A vida em uma plantação colonial de açúcar

Artigo

Mark Cartwright
por , traduzido por Pedro Lerbach
publicado em 06 Julho 2021
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Disponível noutras línguas: Inglês, catalão, francês, espanhol

Cultivar cana-de-açúcar podia ser um negócio bastante lucrativo, mas produzir o açúcar refinado era um processo de intenso trabalho. Por isso, os colonos europeus usaram escravos em suas plantações na África e na América, escravos quase sempre vindos da África. Se eles sobrevivessem às terríveis condições de transporte, ainda assim poderiam esperar uma vida dura trabalhando nas ilhas atlânticas, Caribe, América do Norte e Brasil.

O sistema de plantation foi primeiramente desenvolvido pelos portugueses nas suas ilhas atlânticas e depois transferido para o Brasil, começando com Pernambuco e São Vicente nos anos 1530. Com a maior parte da força de trabalho consistindo de trabalho escravo, as plantações de açúcar geraram fortunas para os proprietários que consegussem operar numa escala suficientemente grande, mas não era uma vida fácil para os pequenos proprietários, num território cheio de doenças tropicais, povos indígenas desejosos de reconquistar territórios e dos caprichos da agricultura pré-moderna. No entanto, o sistema plantation foi tão bem-sucedido que logo foi adotado por toda a América colonial e para muitas outras culturas, como tabaco e algodão.

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Slaves on an Antiguan Sugar Plantation
Escravos numa plantação de açúcar em Antígua
Thomas Hearne (CC BY-NC-SA)

Madeira e o sistema plantation

No século XV, foram os portugueses os primeiros a adaptar o sistema plantation para o cultivo da cana-de-açúcar (Saccharum officinarum) em larga escala. A ideia foi testada primeiro a partir da colonização da Madeira, em 1420. Madeira, um grupo de ilhas vulcânicas inabitadas no Atlântico Norte, tinha um solo rico e clima vantajoso para o cultivo da cana por todo o ano. A Coroa Portuguesa dividiu terras ou capitanias a nobres, de modo similar ao que era feito no sistema feudal europeu. Esses nobres, por sua vez, distribuíam partes da propriedade, chamadas sesmarias, aos seus seguidores, sob a condição de a terra ser limpada e usada para cultivar primeiro trigo e, após 1440, cana-de-açúcar. Uma porção da colheita era devolvida ao senhor da terra. O projeto era financiado por banqueiros genoveses, enquanto o conhecimento da técnica vinha de conselheiros sicilianos. Foi da Sicília que diversas variedades da cana-de-açúcar chegaram até a Madeira.

Até a metade do século XVI, o Brasil já havia se tornado o maior produtor de açúcar do mundo.

O açúcar da Madeira era exportado para Portugal, para mercadores em Flandres, Itália, Inglaterra, França, Grécia e até mesmo Constantinopla. Até a metade do século XV, os donos de plantações já sabiam que estavam em um bom negócio, mas seu grande problema era o trabalho. Consequentemente, importou-se escravos da África Ocidental, particularmente dos Reinos de Congo e Ndongo (Angola). A escala de tráfico humano era relativamente pequena, mas o modelo já estava estabelecido e seria copiado e aprimorado em outros lugares, seguindo a colonização portuguesa dos Açores (1439), Cabo Verde (1462) e São Tomé e Príncipe (1486).

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São Tomé e Príncipe foi a primeira colônia europeia e realmente desenvolver plantações de açúcar em larga escala que empregasse uma força de trabalho considerável de escravos africanos. O sistema foi então aplicado em escala ainda maior na nova colônia portuguesa, o Brasil, a partir dos anos 1530. Em poucas décadas o Brasil se tornaria o maior produtor mundial de açúcar. O mesmo sistema foi adotado por outras potências coloniais, notavelmente no Caribe. Como observa o historiador M. Newitt:

Aqui [São Tomé e Príncipe] foi desenvolvido o sistema de plantation, dependente do trabalho escravo, e foi estabelecida uma monocultura, o que fez com que os colonos importassem tudo o que precisavam, inclusive comida. São Tomé assumiu todas as características posteriormente tomadas pelas Pequenas Antilhas. Era uma ilha caribenha do lado errado do Atlântico (61).

Colonial Sugar Cane Manufacturing
Fabricação de cana-de-açúcar colonial
Unknown Artist (Public Domain)

O processo manufatureiro

A produção de cana-de-açúcar era um setor de trabalho intenso, tanto para o trabalho qualificado quanto para o não qualificado. Os campos tinham que ser limpados e queimados, com a cinza restante sendo usada como fertilizante. Às vezes a terra tinha que ser terraceada, embora isso não fosse algo comum no Brasil. As redes de irrigação tinham que ser construídas e mantidas limpas. Um grande número de plantadores e colhedores tinham que plantar, capinar e cortar a cana, que nas áreas mais férteis estava pronta para a colheita cinco ou seis meses após o plantio. Como a cana era plantada a cada mês numa parte da propriedade, a colheita era um processo contínuo na maior parte do ano, com períodos mais intensos, em que os escravos trabalhavam noite e dia. Os carros tinham que ser carregados e bois eram tratados para levar a cana até a casa-de-engenho. O açúcar tinha que ser então empacotado e carregado até o porto para embarcar.

