As Primeiras Migrações Humanas

Artigo

Emma Groeneveld
por , traduzido por Solange Maria Nóbrega Lavorini
publicado em 15 maio 2017
Disponível noutras línguas: Inglês, francês, espanhol
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Desconsiderando os lugares extremamente inóspitos que até mesmo os mais teimosos de nós com suficiente sensatez evitam, os humanos conseguiram percorrer uma vasta extensão territorial da Terra. Contudo, se retrocedermos 200 mil anos, veremos que o Homo sapiens era apenas uma espécie em evolução florescendo na África, ao passo que ancestrais conhecidos, tais como o Homo erectus e o Homo heidelbergensis já tinham viajado além da África para explorar partes da Eurásia, e espécies irmãs, como neandertais e denisovanos, também tinham caminhado por lá antes de nós. Enquanto isso, as revelações do Homo floresiensis, encontrado na Indonésia, e do Homo naledi, proveniente da África do Sul (que não parecem encaixar-se aos anteriores, modelos mais lineares), servem como excelente alerta de que a história das migrações humanas em todo o cenário pré-histórico está longe de ser simples.

Como, quando e por que as espécies Homo e a nossa própria espécie, Homo sapiens, começaram a se deslocar por todos os locais são tópicos grandemente debatidos. A história das primeiras migrações humanas cobre um intervalo de tempo e uma área tão grande que só pode haver uma explicação para todos esses grupos de caçadores-coletores aventureiros que vagavam por aí. Enquanto uma mudança no clima pode ter estimulado alguns grupos a procurar terras mais hospitaleiras, outros podem ter procurado por melhores fontes alimentares, evitado vizinhos hostis ou competitivos ou podem simplesmente ter sido indivíduos curiosos e ousados, ávidos por uma mudança de cenário. Esse quebra-cabeça é mais complicado pelo fato de existir apenas um registro fóssil altamente fragmentário (e não sabemos quão fragmentário ele é ou quais partes estão faltantes). Recentemente, o campo da genética tornou-se o centro das atenções ao analisar DNA antigo, adicionando novos elementos aos dados climáticos, geológicos e fósseis. Desse modo, com certo otimismo, talvez possamos tentar unificar uma história a partir dessas partes de conhecimento.

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Map of Homo Sapiens Migration
Mapa da Migração do Homo Sapiens
NordNordWest (Public Domain)

No entanto, essa história continuará mudando ao menos nos detalhes, mas talvez até exigindo revisões consideráveis, à medida que se descubram novos ossos, se encontrem ferramentas e se realizem estudos de DNA com maior exatidão. Aqui, se proporcionará uma visão geral baseada no que acreditamos saber agora, juntamente com uma discussão sobre as possíveis motivações que esses primeiros humanos podem ter tido para migrar de seus locais de origem até locais longínquos do globo.

Os Primeiros Aventureiros Transcontinentais

O Homo floresiensis, encontrado em Liang Bua, na Indonésia, pode descender de uma migração pregressa e ainda desconhecida oriunda da África.

Há milhões de anos, os hominídeos do Mioceno médio e tardio - entre os quais estavam os ancestrais da nossa espécie Homo, bem como os dos grandes primatas - já estavam presentes não apenas na África, mas também em partes da Eurásia. Nosso ramo desenvolveu-se na África: os australopitecos, nossos supostos ancestrais, viveram nas pradarias no leste e sul da África. Com toda certeza, os primeiros Homo encontrados fora da África parecem ser o Homo erectus, de aproximadamente 2 milhões de anos atrás, e, quando interpretado em sentido amplo (há alguma polêmica sobre quais fósseis deveriam ser incluídos na espécie), observa-se que se estabeleceu um padrão alto, abrangendo uma faixa geográfica impressionante.

