Batalha de Adrianópolis

Definição

Donald L. Wasson
por , traduzido por Rogério Cardoso
publicado em 26 agosto 2019
Disponível noutras línguas: Inglês, francês
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Visigoth warriors (by The Creative Assembly, CC BY-NC-SA)
Guerreiros visigodos
The Creative Assembly (CC BY-NC-SA)

A Batalha de Adrianópolis em 9 de agosto de 378 d.C. figura entre as piores derrotas militares de toda a história romana. As suas perdas estimadas em mais de 10.000 homens são comparáveis às perdas nas derrotas romanas em Canas (216 a.C.) e em Carras (53 a.C.). A batalha pôs face a face os germânicos ostrogodos e visigodos liderados pelo chefe tervíngio Fritigerno (c. ?-380 d.C.) contra o imperador romano Valente, que era impopular e sedento por glórias. A desastrosa derrota expôs as fraquezas militares romanas, que mais tarde ensejariam futuros ataques bárbaros, criando um efeito dominó que ocasionaria o declínio final e a posterior queda do Império Romano do Ocidente. Contudo, muitos historiadores concordam que boa parte da culpa pela trágica derrota se deve à má liderança do imperador Valente, e não à inépcia do exército romano. Em sua História Romana, o historiador do século IV d.C. Amiano Marcelino disse: "Os anais não registram outro massacre em batalha como esse, à exceção daquele em Canas, embora mais de uma vez os romanos, enganados pelos ventos adversos da fortuna, tenham adentrado numa época de insucessos nas suas guerras..." (481).

Prelúdio

As hostilidades entre os godos e os romanos começaram de maneira bem inofensiva. Conforme os nômades hunos se moviam rumo ao oeste pela Ásia causando destruição, os visigodos, que somavam mais de 200.000 indivíduos, saíram do atual território da Ucrânia em direção à fronteira do Império Romano e, em 376 d.C., cruzaram o rio Danúbio e se estabeleceram na Trácia. Como os hunos continuaram avançando rumo ao oeste em direção à Europa, as lideranças godas e romanas fizeram uma aliança, de modo que às tribos fosse, enfim, dada a permissão de aí se estabelecerem permanentemente. Era uma aliança impopular entre muitos romanos. No entanto, a permissão foi dada com um aviso: em troca de terras e provisões, os godos tinham de prometer o envio de soldados ao exército romano. Outras exigências foram feitas logo depois por inescrupulosos comandantes romanos (Lupicino e Máximo): enviar as crianças para trabalharem como escravos e entregar todas as armas.

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O ego e o desejo de glórias do imperador Valente desencadeariam um desastre. A derrota em Adrianópolis seria o capítulo final de um reinado turbulento.

Encarando a inanição devido às provisões inadequadas e à fome generalizada, os godos se insurgiram contra os romanos. Após a malograda tentativa de assassinar os líderes godos Fritigerno e Alavivo, o dito Fritigerno e seus companheiros tervíngios começaram a pilhar os campos. Conforme as incursões continuavam, os romanos e os godos acabaram por se enfrentar na Batalha de Marcianópolis em 376 d.C. e na Batalha Ad Salices (ou Batalha dos Salgueiros) em 377 d.C. Em 378 d.C., os contínuos reveses se mostraram demasiado embaraçosos para os líderes romanos, em especial para o imperador Valente, que estava engajado em batalhas mais ao leste contra os persas. Porém, quando os godos se aproximaram de Constantinopla, Valente atendeu aos apelos desesperados dos seus cidadãos, retornou à cidade e marchou contra Fritigerno.

Infelizmente para Roma, o ego e o desejo de glórias do imperador Valente desencadeariam um desastre. A derrota em Adrianópolis seria o capítulo final de um reinado turbulento. Em 364 d.C., o imperador romano Valentiniano I (r. 364-375 d.C.) havia indicado o seu irmão mais novo para ser coimperador e governar o Oriente, cuja capital era Constantinopla. A princípio, a inadvertida indicação levou ao trono um capaz e bem-sucedido líder militar, embora fosse impopular. A impopularidade de Valente advinha, sobretudo, do seu apoio aos cristãos arianos, enfurecendo tanto os não cristãos quanto os cristãos tradicionais.

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Preparação para a Batalha

Com a morte de Valentiniano em 375 d.C., Graciano, o filho de 16 anos de Valentiniano, sucedeu o pai como coimperador e comandante no Ocidente. Embora fosse considerado de início muito jovem e inexperiente, Graciano provaria ser um líder hábil e, ao lado de hábeis comandantes, obteria considerável sucesso na Gália. Infelizmente para o inquieto e invejoso Valente, ele não conseguiria enviar ajuda ao seu tio contra os godos em Adrianópolis.

