Hospital Renkioi

Definição

Mark Cartwright
por , traduzido por Fernando Bergel Lipp
publicado em 29 março 2023
Disponível noutras línguas: Inglês, francês, espanhol
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Map of Renkioi Hospital (by Wellcome Images, CC BY)
Mapa do Hospital Renkioi
Wellcome Images (CC BY)

O Hospital Renkioi era um complexo inovador de edifícios pré-fabricados concebido por Isambard Kingdom Brunel para ser utilizado durante a Guerra da Crimeia (1853-56). Brunel foi motivado pelas pesadas baixas do conflito, além da mortalidade ainda mais elevada devido a doenças durante a guerra, sendo que seu hospital de 1.000 leitos incluía os mais recentes conceitos em ventilação e saneamento, tais como defendidos por enfermeiras pioneiras como Florence Nightingale.

A Guerra da Crimeia e Florence Nightingale

A Guerra da Crimeia foi travada entre a Rússia e o Império Otomano, cujos aliados incluíam a Grã-Bretanha. Por um longo período, a Rússia procurou conquistar territórios do Império Otomano que se desfazia, tendo invadido os Principados do Danúbio (Moldávia e Valáquia, pagadores de tributos aos otomanos) em 1853. Tanto a Grã-Bretanha como a França declararam guerra à Rússia quando esta se recusou a retirar-se. Uma força expedicionária aliada foi enviada para atacar Sebastopol, na costa do Mar Negro da Crimeia, a qual era a principal base naval russa na região. Em 1854, iniciou-se um cerco a Sebastopol, que durou um ano. A guerra tornou-se notória pela incompetência e má gestão militar, sendo o mais infame exemplo a desastrosa Carga da Brigada Ligeira durante a Batalha de Balaclava, em outubro de 1854. Os aliados obtiveram importantes vitórias, porém a um custo elevado de mortos e feridos.

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A TAXA DE MORTALIDADE DE PACIENTES EM HOSPITAIS MILITARES ERA DE 42%, PORÉM NIGHTINGALE REDUZIU ESTE NÚMERO COM SUAS MEDIDAS RIGOROSAS DE HIGIENE.

Foram as histórias de terror sobre o destino terrível de milhares de soldados britânicos – feridos em batalha, mal alimentados, malvestidos, sem remédios e assolados por surtos de cólera – que motivaram o famoso engenheiro Isambard Kingdom Brunel (1806-1859) a planejar algum tipo de assistência. Jornalistas, como William Howard Russell (1820-1907), usaram o então novo telégrafo elétrico para enviar para casa relatórios chocantes das condições terríveis na guerra. Em apenas seis meses, de 1854 a 1855, dos 56.000 soldados britânicos enviados para a Crimeia, 34.000 morreram, e em aproximadamente 16.300 destes casos, a causa foi alguma doença. A enfermeira inglesa Florence Nightingale (1820-1910) também estava motivada para ajudar, tendo se tornado a supervisora da enfermagem nos hospitais do exército britânico, além de crítica explícita da inaptidão governamental e militar. A taxa de mortalidade de pacientes em hospitais militares era de 42%, porém Nightingale reduziu este número com suas medidas rigorosas de higiene, ventilação adequada e cuidados alimentares aos pacientes, reduzindo substancialmente as fatalidades de cólera, disenteria e tifo. Apesar do sucesso de suas novas medidas, Nightingale pressionou o governo para novas e melhores instalações médicas para os feridos de guerra.

Florence Nightingale
Florence Nightingale
Henry Hering (Public Domain)

A contribuição de Brunel para o esforço de guerra foi dupla: o navio a vapor gigante que ele concebeu e construiu, SS Great Western, utilizado como um navio para transporte de tropas, e o desenvolvimento de um modelo inteiramente novo de hospital. Brunel também elaborou planos para baterias de canhões flutuantes que poderiam ser utilizadas para atingir fortalezas costeiras, mas o Almirantado, uma instituição bastante pensativa e reconhecida pela sua falta de decisão em curtos períodos de tempo, não aprovou ou desaprovou os planos, sendo esta terceira ideia de assistência não implementada.

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Um Projeto Pré-fabricado

O principal hospital do exército britânico durante a Guerra da Crimeia foi em Scutari, mas a sua reputação era tão ruim que mais de uma fonte o descreveu como "uma vergonha nacional" (Bryan, 142). Scutari foi uma de diversas amostras de incompetência durante o conflito, o que levou à queda do governo em janeiro de 1855. Um novo governo, liderado por Lorde Palmerston, finalmente respondeu ao clamor público, lançando uma investigação conduzida por uma comissão sanitária sobre as condições na Crimeia. Em fevereiro, melhorias se iniciaram quando Brunel foi contatado por Benjamin Hawes, gestor de orçamentos do Gabinete de Guerra, além de amigo e cunhado de Brunel. Devido a necessidade urgente, foi pedido ao engenheiro que projetasse um hospital de campo completo, que pudesse ser enviado para a Crimeia e montado no local o mais rapidamente possível. Extremamente ciente das dificuldades enfrentadas no conflito, Brunel levou apenas algumas semanas para submeter os seus planos do hospital ao Gabinete de Guerra.

