Alfredo, o Grande (r. 871-899) foi o rei de Wessex, na Britânia, mas veio a ser conhecido como rei dos anglo-saxões depois de suas vitórias militares contra adversários vikings e negociações bem-sucedidas com eles. Ele é o rei anglo-saxão mais bem conhecido na história britânica graças ao seu biógrafo Asser (morto em 909) e o impacto dele em escritores posteriores.
O epíteto de Alfredo, 'o grande', não foi dado a ele em vida, mas séculos depois quando o trabalho de Asser se tornou mais conhecido e o significado do reinado de Alfredo ganhou mais reconhecimento. Ainda assim, em vida, Alfredo era respeitado como um rei nobre que ganhou a confiança do povo por suas reformas na educação e na lei e, mais notadamente, sua liderança contra a ameaça viking. Alfredo se destaca na série de TV Vikings, na qual é interpretado pelo ator irlandês Ferdia Wlash-Peelo. O personagem na série é porcamente baseado no Alfredo histórico, e mudanças significativas são feitas, sobretudo na sua linhagem.
Os ataques vikings à Britânia começaram em c. 793 e, no tempo de Alfredo, tinham se estabelecido desde a Nortúmbria até Mércia com crescentes incursões em Wessex. Alfredo derrotou o líder viking Guthrum (falecido em c. 890) na Batalha de Eddington em 878, cujos termos incluíam a cristianização de Guthrum e seus conselheiros mais próximos, acabando, assim, com a diferença religiosa entre os dois povos. Embora sua vitória não tenha dado um fim aos ataques vikings na Britânia nem os afugentado de volta para a Escandinávia, isso permitiu um período de relativa paz durante o qual as reformas de Alfredo puderam ser implementadas e fincar raízes.
As impressionantes habilidades militares e administrativas de Alfredo estabilizaram a Britânia após um século de ataques vikings e guerra. Ele estabeleceu a prática de traduzir textos clássicos do latim para o inglês, construiu escolas públicas, reformou o exército e revisou e expandiu o código legal. Historiadores futuros, especialmente durante a Era Vitoriana, consideraram-no o rei mais perfeito da Idade Média por sua piedade, justiça e visão nobre de um futuro melhor para o povo.
Juventude & ascensão ao poder
Alfredo nasceu em 849, filho do rei Aethelwulf de Wessex e sua esposa Osburh. Aos quatro anos de idade, seu pai o enviou à Roma em peregrinação, onde ele foi confirmado na fé pelo Papa e, de acordo com a Crônica Anglo-Saxã, foi ungido rei. Embora seja possível que esta cerimônia tenha acontecido, parece improvável já que Alfredo era o mais novo de cinco filhos e seus irmãos mais velhos - Aethelbad, Aethelberht e Aethelred - estariam todos na linha de sucessão antes dele.
Independentemente do efeito que a viagem à Roma teve no cárater de Alfredo, não parece ser tão profunda quanto o de sua mãe. Osburh é descrita na obra de Asser, Vida do Rei Alfredo, como uma mulher religiosa e inteligente que teve um efeito significativo em seu interesse pelo aprendizado; uma característica que define Alfredo muito bem e que moldou suas conquistas futuras.
Ele aprendeu poesia ouvindo-a ser recitada e repetindo-a, mas não conseguia ler até a adolescência e, ainda assim, não podia ler latim, língua na qual as obras mais importantes de sua época foram escritas.
O papel da mãe em sua vida, bem como em sua paternidade, é a mudança mais significativa realizada no arco do personagem de Alfredo na série Vikings. Nela, sua mãe é Judith, princesa da Nortúmbria (interpretada pela atriz inglesa Jennie Jacques), casada com Aethelwulf, mas que engravida, por meio de um caso com Athelstan (interpretado pelo ator inglês George Blagden), um monge cristão que se tornou viking que se tornou clérigo. Embora a personagem de Judith seja retratada como piedosa e preocupada com o filho, não há nenhuma menção do impacto materno no letramento de Alfredo. Sua fragilidade na juventude e a viagem à Roma também são retratadas mais ou menos com veracidade, mas seus irmaõs e suas conquistas são combinadas e ficcionalizadas no personagem de Aethelred (Darren Cahill), e elementos do reinado e da personalidade de Aethelwulf são significativamente alterados.
Cada um dos irmãos de Alfredo governou em sucessão após a morte do pai deles até Alfredo ser oficialmente nomeado sucessor do irmão Aethelred, em c. 865, e elevado ao nível de comandante militar. Pode ser que as expectativas da família de Alfredo com relação a ele ser um rei-guerreiro fossem baixas, já que ele tendia mais a livros do que à ação e, enquanto jovem, vivia doente (possivelmente aflingido pela doença de Crohn). Se sim, eles estavam errados, visto que Alfredo provou ser um líder capaz em batalha, entre c. 865-871, juntamente de seu irmão e, depois de Aethelred morrer, sozinho.