Valens, Capitoline Museums
Valente, Museus Capitolinos
Mark Cartwright (CC BY-NC-SA)

Enquanto Valente e seu exército aguardavam ansiosamente pela chegada do sobrinho no calor nos arredores de Constantinopla, fontes não confiáveis disseram-lhe que as forças góticas somavam apenas cerca de 10.000 homens, fazendo-o crer que ele facilmente os superaria em números. Ele não podia esperar mais. Assim como Marco Licínio Crasso em Carras, Valente desejava obter toda a glória para si. Instigado à batalha pelos seus conselheiros mais próximos, que o estimularam "a ir depressa a fim de que Graciano não pudesse ter qualquer participação numa vitória que já estava conquistada", ele deixou o acampamento e marchou oito milhas (≅ 12,87 km) até Adrianópolis, onde em breve encontraria a morte (Amiano Marcelino, 465).

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[Valente estava ansioso para travar a batalha]... e disposto a realizar algum feito glorioso para equiparar-se ao seu jovem sobrinho, cujas bravas façanhas o deixaram com inveja. Ele tinha sob seu comando uma força composta por elementos variados, que não era nem desprezível, nem inexperiente em guerras; a ele juntou-se também um grande número de veteranos. (Amiano Marcelino, 465).

As fontes divergem quanto ao verdadeiro tamanho de ambos os exércitos, mas a maioria concorda que os tervíngios comandados por Fritigerno somavam inicialmente cerca de 10.000 homens, e não os quase 100.000 que algumas relatam. Valente não tinha ciência de que 10.000 cavaleiros greutungos adicionais estavam coletando alimentos longe dali nem de que estes chegariam mais tarde. A maior parte das fontes estima que as forças de Valente somavam algo entre 10 e 15.000 homens. Amiano escreveu que

o imperador foi certificado pelos seus escaramuçadores de que toda aquela parcela da horda inimiga que eles haviam visto consistia em apenas dez mil homens e, impelido por um certo ardor impulsivo, ordenou-lhes que atacassem imediatamente. (465).

Na noite anterior à batalha, o comandante gótico enviou um sacerdote cristão para negociar uma possível paz, mas Valente ignorou quaisquer tentativas nesse sentido. Depois, na manhã de 9 de agosto, Fritigerno enviou mais dois emissários para propor uma trégua. Entretanto, historiadores creem que essa última tentativa foi apenas uma tática dilatória a fim de aguardar a chegada dos greutungos. Amiano reforçou tal crença ao escrever que, enquanto os romanos estavam estabelecendo a sua linha de defesa, os bárbaros ficaram aterrorizados com a vista e o som das "flechas sibilantes" e decidiram enviar emissários para implorar pela paz. Ele, no entanto, via tudo isso como um plano "a fim de que, durante a pretensa trégua, a sua cavalaria (os greutungos) pudesse retornar." (469). Os godos também contavam com outro possível aliado: o sol extremo de agosto. Os romanos não estavam apenas cansados, famintos e sedentos devido à sua longa marcha, mas também abatidos pelo intenso calor do verão ou "exaustos pela secura de suas gargantas".

A Batalha

Na manhã do dia 9, o exército romano, deixando para trás as suas provisões, saiu em marcha do seu acampamento para encarar as forças góticas, que já se haviam estabelecido numa posição defensiva dentro de um círculo de carroças contendo mulheres, idosos, crianças e suprimentos.

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Então, depois de percorrer rapidamente uma longa distância em terreno acidentado, enquanto aquele dia calorento avançava rumo ao meio-dia, finalmente, à oitava hora, eles avistaram as carroças do inimigo, as quais, conforme os batedores haviam relatado, estavam dispostas na forma de um círculo perfeito. (Amiano Marcelino, 465).

Como parte de suas forças ainda estava longe coletando alimentos, o exército de Fritigerno (composto mormente por infantaria, com um certo número de arqueiros) tomou uma posição estratégica num terreno elevado próximo, a partir do qual poderiam avançar impetuosamente sobre os romanos, quando necessário. Por muitos anos, os romanos haviam dependido, em grande medida, da sua infantaria. A sua cavalaria, porém, se havia mostrado por demais imprevisível e não havia sido de todo integrada ao exército, constituindo apenas um quarto das forças romanas. O exército, enfim, se organizou em duas linhas de infantaria pesada ao centro, com escaramuçadores (infantaria leve) à sua frente e a cavalaria nos flancos esquerdo e direito. Amiano escreveu:

E, enquanto os soldados bárbaros, segundo o seu costume, emitiam ruídos selvagens e sombrios, o líder romano dispôs suas linhas de batalha de modo que a cavalaria à direita avançasse primeiro, deixando boa parte da infantaria aguardando na reserva (469).