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O açúcar refinado tinha que ser secado cuidadosamente para ficar tão branco e puro quanto os melhores mercadores exigiam.

Todas as tarefas acima podiam ser feitas por trabalhadores não qualificados e eram feitas em sua maior parte por escravos e, em menor parte, por assalariados. O verdadeiro problema era a produção do açúcar. Como observa o historiador A. R. Disney, "a produção de açúcar era uma das indústrias agricultoras mais complexas e tecnologicamente sofisticadas do início dos tempos modernos" (236).

O maquinário tinha que ser construído, operado e mantido para esmagar e processar a cana. Nas primeiras plantações, prensas manuais eram usadas para esmagar a cana, mas logo elas foram substituídas pelas movidas por animais, moinhos de vento, ou ainda mais frequentes, moinhos de água. Por isso, as plantações frequentemente se localizavam próximo a um ribeiro ou um rio. Para economizar no transporte, as plantações ficavam o mais perto possível de um porto ou de uma rota aquática mais ampla. Os proprietários que não conseguiam pagar por um engenho próprio usavam o daqueles de maior importância e pagavam uma porcentagem da colheita pelo privilégio. Um engenho precisava de algo em torno de 60 a 200 trabalhadores para ser operado. Ainda, as refinarias precisavam de grande quantidade de madeira para combustível das suas fornalhas, cujo provimento era mais um difícil trabalho para os escravos. Aqueles com a habilidade de operar e manter o maquinário nos engenhos de açúcar eram muito demandados, especialmente o chefe supervisor, o mestre de açúcar, que recebia um grande salário. Com o tempo, conforme as populações das colônias se desenvolviam, europeus mestiços da região, escravos libertados e às vezes até mesmo escravos eram empregados nessas posições técnicas.

Making Sugar Loaves
Fazendo Pães de Açúcar
The British Museum (CC BY-NC-SA)

A cana cortada era posta em rolos que alimentavam a máquina de esmagar. O suco da cana esmagada era fervido em grandes tanques ou caldeirões. O líquido era então despejado em grandes formas e deixados para secar cuidadosamente para ficar tão branco e puro quanto os melhores mercadores exigiam. Essa necessidade às vezes era um problema em climas tropicais. Açúcar de menor qualidade com cor amarronzada tendia a ser consumido na própria região ou só era usado em conservas e frutas cristalizadas. As sobras da cana resultantes de todo esse processo eram geralmente entregues para alimentar os porcos nas plantações.

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A vida de um escravo numa plantação

Era possível adquirir escravos na região, mas em lugares como o Brasil Português, escravizar ameríndios era proibido desde 1570. A maior parte dos escravos era embarcada na África, no caso daqueles destinados às colônias portuguesas, até um depósito como as ilhas de Cabo Verde. Aqui eles recebiam lições básicas de português e cristianismo, o que fazia deles mais valiosos caso sobrevivessem à viagem ao continente americano. Essas lições também apaziguavam a consciência dos mercadores, por crer que de algum modo estavam beneficiando os escravos ao dar-lhes a oportunidade do que consideravam ser a salvação eterna.

Nas plantações portuguesas, talvez um a cada três escravos era mulher, mas os proprietários ingleses e holandeses preferiam uma força de trabalho exclusivamente masculina.

O Brasil foi de longe o maior importador de escravos na América por todo o século XVII. Quando a produção açucareira do Brasil atingiu seu topo, de 1600 a 1625, 150.000 escravos africanos foram trazidos pelo Atlântico. Um a cada cinco escravos nunca sobrevivia às horrendas condições de transporte a bordo de navios apertados e imundos. A viagem ao Rio de Janeiro era uma das mais longas, levando 60 dias. Uma vez na plantação, seu tratamento dependia do proprietário, que pagava pelo transporte ou comprava o escravo em um leilão local. Não era raro que se chicoteasse os novatos apenas para mostrar, se já não tivessem percebido, que seus donos não tinham mais simpatia por sua situação do que pelo gado que possuíam. Os escravos eram então supervisionados por trabalhadores pagos, geralmente armados com chicotes. Uma torre de vigilância era um aspecto comum no cenário de várias plantações, para garantir que a rotina e as quantidades fossem mantidas e para vigiar contra ataques externos.

Os escravos tinham que aprender a língua local, como o crioulo do português no Brasil. Eles tipicamente viviam em unidades familiares, em vilas rudimentares nas plantações, onde sua liberdade de movimento era fortemente restringida. Em muitas colônias, havia caçadores de escravos profissionais que perseguiam aqueles escravos que tinham conseguido escapar da propriedade.

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Os escravos viviam em simples cabanas de barro ou madeira com pouco mais que uma esteira para dormir e apenas móveis rudimentares. Alguns proprietários permitiam casamentos entre escravos - formais ou informais - enquanto outros ativamente separavam casais. Um problema para todos os escravos homens era o fato de que havia muito mais deles do que mulheres vindas da África. Nas plantações portuguesas, talvez um a cada três escravos era mulher, mas os proprietários ingleses e holandeses preferiam uma força de trabalho exclusivamente masculina, se possível.

