
A mitologia nórdica refere-se à estrutura mitológica Escandinava que foi sustentada durante e por volta do período da Era Viking (790- 1100). Com um mito de criação onde os primeiros deuses mataram um gigante e usaram as partes de seu corpo na criação do mundo, muitos reinos espalhados sob a árvore do mundo Yggdrasil, e a destruição final do mundo conhecido no Ragnarök, o mundo mitológico Nórdico é ao mesmo tempo complexo e abrangente.Seu panteão politeísta, liderado pelo caolho Odin, contém um grande número de diferentes deuses e deusas que eram venerados em tradições integradas na vida diária dos escandinavos.
Principais fontes
Aprofundar-se nas camadas da história para formar uma imagem adequada, detalhada e precisa dos mitos, crenças e costumes como de fato eram na Era Viking não é uma tarefa fácil, especialmente em uma sociedade com uma tradição majoritariamente oral, como foi a Escandinávia durante a maior parte do tempo.Dessa forma, temos apenas "as pontas dos icebergs narrativos" (Schjødt, 219) quando se trata dos deuses Nórdicos.
Por outro lado, temos algumas fontes pré-cristãs que preservaram elementos da mitologia Escandinava; principalmente a Edda poética (poesia da Edda em Verso compilada em 1270, mas provavelmente datada de antes da era pré-cristã, anterior ao século X) e a poesia escáldica (da Era Viking, de tradição pré-cristã, ouvida principalmente nas cortes por reis e seus séquitos), preservados posteriormente em manuscritos Islandeses. O Codex Regius encontrado na Edda em Verso contém uma coleção anônima de antigos poemas éddicos, incluindo dez sobre deuses e dezenove sobre heróis, e embora alguns apresentem mitos completos, a maioria deles parte do princípio - infelizmente para nós- de que a sua audiência é familiarizada com o contexto mitológico. O mesmo ocorre com a poesia escáldica; com o conhecimento acerca dos mitos já tomado como certo, para nós, usar essas fontes para criar um panorama geral da Mitologia Nórdica é como preencher um quebra-cabeça bem complicado.
Por outro lado, fontes medievais posteriores, como a Edda em Prosa de Snorri Sturluson (1220) e o Gesta Danorum de Saxo Grammaticus composto algumas décadas antes, reestruturou as fontes Vikings antigas - mutáveis, enigmáticas, porém um tanto confusas - em relatos muito mais organizados. O trabalho de Snorri é a razão principal pela qual nós temos indícios da mitologia Nórdica como um todo, mas também devemos lê-lo de forma crítica, pois ele escreveu partindo de um contexto cristão. Contudo, os poemas éddicos e escáldicos mais antigos claramente fazem mais jus ao papel dinâmico e integrado que a mitologia de fato desempenhava nas sociedades da Era Viking.
Mitologia Nórdica na sociedade Viking
A natureza integrada da estrutura da mitologia Nórdica na vida diária é indicada pela palavra síður, que significa 'costume' - o conceito mais próximo que os Nórdicos Antigos tinham sobre religião. Claro, é difícil determinar com precisão o que os Vikings acreditavam em relação a todos esses diferentes deus Nórdicos e ao mundo em que viviam. Contudo, evidências arqueológicas ajudam a entender sobre a devoção pessoal a deuses específicos aos quais as pessoas se sentiam conectadas, com costumes e rituais que os acompanhavam sendo uma parte normal da vida diária. As evidências também dão a impressão de que os deuses Nórdicos possuíam suas próprias personalidades distintas, mais do que atribuições rígidas e estabelecidas.
Em um sentido mais amplo, os deuses eram venerados e invocados por toda a comunidade. Locais de potencial atividade de cultos, por sua vez, podem ser identificados pelo surgimento do nome de um deus na nomeação de lugares, como no caso de Fröslunda ("o bosque dedicado ao deus Freyr"). As fontes também indicam a existência de locais bem importantes. De acordo com Adam de Bremen (que escreveu seu relato - baseado em alguns rumores - por volta de 1070), havia um grande templo em Uppsala, na Suécia, que abrigava imagens de Thor, Odin e Freyr, aos quais eram oferecidos sacrifícios em tempos de fome, doenças, guerra, ou quando se iniciavam casamentos, respectivamente. Ele relata sobre como, a cada nove anos, as pessoas se reuniam ali para soltar suas longas tranças Vikings durante um grande festival, no qual humanos, cavalos e cães eram sacrificados, e seus corpos ficavam pendurados nas árvores do bosque sagrado. Apesar dos registros arqueológicos não apoiarem a existência de um templo real, os restos de outras construções, entre as quais estava um grande salão, datando de entre os séculos III e X, foram encontrados.
Havia, portanto, vários aspectos do papel da mitologia Nórdica na sociedade Viking. Como afirma Anne-Sofie Gräslund, "a Antiga Religião Nórdica não deveria ser representada como algo estático, mas como uma religião dinâmica que mudou gradualmente com o tempo, e que sem dúvidas possuía muitas variações locais" (56). A Escandinávia antiga era um mundo no qual a crença em poderes divinos era abundante, e todos eles tinham suas próprias atribuições e funções.
A visão de mundo Nórdica apenas mudou gradualmente com a influência emergente do cristianismo, que se tornou aparente na segunda metade do século XI. Mesmo assim, pelos Vikings serem politeístas, eles simplesmente adicionaram o cristianismo à sua lista de deuses, e diferentes costumes e crenças foram colocados lado a lado por um bom tempo.
Visão de mundo Mitológica
A visão de mundo Nórdica como melhor podemos extrair das várias fontes se resume à seguinte ideia geral. Havia quatro fases: o processo no qual o mundo - e tudo que há nele - foi criado; a fase dinâmica na qual o tempo começou; a destruição do mundo no Ragnarök, e o surgimento de um novo mundo a partir do mar.