Como de costume, a infantaria romana, que consistia em inúmeros veteranos já experimentados, estava equipada com a usual cota de malha, escudos redondos e espadas longas. Embora grande parte das forças romanas sequer tenha sido inteiramente empregada, duas unidades de cavalaria, agindo sem terem recebido ordens, se lançaram a um ataque malsucedido e foram rapidamente repelidas. A batalha havia começado.

Battle of Adrianople 378 CE
Batalha de Adrianópolis, 378 d.C.
Bitva_u_Adrianopole.gif: Elias84 derivative work: Dipa_1965 (Public Domain)

Por mais que as forças romanas não estivessem de todo preparadas, a ala esquerda foi lançada ao ataque. Embora tenha conseguido um grande progresso - empurrando os godos de volta ao círculo de carroças - os romanos não conseguiram antever a chegada dos mui aguardados greutungos, acompanhados tanto pelos hunos quanto pelos alanos. Segundo o relato de Amiano,

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... a ala esquerda, que havia chegado até as próprias carroças e teria ido mais além se houvesse tido algum apoio, ao ser abandonada pelo resto da cavalaria, foi duramente pressionada pelos inúmeros inimigos e acabou reprimida e esmagada como se fosse pela queda de uma possante muralha (475).

A ala esquerda romana fora atacada e completamente despedaçada. Os membros sobreviventes da esquerda romana abandonaram o campo de batalha, deixando a infantaria inteiramente exposta. Os terungos que ainda estavam posicionados em terreno elevado entraram em ação e atacaram a linha de infantaria romana. Os exaustos romanos foram atacados tanto pela frente quanto pelos flancos. Amiano deu um relato detalhado do que se seguiu:

Os soldados a pé, então, ficaram desprotegidos, e suas formações estavam tão amontoadas que dificilmente alguém poderia sacar a espada ou recuar o braço. Devido às nuvens de poeira, os céus não mais poderiam ser vistos, ao que se juntaram os ecos de gritos aterrorizados. Destarte, as flechas, assobiando a morte por todos os lados, sempre encontravam seus alvos com efeito fatal, dado que eles não poderiam vê-las de antemão nem se defender delas (475).

Os romanos não mais conseguiam manobrar, porém o pior de tudo era que eles não conseguiam se defender porque não podiam sequer sacar suas espadas. Eles estavam cercados.

... os bárbaros, despejando enormes hordas, pisoteavam cavalos e homens, de modo que, ao pressionarem as fileiras, não se conseguisse em nenhuma parte um espaço para uma retirada, pois a crescente aglomeração não dava qualquer oportunidade de escape; os nossos soldados, mostrando-se extremamente despreocupados em morrer no combate, receberam seus golpes fatais... (Amiano Marcelino, 475).

Assim como em Carras, os arqueiros góticos dispararam flechas sobre os romanos amontoados. Os sobreviventes logo romperam as fileiras e tentaram fugir, mas acabaram abatidos pelos godos na fuga. A descrição de Amiano do intenso combate e do horror da luta pode ser visto nesta descrição do campo de batalha: "... quando toda a cena foi descolorida com a tonalidade de sangue enegrecido, e, para onde quer que os homens volvessem os olhos, encontravam-se perante pilhas de cadáveres; eles pisavam nos corpos dos mortos sem piedade." (477).

Roman Cavalryman Model
Modelo de cavaleiro romano
Carole Raddato (CC BY-SA)

Restaram o imperador Valente e cerca de 1.500 homens. Mesmo as reservas haviam fugido. Os relatos sobre a morte de Valente variam. Ao cabo, seu corpo ferido foi supostamente levado por seus companheiros a uma casa rústica próxima que os godos em seguida queimaram.

Logo ao chegar a escuridão, o imperador, no meio de soldados comuns, segundo se supôs, caiu morto ao ser ferido por uma flecha e presencialmente suspirou o seu último suspiro; depois disso, ele não foi encontrado em lugar nenhum. (Amiano Marcelino, 481).

Ao todo, dois terços das forças romanas, incluindo Valente, morreram. Seu corpo jamais seria encontrado.