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Entretanto, a espécie de difícil classificação Homo floresiensis (apelidada de 'hobbit'), encontrada em Liang Bua, na Indonésia, deve ser também mencionada; ela pode descender de uma migração pregressa (anterior ou não muito posterior ao Homo erectus) e ainda desconhecida proveniente da África. Enfim, estão surgindo indícios sobre migrações possivelmente precedentes ao Homo erectus. Atualmente, cinco ou seis sítios arqueológicos na Eurásia abarcam juntos um período de cerca de 2,6 a 2 milhões de anos atrás, apresentando ferramentas fabricadas por espécies ainda desconhecidas; descobertas recentes em Shangchen, ao sul do Platô de Loess, na China, por exemplo, indicam uma ocupação humana que remonta a 2,1 milhões de anos atrás. O paleoantropólogo John Hawks suspeita que 'havia muitos movimentos e dispersões saindo da África e retornando à África, iniciando muito antes de 2 milhões de anos atrás e se estendendo até anos mais recentes.' (Hawks, 12 de julho de 2018). O principal modelo adotado na atualidade, apontando o Erectus como os primeiros humanos que migraram da África através da Eurásia, não parece justificar todas as evidências que surgem hoje em dia. No entanto, visto que ainda não se dispõe de material suficiente para dar consistência a uma história mais complexa, o Homo erectus ainda deve desempenhar um papel de destaque na história das primeiras migrações humanas.

Aparecendo no leste da África em sítios arqueológicos como a Garganta de Olduvai, na Bacia de Turkana, no Quênia, a partir de aproximadamente 1,9 milhão de anos, o Homo erectus também é encontrado no sul e no norte da África. Em geral, considera-se que eles partiram da África por volta de 1,9 a 1,8 milhão de anos atrás, viajando pelo Oriente Médio e Cáucaso e em direção à Indonésia e à China, que alcançaram por volta de 1,7 a 1,6 milhão de anos atrás. O Homo erectus pode até mesmo ter enfrentado o frio costumeiro do norte da China em um período com temperaturas mais amenas, há cerca de 800 mil anos.

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A Equipe de Continuidade

O Homo erectus estabeleceu o tom para as primeiras migrações humanas de longo alcance e seus sucessores estenderiam ainda mais os limites. Acredita-se que, por volta de 700 mil anos atrás (e talvez 780 mil anos atrás), o Homo heidelbergensis tenha se desenvolvido a partir do Homo erectus, na África. Aliás, grupos diferentes delimitaram territórios no leste, sul e norte da África. Naturalmente, a migração também ocorreu dentro da própria África.

Dali em diante, um grupo particularmente vigoroso do Homo heidelbergensis espalhou-se por toda a Eurásia ocidental, atravessando as principais cadeias de montanhas da Europa em direção ao norte, até Inglaterra e Alemanha. Estamos falando da Europa da Idade do Gelo e, como resultado, esses humanos devem ter se deslocado em conformidade com o clima frequentemente variável. Eles enfrentaram com perfeição as condições mais frias da Europa, sendo capazes de sobreviver na extremidade sul da zona subártica, mas naturalmente evitando os mantos de gelo. As evidências de Pakefield e Happisburgh na Inglaterra, por exemplo, mostram que os primeiros humanos, por volta de 700 mil anos atrás, foram realmente capazes de alcançar o Norte quando o clima era mais temperado e provavelmente retornavam aos refúgios do sul durante os períodos mais frios.

Homo Heidelbergensis & Early Neanderthal Fossil Sites
Sítios de Fósseis de Homo Heidelbergensis & Primeiros Neandertais
Maximilian Dörrbecker (Chumwa) (CC BY-SA)

A mesma mobilidade e adaptabilidade foram necessárias pela espécie que se acredita ter evoluído a partir da porção eurasiana do homo Heidelbergensis – os neandertais, cujo principal local de origem considerado é a Europa. Eles se deslocaram para novos territórios e novas zonas climáticas até se encontrarem em todos os lugares desde a Espanha e o Mediterrâneo, pelo norte da Europa e da Rússia, no Oriente Próximo (Israel, Síria, Turquia, Iraque), até ao leste, como na Sibéria e Uzbequistão. Nesse extremo oriental, seu território se sobrepôs ligeiramente com o de uma outra espécie que também pode ter abrangido boa parte dessa área: os denisovanos. Essa espécie-irmã dos neandertais é identificada até o momento por apenas um osso do dedo e três dentes (de quatro indivíduos diferentes), que foram encontrados na Caverna Denisova, localizada nas Montanhas Altai, na Sibéria, mas evidências genéticas sugerem que os denisovanos podem ter vivido em uma faixa que compreendia da Sibéria até o sudeste da Ásia. Uma descoberta brilhante de 2012 ocorrida nessa caverna ilustra exatamente a proximidade de neandertais e denisovanos: um fragmento de osso longo foi ali desenterrado e os estudos mostram que ele pertencia a uma mulher de mãe neandertal e pai denisovano.

