
Charlotte Corday (1768-1793) desempenhou um papel proeminente na Revolução Francesa (1789-1799) ao assassinar o ativista radical Jean-Paul Marat em sua banheira em 13 de julho de 1793. Apesar da origem aristocrática, Corday era uma republicana declarada, convencida de que Marat e seus aliados jacobinos estavam corrompendo a alma da Revolução. Executada no dia 17 de julho, ela se tornou posteriormente uma mártir revolucionária.
A importância do assassinato de Marat por Corday vai além do protesto contra o derramamento de sangue do Reino do Terror, constituindo um exemplo de como as mulheres afetaram o curso da Revolução. As ações de Corday contribuíram para desafiar a percepção comum das mulheres como inerentemente apolíticas. Nos séculos após sua execução, ela passou a ser romantizada em poemas, arte e literatura; em 1847, o escritor Alphonse de Lamartine deu-lhe a alcunha de "Anjo do Assassinato".
Infância e Juventude
A assassina conhecida na história como Charlotte Corday nasceu com o nome de Marie-Anne-Charlotte Corday d 'Armont, no dia 27 de julho de 1768, em Saint-Saturnin, na Normandia. Seu pai, Jacques-François de Corday d'Armont, era o filho mais novo de uma família nobre empobrecida e descendente do célebre dramaturgo francês Pierre Corneille. Casou-se com a encantadora, mas igualmente destituída aristocrata Charlotte-Marie Gaultier des Authieux, com quem teve cinco filhos. Charlotte, a quarta criança, costumava ser chamada de Marie pelos familiares e amigos mais próximos. Sua infância transcorreu em relativa normalidade até abril de 1782, quando sua mãe e irmã mais velha morreram. Abatido pelo luto e incapaz de sustentar seus filhos, François Corday decidiu enviar Charlotte, então com 13 anos, e a irmã sobrevivente, Eleonore, para viver em Abbaye-aux-Dames, um convento em Caen, também na Normandia.
Em Caen, Corday recebeu uma excelente educação das freiras. Inicialmente uma garota tímida e desajeitada, ela aprendeu a se comportar de forma bem-educada e refinada, eventualmente exalando uma elegância tranquila que se adequava aos antecedentes aristocráticos. Destacou-se por seus talentos no desenho e canto e pela aparência física marcante; com um pouco mais de um metro e meio de altura, era esbelta, com olhos cinzentos suaves, testa alta e uma covinha no queixo. Tinha o cabelo castanho-claro e ondulado, um aspecto que seria contestado posteriormente devido ao famoso retrato de Jean-Jacques Hauer, no qual aparece com cabelos louros. Naturalmente inteligente e estudiosa, Corday frequentemente se refugiava na biblioteca do convento, absorvida na história grega e romana.
No entanto, à medida que entrava na idade adulta, Charlotte tornou-se cada vez mais consciente da crescente tensão política na França. Deixando de lado suas histórias da Antiguidade, ela começou a ler as obras de Jean-Jacques Rousseau e Voltaire, filósofos do Iluminismo muito populares na época entre os franceses. Ficou intrigada por suas ideias, tais como direitos naturais, contrato social e a separação de poderes. Quando a Revolução começou, em maio de 1789, ela se maravilhou com a velocidade das reformas e provavelmente aguardava ansiosamente pelas notícias que chegavam de Versalhes e Paris. Como republicana declarada, Corday deve ter aplaudido as primeiras realizações da Revolução, como os Decretos de Agosto e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
O apoio de Corday à Revolução não foi bem recebido na família. Seus irmãos deixaram a França em direção a Coblença, na Alemanha, para se juntar ao exército realista de emigrados que estava se reunindo na cidade. Na noite anterior à partida do irmão mais novo, a família promoveu um jantar de despedida e fez um brinde ao rei Luís XVI da França (reinado 1774-1792). Somente Charlotte recusou-se a brindar. Quando seu pai lhe perguntou a razão pela qual não bebia à saúde do seu "bom e virtuoso" rei, ela respondeu: "Acredito que ele seja virtuoso, mas um rei fraco não pode ser um bom rei. Ele é incapaz de evitar os infortúnios de seu povo" (Van Alstine, 45). Como resultado, houve um silêncio constrangido pelo resto do jantar. Mais tarde, quando indagada se era republicana, Corday respondeu: "Eu deveria ser, se os franceses fossem dignos de uma República" (Van Alstine, 43). Esta ocasião, no entanto, representou uma exceção em seu comportamento, pois ela geralmente evitava falar sobre política para não desagradar à família.
