
Goa, uma pequena área costeira situada na costa litoral oeste na Índia conquistada por Afonso de Albuquerque (1453-1515), foi uma colónia portuguesa de 1510 a 1961, um importante centro mercantil do comércio das especiarias orientais e a capital do Império português a este do Cabo da Boa Esperança por 450 anos.
Goa era a sede do Vice-Rei do Estado Português na Índia e de cujo porto partiam as naus para todo o Império da Áfria Oriental até ao Japão levando cavalos, especiarias, escravos e outros bens que pudessem ser comercializados noutros portos asiáticos ou enviados para Lisboa. A população de Goa era composta minoritariamente por europeus, um grande número de euro-asiáticos e maioritariamente por agricultores hindus. A cidade, presentemente conhecida como Velha Goa deslocou-se 10 km (6.2 mi) para este no século XVII e tornou-se conhecida como Nova Goa (ou Panaji, e nos dias de hoje Pangim). Tal como o resto do império, a cidade caiu em desgraça com os ataques dos holandeses e dos ingleses que restringuiu severamente o comércio e as receitas portuguesas. Goa tornou-se independente em 1961 e tornou-se um Estado dentro da República da Índia em 1987.
O Império Português
A Coroa portuguesa colonizou com sucesso três arquipélagos desabitatos no Atlântico ao longo da costa oeste de África: a Madeia (1420), os Açores (1439) e Cabo Verde (1462). Foram a pedra basilar numa série de explorações marítimas, alejando chegar à parte oriental de África e que ultimou no Caminho Marítmo para a Índia.
Em 1407-1409, o navegador Vasco da Gama dobrou o Cabo da Boa Esperança no Sul de África, navegou ao longo da costa africana oriental e entra no Oceano Índico e aporta em Calecute (presentemente Kozhikode), na costa sudoeste da Índia. Descobriu a rota direta de navegação entre a Europa e a Ásia, e podia-se desta forma suplantar as rotas terrestes e marítimas do Médio Oriente controladas pelos Estados Islâmicos. Alemejava-se que houvesse reinos cristãos na Ásia que pudessem ser aliados nas batalhas contra os califados islámicos. Outra razão para a colonização era o encontrar novos recursos de bens preciosos como o ouro, obter novas terras agrícolas, e prestígio para a Coroa e os que navegavam em alto mar.
Muitas mais e maiores expedições se seguiram a de Vasco da Gama, na tentativa portuguesa de monopolizar o comércio das especiarias orientiais que posperava há séculos ao longo da Ásia. Parcialmente bem sucedidos neste empreendimento durante a primeira metade do sécuo XVI graças à sua superioridade naval e bélica, os europeus primeiramente usaram Cochim Portuguesa (presentemente Kochi) como base e depois, mais abaixo na costa a não tão amiga Calecute. Desde a costa oriental da Índia os portuguesa navegaram para este.
Francisco Serrão navegou para as Ilhas das Especiarias (também conhecidas por As Molucas/ Ilhas Molucas) em 1512 e Fernão de Magalhães (1480-1521) fez a primeira circumnavegação do mundo em 1519-1520. Depressa se fez um colar com as pérolas mais lustrosas com as colónias: Malaca na Malásia, Colombo no Sri Lanka, Macau na China, e Nagasaki no Japão. Primeiro Cochim seguido de Goa como os primeiros centros para este multifacetado império de entrepostos e feitorias. Em 1505, D. Manuel I (r. 1495-1521) nomeou como Primeiro Vice-Rei da Índia Francisco d’Almeida; o intuito de que os portugueses pudessem controlar a Ásia era ambicioso, mas para todos os efeitos a intenção estava lá, e não era só colonizar terras ou pessoas, era monopolizar o comércio.
A Tomada Europeia
Na segunda metade do século XV, Goa era um porto com uma história turbulenta: inicialmente, era parte do Império Hindu Vijayanagara e, após a conquista de 1472, tornou-se parte do Sultanato Muçulmano Bahmani. Pouco antes da chegada dos portugueses, o Sultanato Bahmani encontrava-se dividido em vários estados sucessores, e o estado que então governava Goa era Bijapur. Em 1510, a cidade foi conquistada dos governantes locais aquando da tomada do porto por uma força liderada por Afonso de Albuquerque, vice-rei (1509-1515), que obtivera informações valiosas sobre o inimigo graças à ajuda do aventureiro hindu Timmayya (também conhecido como Timoja). Os muçulmanos contra-atacaram e recapturaram a cidade em três meses, mas Afonso de Albuquerque regressou com uma grande armada de guerra conquistando Goa pela segunda vez. Desta vez, foi para sempre, contudo milhares de civis morreram no conflito. Não há nas fontes indianas documentação detalhada sobre a visão do lado indiano destes eventos e da vida de Goa nos séculos subsequentes; os europeus são esporadicamente mencionados nos registros históricos locais, mas geralmente apenas para comentar sobre roupagem e os comportamentos exóticos.