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O Homo Sapiens Se Espalha

Enquanto isso, o que denominamos Homo sapiens começa a emergir gradativamente, mais provavelmente a partir dos ancestrais Heidelbergensis, nos ricos territórios da África, tanto ao sul como ao leste da África, há pelo menos 200 mil anos. Em ambas as regiões, foram encontrados muitos sítios arqueológicos que mostram que bandos antigos de humanos anatomicamente modernos viveram ali com sucesso. No entanto, eles não foram os únicos; a descoberta em 2013 do Homo naledi na caverna Rising Star, na África do Sul, com fósseis datando de 236 mil a 335 mil anos atrás, acrescenta mais atores ao cenário africano. Cerca de 315 mil anos atrás, uma espécie com algumas características humanas modernas, mas também com algumas arcaicas - possivelmente tornando-a precursora do Sapiens ou de um ramo lateral relacionado - viveu em Jebel Irhoud, em Marrocos, norte da África. Além disso, evidências genéticas parecem sugerir que nossos ancestrais humanos modernos podem ter gozado da companhia de outros grupos antigos que se relacionaram com eles em graus variados. A história da evolução hominídea não é uma na qual espécies únicas sucederam uma a outra; ao contrário disso, ela foi um mosaico complexo de atores distintos, muitos deles possivelmente se entrecruzando e/ou se sobrepondo nos diferentes períodos de tempo.

A partir da África, membros do ramo relacionado a nós, humanos modernos, migraram de suas terras de origem para o Oriente Próximo, onde foram identificados túmulos de Homo sapiens datados de 90 mil a impressionantes 130 mil anos atrás, nos sítios arqueológicos de Skhul e Qafzeh, em Israel, respectivamente. Da mesma forma, o sítio arqueológico de Jebel Faya, nos Emirados Árabes, parece mostrar, pelas ferramentas ali encontradas, que o Homo sapiens pode ter migrado até ali também há 130 mil anos. Até mesmo as migrações anteriores não são exatamente improváveis, visto que foram descobertos fósseis que parecem ser de Homo sapiens (embora outras alternativas também tenham sido sugeridas) na caverna Misliya, em Israel, sendo recentemente datados de 180 mil anos atrás. Longe de ser uma grande e única migração de uma espécie para áreas distantes (o que não parece fazer muito sentido, de qualquer forma), parecem ter sido deslocamentos múltiplos de indivíduos aventureiros.

Um estudo recente revelou que alguns desses primeiros aventureiros alcançaram a ilha de Sumatra, na Indonésia Ocidental, entre 73 mil e 63 mil anos atrás; isso se encaixa perfeitamente com outra evidência que indica a chegada dos humanos ao interior do sudeste da Ásia um pouco antes de 60 mil anos atrás, para então seguir o recuo dos glaciares até o norte. Há novas evidências que situam os humanos no norte da Austrália há aproximadamente 65 mil anos, aparentemente resultando de uma migração anterior.

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Skhul Cave, Israel
Caverna Skhul, Israel
R Yeshurun (CC BY-SA)

Entretanto, essas primeiras incursões dos humanos modernos para além da África são ofuscadas por uma migração posterior. Cerca de 55 mil anos atrás, os humanos anatomicamente modernos que tiveram parte no que agora é visto como "onda principal" (ou ondas, mais provavelmente) fizeram um esforço que provou ter sido muito bem-sucedido. Números maiores do que antes espalharam-se rapidamente pela Eurásia e pelo resto do Velho Mundo, finalmente terminando por cobrir o globo. Os indivíduos envolvidos nesse recente evento de migração para fora da África parecem estar relacionados diretamente com quase todos os não africanos atuais, e como tais, acredita-se que eles substituíram ou absorveram a maior parte dos humanos que, nesse momento, já se encontravam em todos os cantos do mundo.