As guerras vikings
Em 865, o grande exército de vikings liderado por Halfdane e Ivar, o Sem Ossos, invadiu a Anglia Oriental e furtivamente derrotou qualquer força enviada contra eles. Em 866, os vikings tomaram a cidade de York e, em 867, mataram os reis nortúmbrios Osbert e Aelle e consolidaram seu controle na região. Em 868, eles fizeram ataques constantes pela Mércia e, por volta de 869, tinham conquistado a Anglia Oriental por completo. Em 870, reforços para o grande exército chegaram da Escandinávia, e Halfdane liderou suas forças para tomar Wallingford, assolar a Mércia e dirigir-se para Wessex no próximo ano.
Aethelred e Alfredo mobilizaram suas forças e encontraram os vikings em uma batalha em Reading, mas foram derrotados. Asser comenta como "os cristãos foram tomados pelo luto e a vergonha, e quatro dias depois, com toda sua força e numa determinação profunda, eles avançaram contra o exército viking em um lugar chamado Ashdown" (Asser, 37, Keynes & Lapidge, 78). A Batalha de Ashdown em janeiro de 871 provaria as habilidades de Alfredo como líder militar e de conseguir pensar claramente e agir numa crise.
Embora Asser nunca critique Aethelred diretamente, ele observa que uma estratégia fora desenvolvida, na qual Alfredo e Aethelred comandariam forças conjuntas que atacariam em pontos diferentes das forças vikings, mas Aethelred nunca apareceu para assumir sua parte de comando na batalha. Os vikings ocupavam o terreno mais alto e já tinham fortificado suas defesas quando Alfredo chegou no campo e encontrou seu irmão, o rei, ainda rezando. Então, ele não teve escolha a não ser assumir o comando do exército e liderar o ataque. Vale lembrar que o registro de Asser sobre a batalha tem sido confrontado, e outras fontes creditam a Aethelred participação total na empreitada.
Se seu irmão estava envolvido ou não, Alfredo foi vitorioso, habilidosamente liderando suas forças, e expulsou os vikings do campo. Encorajados por essa vitória, seus irmãos perseguiram os vikings e os acharam em Basing, mas foram derrotados. Em abril, Aethelred morreu, e Alfredo se tornou rei. Ele liderou o exército contra os vikings de novo na Batalha de Wilton e, aqui, de novo, parece ter mostrado ser um líder eficaz no campo - ao menos no começo. As linhas vikings estavam quebradas e em debandada, mas havia poucas forças de Alfredo para persegui-los. Os vikings conseguiram se reagrupar e contra-atacar, derrotando os saxões do oeste e tomando o campo. À esta altura, Alfredo não teve escolha senão pagar uma grande quantia aos comandantes vikings para deixarem Wessex.
Ao longo dos próximos anos, Alfredo continuadamente teve de mobilizar quaisquer tropas possíveis para defender seu reino. Embora o dinheiro pago a Halfdane tenha protegido Wessex por um tempo, isso não significou que os vikings tinham de deixar a Britânia. Eles consolidaram seu poder na Nortúmbria, selaram paz com os mércios e estavam livres para ameçar a autonomia de Wessex quando quisessem. Em 875, os vikings tinham firmemente estabelecido um reino, e um novo lorde nórdico, Guthrum, tinha assumido o comando.
Em 876, Alfredo fez um tratado com Guthrum no qual dava reféns ao líder viking, e os vikings fizeram um juramento de deixar Wessex em paz. Por razões desconhecidas, os vikings quebraram o tratado, mataram os reféns e atacaram, então retornaram para Exeter, onde passaram o inverno. Alfredo agrupou suas forças e bloqueou a frota viking em Devon, forçando-os a se retirarem para a Mércia. Mas em 877, os vikings estavam de volta nas fronteiras e, no começo de 878, tomaram Chippenham num ataque surpresa, lançado durante a temporada de Natal, quando Alfredo observava o feriado na área e estava completamente despreparado. Os vikings massacraram muito da população, mas Alfredo, sua família e alguns poucos homens escaparam e se exilaram. Asser descreve este período:
Ao mesmo tempo, o rei Alfredo, com seu pequeno bando de nobres e também alguns soldados, estava tendo uma vida penosa em grande desespero em meio aos lugares pantanosos e escuros de Somerset. Ele não tinha nada para viver exceto o que podia capturar em ataques frequentes, seja secretos ou abertos, a vikings e a cristãos que tinham se submetido à autoridade viking. (Asser, 53, Keynes & Lapidge, 83)
Alfredo & pães queimados
É durante este período que eventos relatados em lendas cercando Alfredo devem ter acontecido. Embora assuma-se, com frequência, que essas lendas advenham da obra de Asser, elas são todas criações posteriores, do século c. X. A mais famosa é a história de Alfredo e os pães queimados, que vem da obra The Life of St. Neot.