O hospital de Brunel deveria ser construído com seções pré-fabricadas que pudessem ser facilmente enviadas ao seu destino, sendo depois montado sem a necessidade de carpinteiros, marceneiros e encanadores especializados. A ideia de peças pré-fabricadas foi provavelmente inspirada pelo sucesso do gigantesco Palácio de Cristal, anfitrião da Grande Exposição de 1851 em Londres. O Palácio de Cristal foi concebido por Sir Joseph Paxton (1801-1865), com base na sua própria estrutura menor de vidro e ferro em Chatsworth House, lar do Duque de Devonshire. Ele teve de preencher o requisito de ser um edifício temporário, que fosse rápido de construir. O Palácio de Cristal tinha paredes de vidro e telhados suportados por estruturas de ferro assentadas em fundações de concreto; demorou apenas quatro meses para ser construído.

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Isambard Kingdom Brunel
Isambard Kingdom Brunel
Robert Howlett (Copyright)

O próprio Brunel havia utilizado elementos parcialmente pré-fabricados para construir a estação de Paddington, no terminal londrino da Great Western Railway. A pré-fabricação foi de acordo com a noção moderna de que os edifícios deveriam dar prioridade à forma e à função, em detrimento do aspecto decorativo. Além disso, a ideia de pré-fabricação era atraente a engenheiros como Brunel, que compreenderam que as novas capacidades das máquinas de produção em massa da Revolução Industrial eram um substituto mais eficiente e custo efetivo para um trabalhador qualificado.

BRUNEL NÃO ESQUECEU DE NENHUM DETALHE, INCLUINDO ATÉ MESMO O LOCAL DO PAPEL HIGIÊNICO NO SEU PROJETO GERAL.

Instalações Planejadas

Brunel desenvolveu a ideia da construção de diversas alas com as mesmas especificações. As unidades individuais das construções foram feitas de madeira, sendo especificamente concebidas de modo que cada peça não fosse demasiada pesada para ser carregada e colocada na posição correta por um ou dois homens. Cada construção tinha capacidade para 48 leitos, divididos equitativamente em duas alas, embora Brunel facilitasse a possibilidade de que cada construção fosse facilmente ampliada, se necessário. A capacidade total do hospital era de aproximadamente 1.000 leitos. O projeto incluía instalações para higiene pessoal e boas condições de higiene, com diversas torneiras de água, banheiros (incluindo banheiras adaptadas para uso de pacientes debilitados), estufas para aquecimento de água e das alas, sanitários, drenos e ventilação adequada fornecida por ventiladores. Havia também construções de ferro dedicadas à cozinha e à lavanderia. Brunel não esqueceu de nenhum detalhe, incluindo até mesmo o local do papel higiênico no seu projeto geral, quando tudo estivesse montado.

Todos estes elementos podem parecer bastante simples e óbvios atualmente, contudo, naquela época, eles eram revolucionários. O atendimento médico no campo de batalha ainda era, na melhor das hipóteses, rudimentar, comumente realizado em tendas de lona ou em uma propriedade privada requisitada com o propósito de ser utilizada como hospital temporário. A disponibilidade de equipamento dependia inteiramente da previsão individual de cada médico. Também era um período em que doenças, e não armas, eram os maiores assassinos na guerra, sendo que organizações como a Cruz Vermelha ainda não haviam sido fundadas (1863). O plano Renkioi estava certamente desbravando novos horizontes.

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Renkioi Hospital Plan
Projeto do Hospital Renkioi
wellcomeimages.org (CC BY-SA)

O projeto do hospital foi aprovado pelo Gabinete de Guerra e Brunel começou a construir os componentes individuais, planejando então a tremenda logística envolvida, não só no envio dos elementos pré-fabricados para a Crimeia – cerca de 11.500 toneladas de material no total – mas, também, garantindo que as ferramentas apropriadas e as instruções de montagem fossem enviadas junto. O projeto de Brunel significava que os homens não precisavam ser especialmente treinados para a construção do hospital no seu destino final. Tudo o que era necessário para montar o hospital eram navios de transporte, força muscular no local e um terreno relativamente plano.