O Homo sapiens encontrou-se e acasalou-se com os neandertais, gerando uma ramificação que possivelmente migrou para a Europa por volta de 45 mil anos atrás.

Mas que rota foi tomada nessa grandiosa jornada? Considerando as possíveis vias de saída da África, o Egito é uma opção, mas outra é um percurso através dos corredores úmidos do Saara, pelo leste da África até o Levante. Uma vez fora, sabe-se pelas pesquisas genéticas que, no cenário do Oriente Próximo, os humanos encontraram-se e acasalaram-se com os neandertais (aliás, o que não ocorreu pela primeira vez: o contato físico entre eles remonta a pelo menos 100 mil anos), gerando uma ramificação que possivelmente migrou para a Europa por volta de 45 mil anos atrás.

Dentro da Europa, é certo que os humanos modernos se dispersaram rapidamente, como sugerem novas evidências quanto à sua possível primeira chegada ao sul da Espanha (por exemplo, na Caverna Bajondillo, em Málaga) há 43 mil anos. Em tal cenário de dispersão rápida e contínua por toda a Europa, o uso de corredores costeiros pode ter desempenhado um papel importante. O Homo sapiens prosseguiu em direção ao leste, talvez ao longo da faixa costeira, passando pela Índia e alcançando o sudeste da Ásia, onde pode ter se deparado com os prováveis denisovanos que ali residiam e ter se acasalado com eles (é claro que o cruzamento ocorreu em algum local, sendo que a localização mais provável parece ser a do sudeste da Ásia).

Tudo isso aparentemente ocorreu em velocidade recorde; já por volta de 53 mil anos atrás, os descendentes daquela principal onda originária da África alcançaram o norte da Austrália, chegando ao sul cerca de 41 mil anos atrás. No entanto, esse deslocamento não foi simples. Embora o nível do mar estivesse quase 100 metros mais baixo do que hoje, ainda havia uma quantidade de água ligeiramente imprópria - um trecho de quase 70 km - interpondo-se entre os primeiros Homo sapiens na Ásia e a massa de terra que incluía Austrália, Tasmânia e Nova Guiné. Em vez de tentar sobreviver a uma travessia a nado tão ambiciosa, é provável que eles tenham construído botes ou jangadas para essa arrojada jornada.

Enquanto isso, uma migração em direção ao norte do leste da Ásia poderia ter se iniciado há aproximadamente 40 mil anos, abrindo caminho para a Ponte Terrestre de Bering que, coberta por uma vegetação de estepe, foi um feliz efeito colateral da Era do Gelo que conectou a Ásia às Américas. Considera-se que os humanos atingiram a América por essa rota cerca de 15 mil anos atrás, expandindo-se para baixo ao longo da costa ou por um corredor interior livre de gelo, mas esse caso está longe de ser encerrado. Após isso, ainda havia alguns últimos redutos que permaneciam livres de humanos por um longo tempo, tal como Havaí, alcançado por canoas por volta de 100 d.C., e Nova Zelândia, que resistiu até aproximadamente 1000 d.C.

Possíveis forças propulsoras

A questão de a razão desses indivíduos pré-históricos decidirem partir e deslocar-se para outro lugar é um desafio, em especial se considerarmos que estamos analisando uma época que precede as fontes escritas. Em geral, a migração é vista como resultante de fatores de repulsão e atração, consequentemente temos um ponto de partida. Fatores de repulsão relacionam-se às circunstâncias que podem tornar a terra em que se vive em um lugar tão desagradável a ponto de abandoná-la em favor de algo novo. No tocante a essas primeiras migrações humanas, naturalmente 'a falta de trabalho' ou 'as terríveis circunstâncias políticas' não se aplicam. Em vez disso, considere fatos como o agravamento do clima (que transformou esses lugares em verdadeiros fornos ou congeladores onde mal se podia viver ou crescer), os desastres naturais, a competição com grupos vizinhos hostis, a escassez de alimentos e de outros recursos que poderiam manter uma quantidade de pessoas em uma certa área ou o deslocamento do seu tipo de alimento de maior mobilidade (rebanho de herbívoros).