Para Salvar a Revolução
Em julho de 1790, a Assembleia Nacional revolucionária ordenou que todos os conventos e mosteiros da França fossem fechados, o que resultou na expulsão da jovem do local onde havia vivido nos últimos oito anos. Em vez de voltar para junto do pai, Corday permaneceu em Caen, mudando-se para a casa de sua prima, Madame de Bretheville. A despeito de suas diferenças políticas, elas se tornaram amigas íntimas e Charlotte foi nomeada única herdeira da prima.
Enquanto ela continuava sua vida em Caen, a Revolução tornava-se cada vez mais extrema e cheia de antagonismos. Em setembro de 1792, transcorriam as Guerras Revolucionárias Francesas (1792-1802), a monarquia fora derrubada e a surgia a Primeira República Francesa. Tais mudanças sociais tão bruscas inevitavelmente levaram a intensas discussões sobre o futuro da República nascente, que ficou aparente na rivalidade amarga entre as facções dos girondinos e jacobinos. Os girondinos dominavam a política revolucionária desde outubro de 1791, mas passaram a adotar uma posição mais moderada em face do populismo radical estimulado pelos jacobinos. Seus líderes se preocupavam que o destino da Revolução com frequência estivesse nas mãos das multidões de Paris, às custas do restante da França, e defendiam maior controle sobre o movimento. Em contraste, os jacobinos defendiam os anseios das classes baixas parisienses e queriam uma Revolução cada vez mais radical.
Como muitos outros nos departamentos (divisão administrativa equivalente a um estado ou província) franceses, Corday alinhava-se aos girondinos. Estava enojada pelas cenas de violência incentivadas por ativistas jacobinos, como os Massacres de Setembro de 1792, nos quais entre 1.100 e 1.400 prisoneiros parisienses pereceram nas mãos da multidão frenética. A violência política dos jacobinos teve um efeito pessoal sobre ela. Em abril de 1793, grupos de busca jacobinos estavam em busca do abade Gombault, padre contrarrevolucionário que havia administrado os últimos ritos à mãe moribunda de Charlotte. Arrastado de seu esconderijo, o abade foi executado no dia 5 de abril, o primeiro a ser guilhotinado em Caen. Após sua morte, a violência política em Caen ficou mais frequente. Panfletos atacando os jacobinos e os acusando de instigar a violência circulavam amplamente na cidade e é provável que Corday os tenha lido.
No dia 2 de junho de 1793, os girondinos mais proeminentes foram expulsos da Convenção Nacional pelas mesmas multidões que tanto temiam. Após a prisão de seus líderes, os girondinos remanescentes e seus apoiadores escaparam para o interior do país, onde protestavam contra o regime jacobino e urgiam que todos os verdadeiros patriotas se levantassem; as cidades de Lyon, Marselha e Bordeaux rebelaram-se, expulsando as administrações jacobinas e iniciando as Revoltas Federalistas. Caen também se tornou um bastião para os girondinos em fuga. Após o 2 de junho, os girondinos fugitivos passaram a residir no Hôtel de l'Intendance [a residência do administrador da província], que ficava à distância de uma curta caminhada da propriedade onde Corday vivia com sua prima. Certamente, Charlotte pode ter participado de suas reuniões e integrado as multidões que permaneciam sob a varanda do prédio, escutando discursos apaixonados. No dia 7 de julho, ela assistiu com crescente desconforto um desfile militar na cidade, numa demonstração de força desafiadora contra os jacobinos.
Charlotte se convenceu de que os jacobinos estavam conduzindo a França por um caminho sombrio e sangrento. Se não fossem detidos, ela acreditava sinceramente que a Revolução poderia se corromper de maneira irrevogável e haveria mais milhares de mortes. Em algum momento naquele verão, ela decidiu que o único meio de prevenir a guerra civil, o massacre e a calamidade seria matar um líder jacobino. Poderia ter escolhido Maximilien Robespierre ou Camille Desmoulins, entre outros, mas optou por Jean-Paul Marat, que, na sua opinião, merecia mais a morte.
Marat, médico de profissão antes da Revolução, tornou-se um ativista revolucionário proeminente e com frequência envolvido nos episódios mais sangrentos deste período. Seu jornal L'Ami du Peuple ("O Amigo do Povo") ajudou a instigar os tristemente célebres Massacres de Setembro e ele desempenhou um papel central na queda dos girondinos, que Corday acreditava serem os verdadeiros defensores da Revolução. Com a morte de Marat, ela estava convencida de que o pior dos excessos jacobinos poderia ser evitado, salvando a República de um colapso interno. Em julho, a jovem já havia decidido resolver o assunto por conta própria e deixou a casa da prima na tarde do dia 9, em direção a Paris.
Anjo do Assassinato
Corday chegou a Paris no dia 11 de julho, hospedando-se no Hôtel de la Providence, na rue des Vieux-Augustins. Originalmente, pretendia matar Marat em plena Convenção Nacional para enfatizar ao máximo sua mensagem, mas o ressurgimento de uma doença de pele que atormentava Marat há dois anos o confinou à banheira em sua casa na rue des Cordeliers. Mesmo desapontada, a jovem resolveu que iria adiante com o assassinato.