Destarte, morreu Valente com quase cinquenta anos, após um reinado que durou pouco menos que catorze anos. Dos seus méritos, conhecidos por todos, havemos de falar agora e também dos seus defeitos. Ele era um amigo firme e leal, severo na punição de planos ambiciosos, rígido na manutenção da disciplina no exército e na vida civil... (e) justo na governança das províncias (484).

No entanto, ele era "ávido por grandes riquezas, impaciente na labuta, procurando mostrar uma austeridade que estava mais inclinada à crueldade..." (487). Amiano acrescentou que ele era injusto, irascível, além de procrastinador e irresoluto.

Conclusão

Parte da culpa pela derrota romana em Adrianópolis deve ser atribuída ao imperador Valente. Assim como Crasso em Carras, Valente estava buscando glória para si próprio e errou ao não esperar que o seu sobrinho chegasse do Ocidente. Ele tivera algum sucesso contra os godos antes e, quando certas fontes não confiáveis lhe informaram que os inimigos estariam em pequeno número, ele decidiu não esperar por Graciano e, infelizmente, marchou em direção à própria morte, levando consigo mais de 10.000 homens. Tendo o sobrinho obtido sucesso na Gália, Valente queria também obter sucesso contra as forças godas, a fim de que a glória fosse sua e apenas sua.

Sem desconsiderar por completo as falhas de Valente, os historiadores atribuem a derrota a três razões principais:

  1. baixo moral - o exército romano estava cansado, faminto e sedento quando chegou a Adrianópolis;
  2. reconhecimento insuficiente e inadequado - Valente não tinha qualquer ciência dos 10.000 cavaleiros greutungos que se juntariam depois a Fritigerno;
  3. a inadequadamente treinada cavalaria romana - a cavalaria romana realizou uma série de ataques desorganizados e malogrados contra os godos. Esses ataques malogrados deixaram o flanco esquerdo romano desprotegido.

Quando Fritigerno e seus homens atacaram os romanos pela frente e pelo lado, o caos se instalou. Os esmagadores números das forças góticas fizeram com que os soldados romanos fugissem do campo de batalha. Valente foi deixado sozinho com apenas um punhado de homens; seu corpo jamais foi encontrado.

Infelizmente para Fritigerno, ele e seu exército não conseguiriam tirar proveito da sua vitória em Adrianópolis nem obter sucessos posteriores contra os romanos. Não conseguindo capturar Adrianópolis - afinal, os godos não tinham armamento de cerco -, a Guerra Gótica (376-382 d.C.) continuou gerando destruição ao longo da fronteira romana. Finalmente, em 382 d.C., o imperador Teodósio I e os godos acordaram a paz por meio de uma aliança que garantia terras em troca de soldados para servirem no exército romano. A derrota em Adrianópolis demonstrou as fraquezas militares romanas, de modo que, nas décadas subsequentes, o Império Ocidental prosseguisse numa espiral descendente até que Alarico, líder visigodo e ex-comandante romano, invadisse e saqueasse Roma em 410 d.C. A parte ocidental colapsou - o último imperador Rômulo Augústulo abriu mão do trono em 476 d.C. -, mas o Império Oriental persistiu até ser tomado pelos turcos otomanos em 1453.

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Sobre o tradutor

Rogério Cardoso
Rogério Cardoso nasceu em Manaus, Brasil, onde inicialmente obteve um grau em Letras Portuguesas, e mais tarde se mudou para São Paulo, onde obteve um grau de mestre em Filologia Portuguesa. Ele é um entusiasta da História.

Sobre o autor

Donald L. Wasson
Donald ensina História Antiga, Medieval e dos Estados Unidos no Lincoln College (Normal, Illinois) e sempre foi e sempre será um estudante de história, dedicando-se, desde então, a se aprofundar no conhecimento sobre Alexandre, o Grande. É uma pessoa ávida a transmitir conhecimentos aos seus estudantes.

Citar este trabalho

Estilo APA

Wasson, D. L. (2019, agosto 26). Batalha de Adrianópolis [Battle of Adrianople]. (R. Cardoso, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-18429/batalha-de-adrianopolis/

Estilo Chicago

Wasson, Donald L.. "Batalha de Adrianópolis." Traduzido por Rogério Cardoso. World History Encyclopedia. Última modificação agosto 26, 2019. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-18429/batalha-de-adrianopolis/.

Estilo MLA

Wasson, Donald L.. "Batalha de Adrianópolis." Traduzido por Rogério Cardoso. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 26 ago 2019. Web. 31 out 2024.