalezas costeiras e estados interioranos desconexos.

Embora alguns mercadores privados tenham prosperado, a Coroa Portuguesa não obteve muitos ganhos com Moçambique, no fim das contas. A resistência local e a notória preferência dos migrantes portugueses por uma colônia como o Brasil fizeram com que a Coroa abandonasse o esforço de controlar mais diretamente a região e cedesse grandes porções dela a companhias privadas, para que estas a desenvolvessem a partir de 1891. Uma dessas companhias foi a Companhia do Niassa, que confiscou impiedosamente os excedentes agrícolas dos fazendeiros locais. Outra delas foi a Companhia de Moçambique, que capturou escravos para utilizá-los em plantações coloniais de açúcar. No fim do século XIX, a colônia tornou-se oficialmente a África Oriental Portuguesa.

Sem nenhuma surpresa, a falta de uma autoridade centralizada deu ao povo de Moçambique a esperança de que poderia lutar por sua liberdade. Uma grande revolta eclodiu em 1917, a revolta de Barué, e, no mesmo ano, tropas alemãs invadiram o norte do país. Os portugueses resistiram, e Moçambique tornou-se uma província ultramarina de Portugal em 1951. Um novo movimento independentista se iniciou em 1962, mas a autonomia perante o jugo colonial só foi finalmente obtida em 1975, após um longo período de políticas governamentais repressivas e combates de guerrilha. Depois, uma guerra civil devastou o país até 1992.

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Sobre o tradutor

Rogério Cardoso
Rogério Cardoso nasceu em Manaus, Brasil, onde inicialmente obteve um grau em Letras Portuguesas, e mais tarde se mudou para São Paulo, onde obteve um grau de mestre em Filologia Portuguesa. Ele é um entusiasta da História.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é autor, pesquisador, historiador e editor em tempo integral. Seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações compartilham. Ele possui mestrado em Filosofia Política e é diretor editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2021, Julho 15). Os Portugueses no Leste da África [The Portuguese in East Africa]. (R. Cardoso, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1798/os-portugueses-no-leste-da-africa/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "Os Portugueses no Leste da África." Traduzido por Rogério Cardoso. World History Encyclopedia. Última modificação Julho 15, 2021. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1798/os-portugueses-no-leste-da-africa/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "Os Portugueses no Leste da África." Traduzido por Rogério Cardoso. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 15 Jul 2021. Web. 28 Abr 2024.