Às 8h do dia 13 de julho, Charlotte deixou seus alojamentos e caminhou até o Palais-Royal, lotado de forasteiros que tinham chegado à capital para as comemorações do Dia da Bastilha. Ela comprou um jornal que relatava as demandas dos jacobinos pela execução dos principais líderes girondinos e, em seguida, um chapéu preto, decorado com fitas verdes, que se tornaria famoso nos anos seguintes. A aquisição mais significativa naquela manhã, porém, foi numa cutelaria, onde comprou uma faca com cabo de madeira e lâmina de oito centímetros. Escondendo a arma debaixo do vestido, ela se encaminhou até a residência de Marat.
Chegou perto das 11h30 e foi recebida por Catherine Evrard, irmã da noiva de Marat, Simonne. Catherine não permitiu a entrada da jovem, informando-lhe que o ativista estava muito doente para receber visitas. Às 19h, Corday retornou. Sua chegada coincidiu com a entrega de pão fresco e dos jornais do dia, o que permitiu que ela se esgueirasse pela porta e subisse as escadas. Nesse momento, a própria Simonne a deteve, já que começava a suspeitar da determinação de Charlotte em se encontrar com Marat. Ao ser questionada, a jovem anunciou que tinha informações sobre traidores na Normandia, elevando deliberadamente a voz para poder ser ouvida pelo líder jacobino na sala ao lado. Simonne estava prestes a mandá-la embora quando uma voz veio do banheiro: "Deixe-a entrar". Relutante, Simonne conduziu Corday ao aposento, onde o ativista estava mergulhado na banheira, com uma tábua estendida diante de si para servir como escrivaninha.
Por 15 minutos, ele questionou Corday a respeito dos supostos traidores girondinos em Caen. Ele indagou seus nomes e Charlotte forneceu uma lista. "Ótimo", disse Marat, quando ela terminou. "Em poucos dias, serão todos guilhotinados" (Schama, 736). Ao ouvir essas palavras, Corday atacou. Ela pegou a faca embaixo do vestido e golpeou Marat do lado direito, logo abaixo da clavícula. O ativista gritou de dor e exclamou: "Me ajude, minha amada!" Mas quando Simonne entrou correndo no aposento, Marat já estava inconsciente, a água do banho colorida num doentio tom de vermelho.
Simonne começou a gritar. "Meu Deus", exclamou, "ele foi assassinado!" (Schama, 737). Como a janela do banheiro estava aberta, a comoção logo atraiu outras pessoas para o aposento. O primeiro a entrar foi Laurent Bas, que trabalhava para Marat na entrega de jornais. Horrorizado, Bas apanhou uma cadeira e a atirou em Corday, antes de subjugá-la. Ele a manteve presa ao chão enquanto os vizinhos iam entrando no recinto. Dois deles, um dentista e um cirurgião, ergueram o corpo de Marat da banheira e tentaram estancar o sangramento. De nada adiantou; o Amigo do Povo estava morto.
Em uma hora, a notícia do assassinato se espalhou e uma multidão se formou do lado de fora do apartamento. Um comitê de seis deputados da Convenção Nacional logo chegou para interrogar a assassina. Eles a encontraram ainda sentada no apartamento, vigiada pelos vizinhos que a prenderam, sem ter esboçado nenhuma tentativa de resistir ou escapar. Charlotte respondeu às perguntas que lhe foram feitas, informando aos deputados que havia vindo a Paris com a única intenção de matar Marat e que havia agido sozinha. Os deputados não acreditaram nessa versão; certamente, ela era apenas uma peoa em alguma conspiração maior. Ordenaram então que fosse levada para a prisão de Abbaye, onde passou a noite num colchão de palha, tendo como única companhia um gato preto. Ironicamente, aquela prisão tinha sido o primeiro alvo dos Massacres de setembro; a cela que lhe foi destinada já abrigara Jacques-Pierre Brissot e Madame Roland, dois de seus heróis girondinos.
Mártir Revolucionária
A morte de Marat provocou ondas de choque por toda Paris. Quase tão chocante quanto o assassinato em si era o fato de ter sido cometido por uma mulher. Ainda que não houvesse dúvida sobre a culpa de Charlotte, isso contrariava a concepção amplamente aceita de que as mulheres seriam incapazes de cometer tais atos por vontade própria. Muitos estavam convencidos de que um homem a havia forçado a matar Marat. Os jacobinos se esforçaram para comprovar essa narrativa, na esperança de que a assassina admitisse uma conspiração girondina mais ampla. Com esse objetivo, a interrogaram três vezes antes do julgamento no Tribunal Revolucionário. Em dois deles, ela foi questionada pelo presidente do Tribunal, Jacques-Bernard-Marie Montané, que fez o possível para revelar detalhes da suposta conspiração.