A Geografia
De forma a assegurar a manutenção do prémio, edificam um forte acrescido por uma posição estratégica comercial entre Gujarat, ao norte, e a Costa Malabar, ao sul. Na verdade, a área controlada pelos portugueses era um conjunto de ilhas situadas no labirinto de vias navegáveis criadas pelo escoamento dos rios Tissuari e Zuari, que facilitavam a defesa contra ataques vindos do interior. Havia dois bons portos de águas profundas, contudo um deles não era operacional durante a estação das monções (junho a setembro). Embora houvesse algumas terras aráveis, o contato com o interior, ainda controlado por Bijapur, era limitado e, durante a maior parte, enquanto colónia, esteve sempre dependente de alimentos importados.
A Sociedade
Desconhece-se qualquer informação sobre a população de Goa antes da conquista europeia; as primeiras centenas de colonos portugueses, ao longo das décadas seguintes, transformaram-se numa população de quase 2.000 famílias, que incluíam europeus e famílias mistas europeu-indígenas. Em meados do século XVI, havia cerca de 4.000 portugueses (e outros colonos europeus, como italianos, franceses, ingleses e flamengos); 10.000 indianos cristãos convertidos e pelo menos 50.000 indianos, maioritariamente hindus. Por volta de 1600, a população era de cerca de 75.000 e, na década de 1630, talvez 250.000. Em termos comparativos, no início do século XVII a cidade de Deli tinha uma população de cerca de 500.000 e Lisboa de cerca de 100.000. Goa poderia ter sido ainda maior, não fosse a alta taxa de mortalidade dos estrangeiros devido a doenças como a cólera e a malária.
A cidade era muito semelhante a qualquer outra na Índia sob domínio português, com uma muralha defensiva circundante, uma fortaleza, a residência do governador, mercados, os bairros dividos por religião e ocupação, um labirinto de pequenas ruas sinuosas e uma rua ampla, a Rua Direita. Tanto as Igrejas como os outros edíficos foram construídos ao estilo europeu, apesar dos que existem datem do século XVII. Se inicialmente, se realizavam festivais religiosos cristãos e hindus, a intolerância religiosa cresce a partir de 1540, e em 1560 importa-se a Inquisição. Consequentemente, houve a destruição de templos e a proibição de todas as cerimónias hindus, incluindo casamentos e cremações, bem como certas roupagens e alimentos tradicionais. Não é de estranhar que o sucesso na conversão da população ao cristianismo tenha sido limitado. As Reformas e o fim da Inquisição em 1774 trouxeram uma atitude mais tolerante em relação aos não-cristãos, uma política impulsionada em grande parte pela expansão territorial de Goa em meados do século XVIII, que trouxe muitos mais hindus para o governo da cidade.
Na senda da conversão havia uma presença significativa de organizações cristãs: cerca de 70 igrejas e um grande número de mosteiros e conventos. Os jesuítas criaram uma fundação educacional, o maior colégio deste tipo na Ásia, e dirigiam o hospital real (embora a taxa de mortalidade fosse assustadora). A irmandade da Misericórdia também tinha uma filial que oferecia alguns serviços essenciais de bem-estar social.
Como se pode imaginar, numa colónia, os europeus tinham o estatuto mais elevado e a ostentação social era comummente alcançada através de roupas extravagantes e do número de criados e homens armados que o acompanhavam. Os europeus dividiam-se em três classes: europeus, europeus nascidos nas colónias e europeus-mestiços. Além disto, havia as outras quatro classes baseadas na filiação à nobreza, clero, exército e todos os outros (subdivididos em casados e solteiros). Igualmente, havia os europeus visitantes, como comerciantes marítimos, e mercadores muçulmanos de outros portos do Oceano Índico e além.
O nível imediatamente abaixo dos europeus era composto pelas pessoas locais que tinham abraçado o cristianismo, seguidos por todos os outros, ou seja, a maioria da população que era principalmente hindu e falava canarim, e que tinha a sua própria estrutura social secular, encimada pelos brâmanes; e outro grupo significativo fora da estrutura social europeia eram os comerciantes de Guzerate.
