
O Império de Axum (ou Aksum) africano localizava-se na extremidade setentrional do planalto costeiro do Mar Vermelho, logo acima do chifre da África. Fundado no século I d.C., floresceu do século III até o século VI, subsistindo então como uma entidade política bem menor até o século VIII.
O território controlado por Axum ocupava uma área abrangida pela Etiópia, Eritreia, Djibuti, Somália e Somalilândia. Prosperando graças à agricultura, criação de gado e controle sobre rotas comerciais que trocavam ouro e marfim por artigos de luxo estrangeiros, o reino e sua capital, Axum, construíram monumentos de pedra duradouros e alcançaram vários feitos pioneiros. Foi o primeiro estado da África Subsaariana a cunhar sua própria moeda e, por volta de 350 d.C., o primeiro a adotar oficialmente o cristianismo. Axum até criou seu próprio sistema de escrita, chamado Ge'ez, ainda em uso na Etiópia. O império caiu em declínio a partir do século VII, devido à concorrência crescente dos mercadores árabes muçulmanos e a ascensão de povos rivais, como os bejas. Após sobreviver como um território muito menor, ao sul, os remanescentes do outrora grandioso império de Axum eventualmente ascenderiam novamente para formar o grande reino da Abissínia, no século XIII.
Nome e Fundação
O nome Axum, ou Akshum, como às vezes é chamado, pode derivar de uma combinação de duas palavras das línguas locais - a palavra Agew para água e a palavra Ge'ez para oficial, Shum. A referência de água deve-se provavelmente à presença de grandes cisternas de rocha antiga na área da capital em Axum.
A região foi certamente ocupada por comunidades agrárias, similares em termos de cultura às da Arábia meridional, desde a Idade da Pedra, mas o antigo império de Axum começou a prosperar a partir do século I d.C., graças às ricas terras agrícolas, às confiáveis chuvas de monções do verão e o controle do comércio regional. A rede de comércio incluía relações com o Egito, ao norte e, a leste, ao longo da costa africana e o sul da Arábia. Trigo, cevada, painço e teff (um grão de alto rendimento) vinham sendo cultivados com sucesso na região pelo menos desde o primeiro milênio a.C., enquanto a criação de gado remonta ao segundo milênio a.C., uma iniciativa favorecida pela vasta savana do planalto etíope. Criavam-se também cabras e ovelhas, com a vantagem adicional da ausência das doenças parasitárias tropicais que assolavam outras regiões da África Subsaariana. A riqueza adquirida através do comércio e do poderio militar somou-se a esta próspera base agrícola e, assim, ao final do século I d.C., um rei único substituiu a confederações de chefias tribais e forjou um reino unido, que dominaria os planaltos etíopes pelos próximos seis séculos. Surgiu então o império de Axum, um dos maiores do mundo em sua época.
Expansão
O Império de Axum começou realmente a decolar por volta de 350 d.C.. Os axumitas já haviam estabelecido alguma forma de domínio sobre o Iêmen (então chamado de Himyar), na Arábia meridional, bem como na Somália, no sudeste, e sobre várias tribos menores no sudoeste. As tribos subjugadas, embora com caráter semiautônomo, precisavam pagar tributos, tipicamente na forma de centenas de cabeças de gado (conforme indicado por inscrições axumitas). Isso deve ter dado uma ligeira justificativa para os governantes de Axum, que passaram a se chamar pelo título bastante grandioso de Negusa Negast, ou "rei dos reis". Não temos detalhes sobre o sistema de governo adotado e como esse monarca absoluto controlava as tribos conquistadas ao longo dos séculos, mas o título "rei dos reis" sugere que os governantes conquistados tinham permissão para continuar a reinar.
Em meados do século IV d.C., a Núbia (anteriormente conhecida como Reino de Cuxe e situada no moderno Sudão), com sua capital em Meroe, atacou Axum pelo norte (ou vice-versa), talvez devido a disputas sobre o controle do comércio regional de marfim. A rei axumita Ezana I (reinado cerca de 303-350 d.C.) retaliou com um grande exército, saqueando Meroe. A outrora poderosa Núbia, já em sério declínio e enfraquecida pela superpopulação, pastoreio excessivo e desmatamento, não demorou a ser derrubada e dividida em três estados separados: Faras, Dongola e Soba. Este colapso deixou o caminho livre para o domínio de Axum sobre a região.