Mas ele não teria essa sorte. Em cada uma das ocasiões, Charlotte orgulhosamente insistiu que havia agido sozinha. Quando indagada por que havia matado Marat, ela respondeu: "Sabia que ele estava pervertendo a França. Matei um homem para salvar milhares [...] Eu já era republicana antes da Revolução e nunca me faltou energia" (Andress, 189). Montané então indagou quem a havia aconselhado a cometer o homicídio, e ela respondeu:
Corday: Jamais teria cometido tal ato por conselho de outras pessoas. Concebi esse plano e o executei por conta própria.
Montané: Mas como devemos acreditar que você não foi aconselhada de alguma forma quando nos diz que considera Marat a causa de todos os males da França, aquele que nunca deixou de desmascarar traidores e conspiradores?
Corday: É somente em Paris que o povo o vê desta forma. Em outros departamentos, ele é visto como um monstro.
Montané: Como pode considerar Marat um monstro quando ele foi o único a permitir que fosse vê-lo, num ato de humanidade, porque você lhe escreveu dizendo que estava sendo perseguida?
Corday: Que diferença faz que ele tenha sido humano em relação a mim se era um monstro com os outros?
Montané: Você pensa que matou todos os Marats?
Corday: Com esse morto, o restante, talvez, tremerá. (Schama, 739)
Como havia admitido sua culpa sem rodeios e sustentado que havia agido sozinha, o julgamento de Corday teve curta duração. Sua defesa ficou a cargo de Claude François Chauveau-Lagarde, que defenderia mais tarde Maria Antonieta, ainda que não houvesse dúvida sobre o resultado. Ela foi condenada a morrer pela guilhotina no dia 17 de julho. Enquanto o veredito era anunciado, Charlotte notou que um oficial da Guarda Nacional fazia um desenho dela. Isso despertou sua atenção e ela indagou à corte se seria possível posar para um retrato completo antes da execução. Ao ter seu pedido concedido, Charlotte pediu ao oficial, Jean-Jacques Hauer, que transformasse o desenho numa pintura.
Nas suas duas horas finais de vida, Corday sentou-se com Hauer na Conciergerie [prédio que abrigava o tribunal revolucionário], fazendo comentários sobre o retrato que se tornaria famoso, consolidando sua condição de mártir. Antes do término do trabalho, o executor, Charles-Henri Sanson, chegou para levar Charlotte. Quando se levantou, ela cortou uma mecha de cabelo e a deu a Hauer, como símbolo de sua apreciação. Vestida num vestido vermelho que demonstrava sua traição, Charlotte subiu numa carroça, recusando um assento e um confessor. Enquanto trafegava pelas ruas de Paris, uma súbita tempestade de verão irrompeu, encharcando a assassina e dando-lhe uma aparência etérea, quase angelical. "Por oito dias", escreveu um observador que a viu passar, "fiquei apaixonado por Charlotte Corday" (Schama, 741).
Charlotte Corday foi executada na guilhotina no dia 17 de julho de 1793, dez dias antes do seu 25° aniversário. Após a decapitação, um assistente do executor apanhou a cabeça decepada e deu-lhe um tapa na bochecha. Conforme a lenda, a cabeça ficou ruborizada com o tapa, uma história que passou a ser contada como suposta evidência de que os humanos retêm a consciência por alguns instantes após a decapitação. Os jacobinos ordenaram uma autópsia para atestar sua virgindade, ainda convencidos de que tinha agido sob as ordens de um homem, talvez um amante. O relatório da autópsia atestou que, de fato, ela era virgem.
O legado de Charlotte Corday é controverso. Ao matar Marat, ela inadvertidamente forneceu aos jacobinos um mártir; ao morrer pela causa girondina, tornou-se também um símbolo. Longe de salvar a França da guerra civil e do Reino do Terror, o massacre só piorou após o assassinato. Além disso, Charlotte falhou em conquistar o apoio das mulheres revolucionárias que, de maneira geral, ficaram chocadas com seu ato. Na verdade, acredita-se que a ação contribuiu para a decisão de guilhotinar revolucionárias proeminentes, como Madame Roland e Olympe de Gouges. Ainda assim, Corday alterou a percepção das mulheres durante a Revolução no que se refere à ação pessoal e a capacidade de agir conforme as próprias crenças. Por esta razão, algumas feministas contemporâneas que não condenaram seu ato a viram como uma heroína. Nos séculos após sua morte, Corday foi mitificada em pinturas, poemas e literatura, transformando-se numa figura popular na história francesa.