Os grupo interagiam: havia casamentos inter-raciais como mencionado (dado haver poucas mulheres europeias em Goa), bem como na vida quotidiana, onde médicos hindus eram empregados por colonos, mulheres locais eram concubinas dos europeus e os artistas locais eram contratados para pintar cenas religiosas no interior das igrejas ou mesmo retratar oficialmente os vice-reis. No entanto, não há dúvida de que, tal como noutras colónias europeias, os europeus brancos puros detinham o poder real em Goa, mesmo que, de muitas maneiras, a vida nas aldeias continuasse como o era há séculos. Na base da sociedade estavam os escravos, a maioria dos quais vindos de Moçambique, um símbolo de estatuto para os colonos europeus, em que os mais ricos tinham até 300, enquanto um típico artesão poderia ter 20.
A Capital das Índias Portuguesas
Em 1530, 20 anos após a sua fundação, Goa substituiu Cochim Português como a capital administrativa tanto da Índia Portuguesa como do Estado da Índia, ou seja (no seu sentido mais lato) todas as colónias portuguesas a leste do Cabo da Boa Esperança. Os funcionários da África Oriental e do Japão controlados pelos portugueses, por exemplo, recebiam ordens do vice-rei de Goa. No século XVII, Goa, juntamente com um punhado de outras colónias, foi autorizada a enviar representantes para se sentarem nas Cortes em Portugal.
Em Goa, o vice-rei era efetivamente o governador civil e militar do Estado da Índia, e, em teoria, respondia apenas perante o rei. Os assuntos religiosos eram dirigidos por um bispo sediado em Goa (a partir de 1538, e depois de 1560 por um arcebispo), com a primeira catedral construída em 1539, e a enorme Catedral de Santa Catarina construída entre 1562 e a década de 1630. Os assuntos legais eram da responsabilidade de um Tribunal Superior com o português como língua oficial, sendo as leis do estilo europeu aplicadas apenas às populações europeias ou mestiças, e aos cidadãos hindus eram aplicadas os mecanismos legais tradicionais. Como quase sempre, as aldeias locais eram deixadas para se auto-governarem na maioria dos assuntos.
Residindo na fortaleza, um capitão liderava a força militar de Goa de cerca de 500 homens em certas épocas do ano. Um feitor era responsável pelo comércio real e pela cobrança das lucrativas taxas alfandegárias de outros tipos de comércio. O vice-rei era auxiliado por um conselho governante, mas na primeira metade do século XVI, este era um órgão informal convocado sempre que o vice-rei precisava de conselhos específicos, e a composição variava dependendo da experiência necessária. Somente a partir de 1604 seria formado um Conselho de Estado formal: cada colónia portuguesa, incluindo Goa, tinha o seu próprio conselho local, que era eleito pelos cidadãos portugueses e eurasiáticos do assentamento europeu. Finalmente, Goa tinha a sua própria casa da moeda e foi a primeira colónia portuguesa a cunhar as próprias moedas de prata
O Comércio de e para Goa
Goa era o coração do Império Português no Oriente, e os cais recebiam mercadorias de todos os tipos, especialmente as preciosas especiarias como a pimenta, o gengibre, o cravinho, a noz-moscada e a canela, muito procuradas na Europa que alcançavam elevados preços. Mercadorias trocadas por especiarias da Índia, Sri Lanka, Indonésia e Sudeste Asiático incluíam produtos de algodão fabricados na Índia, alimentos secos e cobre. Dentro da Ásia, as especiarias e as outras mercadorias eram novamente trocadas por ouro, prata, tecidos finos e arroz. Navios licenciados pela Coroa portuguesa realizavam o transporte de mercadorias entre Goa e Lisboa, Goa e Macau Português, Goa e Nagasaki Português, e Goa e Moçambique Português.
Os cavalos do Golfo Pérsico, cerca de 1.000 por ano no auge do comércio em meados do século XVI e destinados principalmente aos sultões do Decão, no sul da Índia, foram outras das mercadorias comerciais importantes. O comércio equino era tão importante e lucrativo para Goa que os navios que traziam dez ou mais cavalos árabes recebiam isenção de taxas alfandegárias sobre o restante da carga, e mesmo uma carga de cinco cavalos garantia algumas reduções tarifárias. Goa era também o principal centro da região para diamantes, que vinham do sul da Índia, uma posição que manteria até ao século XVIII e à ascensão de Madras (agora Chennai), controlada pelos britânicos, na costa oriental da Índia.