A história se refere a como Alfredo, viajando sozinho desta vez, encontrou a cabana de um criador de porcos e pediu por hospedagem sem revelar sua identidade. O homen o hospedou por um tempo e, certo dia quando o criador estava fora, a esposa dele assava pão no forno enquanto Alfredo estava sentado por perto, preocupado com seus problemas. A esposa limpava a casa quando sentiu o cheiro do pão queimando e correu até o forno. Ela xingou Alfredo, que estava sentado por perto, dizendo "Você hesita em virar os pães que vê queimar, mas fica bastante feliz em comê-los quando eles saem frescos do forno!" (Keynes & Lapidge, 198).
A história passaria por várias encarnações diferentes, com a esposa retratada como má e ignorante ou simplesmente exasperada por seu convidado, mas, de toda forma, a resposta de Alfredo é digna de humildade e graça. Ele nunca se revela ser rei ou discute com a esposa, mas aceita o sermão dela como adequado e a ajuda a assar o pão.
A batalha de Eddington
Alfredo permaneceu no exílio, escondendo-se dos vikings, por menos de três meses, durante os quais parece ter se preparado para uma ofensiva contra eles por meio de uma rede de espiões e chefes locais ainda leais a ele. Por volta de março, segundo Asser, ele estava lutando uma guerra de guerrilha bem-sucedida contra os daneses. Por volta de maio de 878, ele tinha reunido uma força grande o bastante para confrontar os vikings em batalha. Ele construiu uma fortaleza em Athelney que formou a base de operações e parece ter sido usada para recrutar homens e lançar ataques.
Em algum ponto no começo de maio, ele conseguiu atrair os vikings para fora da fortaleza deles em Eddington e derrotou-os em batalha usando a tática da muralha de escudos. As forças de Wessex teriam mantido uma formação firme contra a investida viking e então contra-atacaram. Os vikings foram expulsos do campo e fortificaram a defesa de sua fortaleza. Alfredo, contudo, destruiu todas as plantações ao redor das defesas vikings, matou os homens do lado de fora e tomou o gado. Os vikings foram deixados com as provisões que tinham lá dentro e, depois de duas semanas de cerco, se renderam.
Os termos de Alfredo foram lenientes: Guthrum e 30 de seus chefes se submeteriam ao batismo cristão e renuciariam sua crença pagã, eles teriam reféns para assegurar obediência e os vikings deixariam Wessex; todas essas condições foram obedecidas. Wessex ficou segura por um tempo, mas não há evidências de que Alfredo acreditava que Eddington colocara um fim aos problemas com os vikings.
Restauração, reforma & educação
A teoria de que os ataques vikings eram a fúria de Deus ficou sem ser contestada até o ataque de Lindisfarne em 793, já que não havia nenhuma melhor disponível, e Alfredo certamente acreditava nisso. Seguindo a batalha de Eddington, ele trabalhou para resolver as causas por trás dos ataques, o que, em sua visão, eram o precário estado da educação, o aprendizado clerical e a falta de unidade no reino.
Começando em 880, Alfredo reorganizou seu reino e implementou reformas educacionais, militares e legais que transformariam Wessex e, eventualmente, toda a Britânia. Ele começou reconstruindo as cidades que tinham sido destruídas nas Guerras Vikings e aprimorando as estruturas anteriores. Reconhecendo que essas poderiam ser destruídas tão fácil quanto as anteriores, ele então reformou o exército e a própria estrutura de assentamentos no reino.
No começo de 880, Alfredo implementou inovações que incluíam a reestruturação da rede de cidades grandes e pequenas. Essas iniciativas são conhecidas como o Sistema Burghal, no qual estradas aprimoradas ligavam uma série de 33 burhs (asentamentos fortificados) ao longo do reino. Durante uma viagem à Roma, em algum momento depois de Eddington, Alfredo tinha aprendido as táticas defensivas e os estratagemas dos reis carolíngios da França, que vinham lidando com seus próprios problemas com os vikings há séculos. O Sistema Burghal de Alfredo parece ter sido adaptado dos preceitos carolíngios.
Para que cada burh pudesse se defender, ele tinha de ter uma guarnição e os homens deveriam ser pagos, então Alfredo reformou o código de impostos baseado na abundância de plantações reunidas de uma terra pessoal. A produtividade de uma região então era levada em conta ao estacionar uma quantidade de tropas num lugar. Os burhs estavam situados de tal forma que qualquer guarnição poderia se mover para apoiar a outra dentro de um dia de marcha.