Por outro lado, fatores de atração envolvem atrair novas possibilidades e recompensas. Em suma, são o lado mais favorável dos fatos mencionados na seção fatores de 'repulsão', tais como terras mais verdejantes, melhor clima e quantidades atraentes de alimentos e recursos. É certo que isso é simplificar as coisas, mas é difícil rastrear a combinação exata de fatores que levaram a cada instância específica das primeiras migrações humanas.

Há alguns pré-requisitos para empreender uma migração com êxito. Ela é estressante e perigosa. O Homo erectus, por exemplo, possivelmente não tinha a menor ideia do que encontraria quando partisse da África, sendo tal deslocamento um desafio à criatividade e à habilidade de adaptação do grupo. Uma tecnologia adequada pode ajudar a lidar com a mudança para um novo ambiente; nesse caso, eram as ferramentas para caça e coleta de animais e plantas locais ou o uso de roupas ou do fogo para proteção em áreas mais frias (os humanos conheciam o fogo há pelo menos 1,8 milhões de anos, mas não faziam um uso habitual provavelmente até 500 mil a 400 mil anos atrás). A inventividade e a cooperação na obtenção de novos recursos também ajudam.

Woolly mammoths
Mamutes lanudos
Charles R. Knight (Public Domain)

Com isso em mente, há alguns sinais relacionados ao clima que nos dão um olhar mais atento ao aspecto ambiental da migração. Os modelos climáticos têm sido usados para mostrar que os fluxos de água doce vinculados à instabilidade dos mantos de gelo no Atlântico Norte (denominados eventos Heinrich) poderiam causar mudanças repentinas no clima. Esses eventos certamente ocorreram ocasionalmente durante o último ciclo glacial e podem ter tornado grandes extensões do norte, leste e oeste da África inadequadas à ocupação humana, à medida que as condições tornaram-se muito áridas. Isso poderia ter sido um fator repulsor para que o Homo sapiens deixasse o continente africano.

Entretanto, havia um pequeno problema com o Saara, que se situava entre o Homo sapiens e uma possível saída. Outros estudos climáticos mostraram, todavia, que havia fases 'úmidas' ou 'verdes' durante as quais se haviam aberto corredores mais favoráveis que formaram rotas através do Saara, períodos que parecem coincidir com a maior dispersão de humanos partindo da África subsaariana (os intervalos úmidos identificados estão entre 50 mil e 45 mil anos atrás e entre 120 mil e 110 mil anos atrás). Um estudo recente mostrou que, embora a fase 'úmida' seja plausível para a primeira migração do Homo sapiens em direção ao Levante e à Arábia entre 120 mil e 90 mil anos atrás, durante o período da migração principal (por volta de 55 mil anos atrás), o Chifre da África estava realmente seco, árido e um pouco mais frio. Esse fato pode, então, ter contribuído para impulsionar a onda principal para fora.

Um outro exemplo em que o impacto do clima nas primeiras migrações humanas parece tornar-se visível, ocorreu ainda mais anteriormente. Há aproximadamente 870 mil anos, as temperaturas caíram e tanto o norte da África quanto o leste da Europa tornaram-se mais áridos que antes. Isso pode ter causado a migração de grandes herbívoros para refúgios no sul da Europa, seguidos pelos primeiros humanos. Ao mesmo tempo, o Vale do Pó, no norte da Itália, abriu-se pela primeira vez e formou uma rota para uma possível migração na direção do sul da França e mais além. Isso corresponde ao caminho trilhado pelo Homo heidelbergensis para a Europa. Enfim, seguir os rebanhos de grandes herbívoros teria sido uma boa estratégia no desafiador processo migratório, e um estudo de 2016 sugere que, pelo menos no início de sua dispersão, o Homo erectus também pode ter feito o mesmo, mantendo-se próximo aos depósitos de sílex e evitando áreas habitadas por muitos animais carnívoros.