Os portugueses tentaram impor um monopólio no comércio no Oceano Índico, particularmente nas especiarias. Comerciantes apanhados sem Cartaz (licença) emitido por Portugal eram presos e os navios e cargas apreendidos; muitos comerciantes muçulmanos eram executados. Aqueles que tinham permissão para comercializar, muitas vezes, só podiam fazê-lo de forma restrita, como negociar apenas uma especiaria e em quantidades limitadas. Frequentemente, o Cartaz era válido apenas para dois portos. As taxas alfandegárias tinham então de ser pagas no porto de destino. Para limitar o comércio ilegal, os navios eram frequentemente obrigados a navegar em comboios navais e protegidas pelos portugueses (as cáfilas), e apenas para portos selecionados, como Goa. Consequentemente, as taxas alfandegárias representavam cerca de 60% da receita total portuguesa no Oriente.
As Ameaças das Outras Potências
No século XVII as relações com o Sultanato de Bijapur eram amistáveis ou mesmo neutras, com o cuidado do lado português em manter um poder bélico tecnologicamente avançado. Em 1620, para assegurar o segredo da arte, o Vice-Rei de Goa mandou matar um forjador de canhões quando este tentou vender o seu conhecimento da arte ao sultão.
Desde o início do século XVII que outras potências europeias desejavam envolver-se directamente no comércio dos bens do Oriente, especialmente os venezianos e os holandeses – que chegaram ao Sul da Ásia em 1596 e, que, de uma forma cadenciada tomaram vários centros de comércio aos portugueses: Malaca em 1641, Colombo em 1656; e após quatro anos de cerco, Cochim em 1663. Os ataques holandeses a Goa foram repelidos em 1603 e 1610, e mesmo com o bloqueio às ilhas de 1638 a 1644 Goa manteve-se portuguesa.
Portugal lutava para conseguir patrulhar o vasto império e muitas das fortalezas estavam com falta de manutenção, tornando-se alvos fáceis. Entre 1640 e 1668, Portugal travou uma dispendiosa guerra com Espanha e os holandeses atacaram a costa brasileira, cuja derrota os fez regressar ao Oriente e bloquear Goa, pela segunda vez, de 1656 a 1663, altura em que ambos países europeus assinaram um tratado de paz. Por esta altura, além de Goa, Portugal somente possuia cinco fortalezas na Índia. Goa conseguiu manter-se já que as provisões chegavam de barcos pequenos vindas ao longo da costa. Controlando o centro-ocidental da Índia em redor de Goa, os Maratas passaram a ser uma ameaça a Portugal apartir dos meados do século XVII, tendo atacado directamente Goa em 1698 e exercendo uma forte oposição ao comécio português.
O comércio na Goa portuguesa nunca recuperou a sua antiga glória: as rotas terrestes e marítimas dos países do Médio Oriente intensificam a competição no comércio de bens para a Europa, além de que os holandeses e os ingleses formaram companhias comerciais na Ásia altamente eficientes. Todos estes fatores contribuiram para a diminuição das receitas provenientes das colónias portuguesas. O local, desginado por Velha Goa caiu em declínio e, consequentemente, abandonado; tendo sido edificada uma nova localidade a 10 km para este, designada Nova Goa (Pangim), que prosperou e tornou-se a capital do Estado da Índia em 1827. Ao que tudo indica, esta mudança deveu-se à má qualidade da água local que casou um intolerável aumento no já elevado nível de mortos por cólera e a malária.
O novo local não estava isento de problemas, e durante as Guerras Napoleónicas foi ocupado pelos ingleses de 1799 a 1815 – dado os ingleses estarem preocupados de que a França pudesse ficar com o porto; no fim da guerra fizeram uma oferta ao governo português para o comprar, mas foi recusada. Nesta altura, Goa era uma colónia estagnada sendo notícia quando havia motins pedindo leis de igualdade racial ou devido às mal sucedidas e mal feitas tentativas de alguns governadores de imporem a língua portuguesa em detrimento da língua canarim. Em meados do século XX, Portugal fez uma última tentativa de deitar a mão aos recursos goeses, como a extração dos minérios: ferro e manganésio, que estava em desenvolvimento, mas nenhuma destas novas riquesas ficou nas mãos dos comuns. Por fim, em 1961, no rescaldo de uma década de pressão diplomática para uma Índia independente, Goa foi ocupada, sem grande resistência, pelo exército indiano. Finalmente, chegou ao fim a governação portuguesa, que tinha sobrevivido à maioria das outras potências coloniais na região. Em março de 1962, Goa foi formalmente incorporada na União Indiana e em 1987 tornou-se um dos estados mais pequenos da Índia. Poucos vestígios permanecem da presença portuguesa em Goa em termos arquitectónicos, exceto por umas igrejas e dois grandes edifícios: a Catedral de Santa Catarina e a Basílica do Bom Jesus.