Ao mesmo tempo, Alfredo importou uma quantidade de clérigos letrados de Gales e da França para reintroduzir o aprendizado do latim na corte e traduzir obras latinas para o inglês. Escolas públicas foram criadas, nas quais estudantes aprendiam a ler inglês; aqueles que seguiriam uma carreira nas ordens religiosos também aprendiam latim. Foi durante este período que Asser, de Gales, veio para a corte de Alfredo para ser seu tutor pessoal. Com o tempo, Alfredo traduziria obras do latim para o inglês, servindo como um modelo para seus súditos.
Não se deve pensar, no entanto, que ese período foi - como frequentemente se alega - "tranquilo", em que Alfredo pôde se dedicar aos estudos e às políticas domésticas. Ele estava diariamente envolvido nas decisões de política estrangeira, e os problemas dos vikings na Britânia persisitiram. No começo de 880, Alfredo tinha ganhado o controle da Mércia, mas os vikings tinham firmado a região da Nortúmbria como "Danelaw" e ainda faziam incursões em outras regiões.
Esforços para unir a Inglaterra
Em 886 d.C., Alfredo conquistou Londres em uma vitória impressionante, e "todos os povos da Inglaterra que não estavam submetidos aos daneses se submeteram a ele" (Keynes & Lapdige, 38). Pode ter havido um juramento oficial de lealdade ao rei que a população, ou pelo menos os donos de tera, tiveram de fazer, mas mesmo que não tenha tido, é claro que Alfredo unira os povos da Britânia sob seu comando. Keynes e Lapidge observam que a vitória de Alfredo em Londres marcou "a emergência entre os ingleses de um senso de identidade comum, sob um líder comum, com uma causa comum" (38). Alfredo era, agora, rei de toda a Inglaterra não ocupada pelos daneses.
Pouco depois de tomar Londres, Alfredo fez uma aliança com a Mércia ao arranjar um casamento entre sua filha Aethelflaed (r. 911-918) e o lorde desta região, Aethelred II (r. 883-911). É certo que eles se casaram em 887, quando o nome de Aethelflaed aparece nos documentos junto do de Aethelred. Aethelflaed daria continuidade ao trabalho de Alfredo juntamente com o marido e depois como governante única e Senhora dos Mércios.
Alfredo continuou seus programas educacionais, expandiu e reformou a marinha e elaborou seu próprio código legal baseado na Bíblia Cristã e nos Dez Mandamentos. Todas as penalidades assumiram a forma de multas, exceto aquelas envolvendo crimes de traição. A supremacia do senhor - ou lorde - foi enfatizada totalmente já que Alfredo acreditava que o rei governava sob a vontade divina e, se ele fosse verdadeiro a seu chamado, governaria de forma justa segundo os interesses do povo.
Embora iletrado na juventude, Alfredo escreveu o código legal e traduziu várias obras, incluindo o livro Cuidado Pastoral, de Gregório, Consolação da Filosofia, de Boécio, e Solilóquios, de Santo Agostinho, assim como os primeiros 50 salmos. Todos esses livros tiveram uma influência positiva em Alfredo e, portanto, ele acreditava que fariam o mesmo para outros.
Quando Alfredo morreu, em 26 de outubro de 899, ele tinha transformado a Britânia de uma região díspar de reinos separados para algo que se assemelhava à uma nação unificada. Apesar de suas conquistas e fama, Alfredo não foi tão respeitado nesta época quanto seria séculos depois, possivelmente porque as invasões vikings continuariam na Britânia até 1066.
Outro fator importante, contudo, é que a obra Vida do Rei Alfredo, de Asser, não foi totalmente lida nesta época já que Asser nunca a completou tampouco a copiou para ser distribuída. A obra só foi trazida ao público no século XVII quando Sir John Spelman a publicou como um guia para o comportamento do rei. No século XVIII, Alfredo foi visto como o epítome de um rei nobre e, na época do Período Vitoriano (1837-1901), foi considerado o fundador do Império Britânico, pai da Marinha Britânica (embora tenha apenas a reformado) e o maior rei que jamais governou a Inglaterra.
Suas reformas educacionais pavimentaram o caminho para escolas públicas na Inglaterra, seu código legal serviu como base para futuras reformas legais e sua reestruturação de cidades e estradas mudou a infraestrutura do país para sempre. Sua filha, Aethelflaed da Mércia, continuaria sua guerra com os vikings assim como suas reformas educacionais e o Sistema Burghal junto com o irmão Edward de Wessex, que tinha sucedido Alfredo. O filho de Edward, Aethelstan, se tornaria o primeiro rei da Inglaterra, governando uma terra unida e continuando o legado do avô.