Quaisquer que sejam as exatas forças propulsoras ou as exatas dificuldades pelas quais passaram os primeiros humanos em suas rotas, à medida que passava o tempo, a adaptabilidade reinava suprema e os humanos – iniciando com o Homo erectus e culminando na dispersão insaciável do Homo sapiens - espalharam-se por todo o mundo.

Pontos cegos

É óbvio que há muitas brechas nessa história, mas não há problema algum em nomear explicitamente alguns pontos cegos que devem ser considerados. Como um todo, as datas mencionadas acima são apenas nossas melhores estimativas com base em nossa interpretação dos dados que colhemos até agora. Abaixo relacionam-se algumas áreas nas quais a história pode ser detalhada um pouco mais, caso seja possível acessar mais evidências.

O que sabemos dos denisovanos, por exemplo, provém apenas do osso de um dedo e de três molares encontrados em uma caverna na Sibéria, e de seu DNA (seu genoma foi sequenciado em 2010), que pressupõe que seu alcance se estendia dali até o sudeste da Ásia. Adicionalmente, é possível que tenham cruzado com humanos arcaicos desconhecidos, o que comporia uma história própria. Fósseis desses humanos misteriosos seriam muito bem-vindos para entendermos melhor os aspectos de suas vidas e movimentos. Uma outra espécie enigmática é o Homo floresiensis. Como e quando exatamente eles chegaram à Ilha das Flores? Eles usaram, de alguma forma, embarcações nesse período tão precoce? Quem foram seus ancestrais? Maiores provas são necessárias para fechar essa questão.

Bering Land Bridge Natural Preserve
Reserva Natural Ponte Terrestre de Bering
NPS Photo (National Preserve Alaska) (Public Domain)

Uma outra área que mantém pesquisadores e cientistas entretidos são as Américas. A rota exata percorrida até as Américas e quando isso ocorreu são questões que ainda causam alguma polêmica. Embora as datas de chegada pareçam ter ocorrido na marca aproximada de 15 mil anos atrás (com muita discussão desnecessária sobre o número exato de milhares de anos), um estudo muito recente (Holen 2017) chega a afirmar que uma espécie humana ancestral já se encontrava presente na Califórnia há surpreendentes 130 mil anos, baseando-se no que os pesquisadores identificam como martelos e bigornas de pedra e defendendo que devem ter sido fabricados por humanos (apesar da ausência de fósseis humanos no sítio arqueológico).

É claro que são necessárias mais provas antes que esse fato possa reescrever a história atual referente às Américas, mas nos dá um bom exemplo do que poderia acontecer ao nosso entendimento atual sobre as primeiras migrações humanas à medida que surgem novas descobertas. Certamente ainda não se pode dar essa história como encerrada.

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Sobre o tradutor

Solange Maria Nóbrega Lavorini
Moro em Maringá, Paraná, Brasil. Sou formada em Tradução/Interpretação (ING-PT) e trabalho com traduções e revisões para plataformas de cursos/palestras online, tais como Coursera, TED Conference e, recentemente, a WHE.

Sobre o autor

Emma Groeneveld
Emma Groeneveld estudou História e História Antiga, com foco em tópicos como Heródoto e fatos políticos picantes de tribunais do passado. Desde a conclusão de seus estudos, em 2015, ela tem dedicado cada vez mais tempo a pré-história.

Citar este trabalho

Estilo APA

Groeneveld, E. (2017, maio 15). As Primeiras Migrações Humanas [Early Human Migration]. (S. M. N. Lavorini, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1070/as-primeiras-migracoes-humanas/

Estilo Chicago

Groeneveld, Emma. "As Primeiras Migrações Humanas." Traduzido por Solange Maria Nóbrega Lavorini. World History Encyclopedia. Última modificação maio 15, 2017. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1070/as-primeiras-migracoes-humanas/.

Estilo MLA

Groeneveld, Emma. "As Primeiras Migrações Humanas." Traduzido por Solange Maria Nóbrega Lavorini. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 15 mai 2017. Web. 10 out 2024.