Outro período de grande expansão ocorreu durante o reinado de Kaleb I, no primeiro quartel do século VI. O império passou a ocupar uma área de 300 quilômetros de comprimento e 160 de largura, não tão extenso em área, talvez, mas a questão-chave estava no controle do comércio de mercadorias, não na geografia. Os governantes também adotaram uma atitude imperialista ao longo do Mar Vermelho, no Iêmen, num esforço para controlar completamente o tráfego de navios mercantes que navegavam pelo Estreito de Bab-el-Mandeb, uma das rotas marítimas mais movimentadas do mundo antigo. O Iêmen sofreu vários ataques nos séculos III e IV d.C., mas somente no século VI houve uma escalada nas ambições axumitas. O rei do Iêmen, Yusuf As'ar Yathar, vinha perseguindo cristãos desde 523 d.C. e Kaleb, que governava um estado cristão, respondeu enviando uma força militar ao país por volta de 525 d.C.. Esta invasão recebeu apoio do Império Bizantino, com o qual Axum estabelecera laços diplomáticos há bastante tempo (os estudiosos não estão de acordo se este apoio foi meramente diplomático ou teve caráter material). Vitorioso, o rei axumita conseguiu deixar uma guarnição substancial e nomear um vice-rei, que governou a região até a chegada do Império Sassânida, em 570 d.C..
A Capital Axum
A antiga cidade de Axum (por vezes chamada de Axumis) está situada a mais de 2.000 metros de altitude, ao norte dos planaltos etíopes (na moderna província de Tigray, próxima ao Rio Tekeze, um tributário do Rio Nilo. Ocupada desde o século I d.C., a cidade sediava o centro comercial e cerimonial do império e ostentava vários monumentos em pedra. Alguns destes monumentos são muito similares aos obeliscos egípcios, ainda que, curiosamente, o granito seja algumas vezes trabalhado para se assemelhar às características arquitetônicas dos prédios axumitas de pedra solta e madeira. Muitas destas estelas têm cerca de 24 metros de altura, embora uma delas, atualmente caída e partida, alcance 33 metros de altura e peso de 520 toneladas, tornando-a o maior monólito transportado na Antiguidade. Provavelmente, as estelas eram transportadas em rolos de madeira de uma pedreira situada a 4,8 km de distância. Usadas quase que exclusivamente como marcadores de túmulos, muitos obeliscos possuem um trono de pedra esculpida próximo a eles, com frequência cobertos de inscrições.
Outros remanescentes de estruturas de pedra incluem três prédios parecidos com palácios, com restos de torres e contendo porões com pilares de pedra; túmulos reais com paredes maciças, criando câmaras separadas; cisternas e canais de irrigação; e outros edifícios de dois ou três andares, usados como residência pelas elites de Axum. A maioria das estruturas de grande porte foi construída com uma base de granito escalonada, composta por blocos revestidos, com acesso proporcionado por escadarias monumentais, geralmente com sete degraus. Gárgulas com cabeça de leão serviam para a drenagem dos telhados.
As estruturas de pedra usavam argila em vez de argamassa, obtendo um efeito decorativo graças aos blocos salientes e rebaixados. Empregava-se a madeira entre as camadas de pedra para apoio horizontal em paredes, portas, caixilhos de janelas, pisos, telhados e nos cantos do teto, proporcionando suporte estrutural adicional. A decoração de muitos dos edifícios em Axum e os temas usados na arte axumita em geral, como os símbolos astrais de disco e crescente, são evidências de influência das culturas do sul da Arábia, do outro lado do Mar Vermelho (embora a influência possa ter sido na direção oposta). A capital também possuía setores dedicados às oficinas de artesanato e, a partir do final do século IV d.C., várias igrejas.