De acordo com Snorri, antes de qualquer coisa existir, havia os reinos opostos, do gelado Niflheim e do ardente Muspelheim (que outras fontes só chamam de Muspell). Embora aparentemente separados de forma segura pelo vazio de Ginnungagap, o frio e o calor se expandiram até se encontrarem, resultando no fogo de Muspelheim derretendo o gelo, do qual duas figuras possivelmente encharcadas surgiram: o (proto-) gigante Ymir e a vaca Audhumla. Ao lamber o gelo, Audhumla descobriu Búri, antepassado dos deuses, cujo filho Borr se aliou com a giganta Bestla para gerar os primeiros deuses, Odin, Vili e Vé. Os três então se aproveitaram do tamanho conveniente de Ymir para matá-lo e usaram seus restos para criar o mundo; a terra de sua carne, o céu de seu crânio, montanhas de seus ossos e o mar de seu sangue. O primeiro casal humano, Ask e Embla, foram esculpidos a partir de duas árvores ou pedaços de madeira.
Com o alvorecer da humanidade, uma nova fase se iniciou: o tempo começou, e todos os deuses e outras criaturas com seus respectivos reinos estão ocupados com suas próprias coisas até a chegada do Ragnarök. A Árvore do Mundo Yggdrasil, eixo do tempo e do espaço, fica no reino da morada dos deuses de Asgard, onde suas raízes se abrangem para todos os outros reinos, incluindo Midgard, onde os humanos vivem, e a morada dos gigantes, Jotunheim. Um dragão da morte chamado Nidhogg mastiga as raízes laterais, tudo enquanto as três Nornas tecem e giram o destino das vidas humanas na base da árvore. Como a Edda em Prosa diz:
Cinzas de Yggdrasill | sofre em agonia,
Mais do que os homens sabem:
O cervo morde no alto; | dos lados, apodrece,
E Nídhöggr a rói por baixo.
(Gylfaginning 16).
Como se uma árvore gigante não fosse o suficiente, o mar ao redor é habitado pela Serpente de Midgard (também chamada de Jörmungandr), um monstro que se enrola ao redor do mundo.
Finalmente, essas condições de mundo maravilhosas se transformam em caos e culminam no Ragnarök, o 'destino final dos deuses', sobre o qual nossa maior fonte está na saga Völuspá do século X. Ela começa com um inverno terrível. A terra afunda no mar, o lobo Fenrir (muitas vezes descrito como o lobo Fenris) se solta e devora o sol, e, como se já não fosse o suficiente, a poderosa Yggdrasil treme e a ponte Bifröst - o caminho entre Midgard e Asgard- colapsa. Compreensivelmente abalados, os deuses convocam uma reunião de emergência para se prepararem para a batalha contra os poderes do Submundo, que se aproximam. A Edda em Prosa anuncia que:
Irmãos lutarão | e matar-se-ão entre si;
Filhos de uma mesma irmã | juntos pecarão.
Dias sombrios virão entre os homens | muitos, com a luxúria:
A era dos machados, a era da espada, | - escudos se quebrarão;
A era dos ventos, a era dos lobos | até que o mundo pereça.
(Gylfaginning 51).
Odin combate Fenrir, mas cai em batalha, e o deus Vidarr o vinga, enquanto Thor destrói a serpente de Midgard mas sucumbe a seu veneno. Os deuses e seus inimigos lutam e morrem à esquerda, à direita e no meio, até que o gigante Surtr acende a chama do mundo e destrói tudo.
Com sorte, assim como uma fênix, a destruição não é o fim. Seguindo um conceito cíclico de mundo, um novo começo se anuncia - não das cinzas, mas do mar. Só um punhado de deuses agora ainda continuam vivos, mas o novo mundo terá uma nova geração de deuses, assim como a humanidade, para viverem felizes para sempre.
Æsir & Vanir
Os próprios deuses estão divididos em duas famílias. Primeiramente, há a maior família, os Æsir, frequentemente ligados à guerra e governança, que na prática também era usado como um termo abrangente para os principais deuses no geral. Ela inclui nomes notáveis como Odin, Thor, Loki, Baldr, Hodr, Heimdall, e Týr.
A segunda e menor família, dos Vanir, contém deuses relacionados à fertilidade, como Njord, Freyr, e Freyja. Apesar de todos viverem em Asgard, eles nem sempre estão nos mesmos lugares, e nem sempre veem as coisas da mesma forma - o que, convenhamos, é difícil, já que Odin só tem um olho, para começo de conversa. De fato, eles já se desentenderam a ponto de guerrearem (as 'guerras Vanir'; ou 'Guerras Æsir-Vanir') mas trocaram reféns após negociarem a paz e fundirem suas famílias através do casamento.
Acredita-se que o contraste entre os Æsir e os Vanir tenha origem nas diferenças da própria sociedade Viking, já que os Vanir, com seu foco na fertilidade, nas boas colheitas e no clima, eram populares nas comunidades agícolas, enquanto os Æsir eram vistos como conselheiros de reis, lordes e seus guerreiros em assuntos de guerra e governança. Assim, a paz negociada nas guerras Vanir podia refletir a ideia de que a sociedade somente poderia funcionar através dos poderes de ambas as classes sociais combinados.
Finalmente, além das duas classes divinas, também haviam divindades femininas conhecidas como Dísir, populares em cultos privados, Álfar (elfos), Jǫtnar (gigantes), e Dvergar (anões); o suficiente para manter todo mundo ocupado, com certeza. A mitologia Nórdica oferece um mundo bem rico e diferenciado, onde no qual podemos facilmente nos perder.