Escravos podiam plantar para subsistência aos fins de semana, em pequenos lotes de terra. A comida plantada pelos escravos incluía mandioca, batata doce, milho e feijão, com porcos sendo mantidos para dar carne ocasionalmente. A dieta não variava e era pensada para ser o mais barato possível para o dono. A falta de nutrição, duras condições de trabalho e surras e chicoteamentos regulares levava a uma expectativa de vida muito baixa, com uma taxa de mortalidade anual de ao menos 5%.

A vida de um proprietário de uma plantação

Os donos de plantações tinham obviamente uma vida muito melhor que os seus escravos e, se bem-sucedidos na gestão da propriedade, poderiam viver vidas muito superiores a qualquer coisa que esperassem na Europa. Com escravos domésticos e atendentes pessoais, os brancos europeus mais ricos podiam sustentar uma vida de conforto cercados das melhores coisas que o dinheiro pudesse comprar, como uma grande casa, as melhores roupas, móveis exóticos dos melhores materiais e obras de arte importadas de mestres flamengos. Com lucros apenas em torno de 10 a 15% para os proprietários, a maioria, no entanto, teria vivido mais modestamente e apenas os donos de propriedades muito grandes ou de várias propriedades viviam uma vida de luxo. Esse último grupo incluía aqueles que viviam em cidades e não em suas plantações, nobres que nunca nem mesmo visitaram a colônia e instituições religiosas. Também é verdade que, assim como em fazendas hoje, a maior parte dos lucros no setor açucareiro ia para os transportadores e mercadores, não para os produtores. Finalmente, os Estados impunham impostos sobre o açúcar. Em suma, a propriedade de uma plantação não era necessariamente o bilhete dourado para o sucesso.

Slavery in Brazil
A Escravidão no Brasil
Wilfredor (CC BY-SA)

Havia alguns graves problemas a serem enfrentados pelos proprietários. Havia o desafio de cultivar qualquer tipo de cultura em climas tropicais na era pré-moderna: exaustão do solo, danos por tempestades e perdas para pestes: insetos que perfuravam as raízes da cana-de-açúcar eram particularmente irritantes. Um grande desembolso de capital era necessário para o maquinário e para o trabalho, muitos meses antes que a primeira colheita pudesse ser vendida. Culturas de comida tinham que ser cultivadas para alimentar o pessoal pago, técnicos e a família do dono. Outra preocupação constante era doenças tropicais desconhecidas que frequentemente se provaram fatais aos colonos e, particularmente, aos recém-chegados. Todos esses fatores conspiravam para criar uma situação em que a propriedade das plantações mudasse com frequência.

Outro grande risco aos donos eram as rebeliões de escravos. Embora os escravos tivessem apenas ferramentas como armas em potencial, geralmente não havia uma presença militar centralizada para apoiar os proprietários, que frequentemente tinham que confiar na organização de suas próprias milícias. Havia muitas ocorrências de revoltas de escravos que resultavam na morte do dono, de sua família e de escravos que tivessem permanecidos leais a ele. Guerras com outros europeus era outra ameaça, uma vez que espanhóis, holandeses, britânicos, franceses e outros disputavam o controle das colônias do Novo Mundo e buscavam expandir seus interesses comerciais no mundo antigo.

Havia ainda povos indígenas que podiam ter sido submetidos pelas primeiras campanhas militares, mas permaneciam uma ameaça significativa aos assentamentos europeus em muitos lugares. Ao mesmo tempo, as populações da região tinham que ficar atentas a expedições regulares de caça a escravos em lugares como o Brasil, antes da prática ser proibida. O choque de culturas, a guerra, o trabalho missionário, doenças europeias e a destruição arbitrária de ecossistemas, em última instância, causaram a desintegração de muitas dessas sociedades indígenas. O açúcar e as pessoas que adquiriam seus lucros, como muitos setores econômicos de antes e desde então, causaram uma disrupção e destruição massivas, mudando para sempre tanto o povo como os lugares em que as plantações eram estabelecidas, geridas e muito frequentemente abandonadas.

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Sobre o tradutor

Pedro Lerbach
Pedro Lerbach é tradutor freelance. Estudou ciência política na Universidade de Brasília e fala português, inglês, espanhol e francês.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é autor, pesquisador, historiador e editor em tempo integral. Seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações compartilham. Ele possui mestrado em Filosofia Política e é diretor editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2021, Julho 06). A vida em uma plantação colonial de açúcar [Life on a Colonial Sugar Plantation]. (P. Lerbach, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1795/a-vida-em-uma-plantacao-colonial-de-acucar/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "A vida em uma plantação colonial de açúcar." Traduzido por Pedro Lerbach. World History Encyclopedia. Última modificação Julho 06, 2021. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1795/a-vida-em-uma-plantacao-colonial-de-acucar/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "A vida em uma plantação colonial de açúcar." Traduzido por Pedro Lerbach. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 06 Jul 2021. Web. 29 Abr 2024.