Comércio
O ouro (adquirido dos territórios meridionais sob controle do império ou pelos espólios de guerra) e o marfim (do interior da África) eram as principais exportações axumitas - os bizantinos, em particular, não se cansavam de ambos -, mas outras mercadorias incluíam sal, escravos, carapaças de tartaruga, incenso (olíbano e mirra), chifres de rinoceronte, obsidiana e esmeraldas (da Núbia). Transportadas em caravanas de camelos, essas mercadorias iam para o porto marítimo imperial de Adulis (atual Zula e, na verdade, a quatro quilômetros do mar). Seriam trocadas por produtos trazidos pelos mercadores árabes, tais como tecidos egípcios e indianos, espadas e outras armas, ferro, contas de vidro, lâmpadas de bronze e cristais. A presença de ânforas mediterrâneas em sítios axumitas indica que também importavam vinho e azeite. A prosperidade do comércio axumita é evidenciada pela descoberta de moedas do império em locais tão distantes quanto o Mediterrâneo oriental, Índia e Sri Lanka.
Adoção do Cristianismo
Em meados do século IV d.C., o rei Ezana I adotou oficialmente o cristianismo. Antes disso, os axumitas praticavam uma religião nativa politeísta, prevalente em ambos os lados do Mar Vermelho, com alguns acréscimos, tais como Mahram, o deus da guerra, revolta e monarquia que se tornou a divindade mais importante para o povo de Axum. Também se destacavam a deusa da Lua, Hawbas; a representação do planeta Vênus, Astar; e os deuses ctônicos Beher e Meder. Tais divindades, bem como os ancestrais, recebiam sacrifícios em sua honra, especialmente gado - animais vivos ou representações votivas.
Comerciantes e missionários egípcios trouxeram o cristianismo para a região durante os primeiros séculos do primeiro milênio d.C. e a aceitação oficial por Axum pode ter ocorrido porque o império tinha importantes conexões comerciais com as províncias norte-africanas do Império Romano, que adotara o cristianismo algumas décadas antes. De fato, havia várias conexões diplomáticas e comerciais diretas entre Constantinopla e Axum, o que torna provável que o intercâmbio promovido pelos indivíduos que viajavam entre as duas localidades tenha também introduzido o cristianismo na Etiópia. Deve-se notar, no entanto, que as crenças religiosas nativas mais antigas provavelmente continuaram durante algum tempo, conforme indicado pela cuidadosa redação das inscrições dos governantes, de forma a não alienar a população que não aceitava a nova religião.
Conforme os relatos tradicionais, Frumêncio, um viajante proveniente de Tiro que naufragou na região no século IV d.C., teria introduzido o cristianismo no reino. Ele conseguiu emprego como professor para as crianças reais e depois se tornou tesoureiro e conselheiro do rei, provavelmente Ella Amida. Quando Ella Amida deu lugar a seu filho, Ezana I - sobre o qual Frumêncio, seu antigo tutor, exercia uma influência ainda maior -, o novo rei foi persuadido a adotar o cristianismo. Em seguida, Frumêncio viajou para Alexandria e recebeu um título oficial do Patriarca local, com o objetivo de auxiliar seu trabalho missionário. Após retornar a Axum, tornou-se o primeiro bispo do reino. Segundo as fontes antigas disponíveis, as datas exatas de quando isso teria acontecido variam de 315 a 360 d.C. e os estudiosos modernos consideram esta última data a mais provável. Posteriormente, a Igreja canonizou Frumêncio por seus esforços na disseminação do Evangelho na África Oriental.
O cristianismo adotado em Axum tinha semelhanças com o adotado no Egito copta e, de fato, o Patriarca de Alexandria permaneceu uma figura forte na Igreja Etíope, mesmo quando o Islã chegou à região, a partir do século VII. Igrejas foram construídas, monastérios instalados e houve traduções da Bíblia para o idioma local. A igreja mais importante situava-se em Axum: a Igreja de Santa Maria do Sião que, segundo os textos etíopes medievais, abrigava a Arca da Aliança. Supõe-se que a Arca ainda esteja lá, mas, como ninguém tem permissão para vê-la, não há como confirmar sua existência. O mais importante mosteiro do império de Axum, situado na colina de Debre Damo, foi fundado pelo asceta bizantino do século V d.C. São Aregawi, um dos famosos nove santos que atuaram para disseminar o cristianismo na região, criando várias instituições religiosas. A partir do século V d.C., a população rural foi convertida, ainda que, mesmo nas cidades, alguns templos dos velhos deuses pagãos permanecessem em funcionamento até o século VI d.C. O sucesso destas iniciativas fez com que o cristianismo continuasse a ser praticado na Etiópia até o século XXI.