Salvar Vidas

O assistente de Brunel, John Brunton, foi encarregado de supervisionar a construção do hospital em um novo local, Renkioi (ou Renkoi), em vez de em Scutari, a 160 km (100 milhas) de distância. Brunton foi nomeado major, partindo para a Crimeia em março com uma equipa de 30 membros do Army Works Corps. Enquanto isso, Brunel organizava o carregamento das construções pré-fabricadas, de modo que chegassem ao local em 7 de maio.

As primeiras construções, com os primeiros 300 leitos estavam prontos em meados de julho de 1855, mas a condução da guerra continuou a ser tão ineficiente como era, sendo que nenhum paciente foi internado no hospital até 2 de outubro. O problema era que Renkioi, selecionado pelo seu terreno plano, estava demasiado longe da frente de combate, sendo que os pacientes necessitavam ser trazidos por navio. O hospital só foi terminado em dezembro, quando todos os 1.000 leitos foram disponibilizados. O médico responsável por Renkioi, dr. Edmond Parkes, forneceu a seguinte descrição das instalações:

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A construção do hospital foi admiravelmente adaptada para os homens em recuperação de doenças. Como todas as alas se situavam no térreo, logo que um homem era capaz de arrastar-se, ele poderia se deslocar a uma área ventilada, quer fosse em um corredor fresco e abrigado ou nos espaços ao redor do hospital.

As expectativas que tínhamos sobre a qualidade do local e sua adaptabilidade como hospital foram confirmadas pela experiência de mais de um ano. O inverno foi ameno e o clima parecia especialmente adaptado às queixas pulmonares, das quais tínhamos um grande número. As mudanças de temperatura, verdade seja dita, foram muito repentinas e amplas, mas como os homens estavam em alas aquecidas, estas mudanças não foram sentidas, havendo poucos dias nos quais apenas os pacientes mais frágeis e debilitados não podiam ficar em um corredor abrigado por um curto período de tempo diário. (Shelley et al, 122)

Legado

Em fevereiro de 1856, o conflitou terminou. O Tratado de Paris encerrou a Guerra da Crimeia, após Rússia estar de acordo em respeitar a independência dos Principados do Danúbio. Embora o hospital de Brunel tenha permanecido em funcionamento por um período relativamente curto, ele realizou uma grande tarefa. No total, 1.351 pacientes haviam sido internados, e todos, exceto 50, apresentaram alguma recuperação. Esta foi uma taxa de sucesso espantosa, comparativamente com a situação prévia. Nightingale e Brunel nunca trabalharam juntos, provavelmente devido ao fato de a enfermeira ter criado inimigos em altas posições com suas críticas públicas ao manejo do conflito e ao tratamento dos feridos, contudo, esta dupla improvável, uma enfermeira e um engenheiro, haviam conseguido transformar as condutas em relação aos cuidados médicos em zonas de guerra. As provas desta mudança de abordagem foram vistas alguns anos mais tarde, durante a Guerra Civil Americana (1861-65), quando o desenho do hospital de Brunel foi adotado pelo Exército da União.

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Perguntas e respostas

O que eram os hospitais na Guerra da Crimeia?

Havia dois hospitais de destaque na Guerra da Crimeia. O primeiro, em Scutari, possuia uma péssima reputação pela sua falta de higiene, até que Florence Nightingale melhorou sua situação. O segundo hospital era Renkioi, um complexo pré-fabricado desenvolvido pelo engenheiro Brunel, com considerações avançadas em termos de saúde e higiene.

Em que hospital Florence Nightingale atuou na Crimeia?

Florence Nightingale atuou no hospital Scutari durante a Guerra da Crimeia, melhorando significativamente seu terrível registo de mortes devido a falta de saneamento e higiene.

O que havia de especial sobre o Hospital Renkioi?

O Hospital Renkioi foi inovador devido a sua construção pré-fabricada, além de incluir diversas características de projeto para a promoção de higiene e saneamento adequados, reduzindo, desse modo, as mortes evitáveis devido a doenças.

Sobre o tradutor

Fernando Bergel Lipp
Médico Infectologista no Rio Grande do Sul, Brasil, há duas décadas. Ampla experiência com literatura médica inglesa. Leitura como hobby de modo bilíngue (português/inglês).

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é um escritor a tempo inteiro, investigador, historiador e editor. Os seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações partilham. Tem um mestrado em Filosofia Política e é o Diretor Editorial da WHE.

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Estilo APA

Cartwright, M. (2023, março 29). Hospital Renkioi [Renkioi Hospital]. (F. B. Lipp, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-21717/hospital-renkioi/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "Hospital Renkioi." Traduzido por Fernando Bergel Lipp. World History Encyclopedia. Última modificação março 29, 2023. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-21717/hospital-renkioi/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "Hospital Renkioi." Traduzido por Fernando Bergel Lipp. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 29 mar 2023. Web. 12 out 2024.