Uma Mistura Cultural: Escrita e Cunhagem de Moedas
A região ocupada posteriormente por Axum usava um sistema de escrita árabe do século V a.C., chamado sabeu (uma linguagem semita então em uso na Arábia Meridional). Também se usava o grego em algumas inscrições. O império de Axum tinha seu próprio sistema de escrita, dos quais os exemplos mais antigos foram encontrados em placas de lâminas de xisto datadas do século II d.C.. Este sistema de escrita, chamado Ge'ez ou Etíope, lembra o sabeu, mas gradualmente se desenvolveu num sistema distinto, que incluía caracteres para vogais e consoantes e era lido da esquerda para a direita. A escrita ge'ez ainda está em uso na moderna Etiópia.
Outro exemplo da tendência axumita de adotar ideias de diferentes culturas com bons resultados pode ser observada na cunhagem de moedas do reino, o primeiro da África Subsaariana a dispor de uma casa da moeda. As moedas de ouro e prata de Axum, que surgiram a partir do século III d.C., contêm inscrições em grego, símbolos religiosos sabeus e observavam os padrões romanos de peso. O material mais comum para as milhares de moedas axumitas descobertas é o bronze. As moedas e suas legendas, com frequência, representam a única informação sobre vários reis de Axum, 20 no total. O retrato do rei está geralmente acompanhado por duas espigas de milho e, a partir do reinado de Ezana I, uma cruz cristã. As legendas incluem o nome do rei, seu título e uma frase inspiradora, como, por exemplo, "Paz para o Povo" e "Saúde e Felicidade para o Povo".
Arte
Nas artes, os ceramistas de Axum produziam artigos de terracota vermelha e preta, mas sem utilizar a roda de oleiro. Suas cerâmicas são geralmente foscas em acabamento e algumas estão revestidas com uma camada vermelha. Os formatos variam de simples taças, tigelas e jarros com bicos. Obtinha-se a decoração com desenhos geométricos utilizando incisões, pintura, carimbos e acréscimo de peças tridimensionais. De longe, o tema decorativo mais comum era a cruz cristã. Parece não ter havido nem a inclinação ou o conhecimento necessário para produzir as louças mais finas que os axumitas importavam das culturas mediterrânicas.
Nenhuma estátua de grande porte foi descoberta no reino, mas há algumas bases de pedra. Um dos exemplares possui entalhes em formato de pés, com cada um deles medindo 90 centímetros, o que resultaria numa estátua com três vezes o tamanho normal de um adulto. Uma inscrição na base indica que ali existia uma figura de metal, provavelmente uma divindade. A mesma inscrição menciona outras estátuas de ouro e bronze. Os tronos de pedra encontrados próximos às estelas talvez tivessem estátuas de metal sentadas. Existem muitas estatuetas em pequena escala retratando mulheres e animais. Infelizmente, as impressionantes tumbas situadas nas câmaras de pedra do reino foram saqueadas na Antiguidade e somente fragmentos de materiais preciosos e as peças de baús e caixas de armazenamento indicam o que se perdeu para a posteridade.
Declínio e História Posterior
Axum entrou em declínio a partir do século VI d.C., talvez devido ao uso excessivo de terras agrícolas ou a incursões de pastores da região de Beja ocidental que, reunidos em pequenos reinos, conquistaram porções do território axumita para a criação de gado e que atacavam constantemente as caravanas de camelos do império. Além disso, a política dos reis axumitas de permitir um considerável grau de autonomia aos chefes tribais com frequência saía pela culatra, dando condições para que iniciassem rebeliões. No final das contas, Axum pagaria caro pela falta de aparatos estatais administrativos efetivos. Finalmente, a partir do século VII, houve uma forte concorrência pelas redes comerciais do Mar Vermelho por parte dos mercadores árabes muçulmanos. O núcleo do estado axumita deslocou-se 300 quilômetros ao sul, para as cidades de Lalibela e Gondar. Como consequência deste declínio, ao final do século VIII o velho império de Axum havia deixado de existir.
A cidade de Axum saiu-se melhor do que o império e nunca perdeu sua importância religiosa. O território do antigo império terminou por se transformar no reino medieval da Abissínia, com a fundação da dinastia salomônica por volta de 1270, cujos soberanos alegavam descendência direta do rei bíblico Salomão e da Rainha de Sabá.