Wallis Simpson (1896–1986) é frequentemente lembrada como a esposa do rei Eduardo VIII, o duque de Windsor. Monarca britânico em 1936 por menos de um ano, Eduardo preferiu abdicar do trono para poder se casar com Wallis, uma americana considerada inadequada para o papel de rainha consorte por já ter se divorciado duas vezes. Antes de conhecer Eduardo, Wallis passou um ano na China, tempo que deu origem a inúmeros rumores. Nesta entrevista, James Blake Wiener conversa com Paul French, autor do livro Her Lotus Year: China, The Roaring Twenties and the Making of Wallis Simpson (2024). Paul French é um escritor e jornalista britânico que trabalhou em Xangai por muitos anos.
JBW: Wallis Simpson é frequentemente lembrada por seu papel na crise de abdicação britânica de 1936, mas Her Lotus Year a apresenta sob uma nova luz, como uma personalidade mais complexa. Paul, o que o motivou a reexaminar a estadia de Wallis na China e a escrever este livro?
PF: Morei em Xangai por muitos anos, e os visitantes frequentemente perguntavam sobre todos os rumores escandalosos que envolvem a passagem de Wallis pela cidade. Os tabloides britânicos, em particular, mencionam repetidamente rumores sobre supostas infidelidades sexuais de Wallis em Xangai, sugerindo seu envolvimento em tudo, desde prostituição e redes de jogo até ligações com traficantes de ópio, quadrilhas de sabotagem de corridas de cavalos, poses para fotografias pornográficas, inúmeros casos amorosos, entre outros. Achei que era hora de examinar mais de perto essas alegações - que contribuíram significativamente para arruinar sua reputação em 1936, por ocasião da Crise de Abdicação.
Além disso, o ano que ela passou na China — do verão de 1924 ao verão de 1925 — foi um período extremamente turbulento e politicamente conturbado, marcado por greves, comandantes regionais e banditismo. Foi um ano realmente crucial na história moderna da China, situado entre o fim da dinastia Qing e a criação da república em 1911, e o ataque japonês à China em 1937. Achei que poderia ser interessante mostrar aquele ano e seus acontecimentos através dos olhos de alguém com quem o público ocidental talvez tenha alguma familiaridade.
JBW: Você se especializou por muito tempo em história chinesa, e claramente é uma paixão sua. Durante a pesquisa para este livro, quais foram as descobertas ou documentos encontrados nos arquivos que mais o surpreenderam sobre a passagem de Wallis pela China? Existe alguma descoberta ou fato em particular que deveríamos conhecer?
PF: Na verdade, todos os rumores eram falsos. Mas, na verdade, essas histórias realmente aconteceram - só que com outras pessoas. Os oficiais da inteligência britânica que elaboraram o chamado “Dossiê da China” sobre Wallis conheciam muito bem o submundo de Xangai e da antiga Pequim!
Sobre a própria Wallis, a maior revelação para mim (já que os rumores sobre ela em Xangai nunca me pareceram verdadeiros) foi descobrir que ela chegou a Hong Kong inicialmente acompanhada do seu primeiro marido, Win Spencer, um comandante da Marinha dos Estados Unidos destacado na região. Ele era um homem violento e alcoólico que a agredia fisicamente com frequência, e ela precisou fugir dele para se proteger. Não creio que, seja qual for a opinião sobre Wallis Simpson, muitas pessoas a vejam como uma mulher abusada que teve que fugir de um homem violento para os perigosos interiores da China em 1924.
JBW: Como uma mulher prestes a se divorciar em um país estrangeiro, Wallis enfrentava as pressões conflitantes da conformidade social e da ambição pessoal. De muitas maneiras, ela foi simultaneamente fruto de sua época e uma mulher à frente do seu tempo. Seria justo dizer que o período de Wallis na China atuou como um fator de transformação pessoal que mais tarde marcaria sua vida como Duquesa de Windsor?
PF: Com certeza. Foi preciso bastante tempo, muitas brigas e agressões antes de deixar Spencer em Hong Kong. Sua educação refinada em Baltimore era veementemente contrária ao divórcio e sempre partia do pressuposto de que a culpa pelo fim do casamento era da mulher. Mas, finalmente, ela obteve coragem e o deixou. Ela foi para Xangai acreditando que poderia conseguir o divórcio no consulado dos Estados Unidos. Ela acabou não conseguindo, mas já tinha se separado e estava na China.
Depois de Xangai, Wallis seguiu para Pequim e se encantou com a antiga capital. Foi em Pequim que ela viveu um romance verdadeiro e apaixonado, circulando entre os círculos diplomáticos estrangeiros e chineses, morando em um hutong, numa charmosa casa com pátio, e se transformando numa mulher mais cosmopolita, capaz de se relacionar na sociedade internacional. Ela também desenvolveu uma paixão pelo estilo chinês - cheongsams, jade, bordados, móveis, entre outros - que a acompanhou para sempre, onde quer que tenha morado depois.
JBW: Her Lotus Year retrata vividamente a vida dos expatriados na China durante a década de 1920. Você também destaca as interações de Wallis com outros personagens marcantes. Quão representativa - ou excepcional - foi a experiência de Wallis em comparação com outras mulheres ocidentais na China durante as décadas de 1920 e 1930?
PF: Mulheres ocidentais independentes eram surpreendentemente comuns na Pequim dos anos 1920. Acredito que existam várias razões para isso, incluindo o grande número de mulheres europeias e americanas solteiras (muitas viúvas após a Primeira Guerra Mundial), a expansão das rotas de navios transatlânticos até o norte da China e o fato de que, em uma cidade chinesa (ao contrário de uma colônia como Hong Kong ou um porto controlado por estrangeiros como Xangai), elas podiam ser empreendedoras. Simplesmente, em Pequim, elas não eram regidas pelas regras e convenções sociais de seus países de origem. Acredito que seja por essa mesma razão que tantos estetas gays também se reuniam em Pequim. Quase se tornou uma espécie de posto avançado asiático da famosa Geração Perdida, que normalmente associamos a Paris nos anos 1920.
JBW: Sua experiência em narrativa de não-ficção e em contar histórias fica evidente ao longo de toda a obra. Como você equilibrou a precisão histórica com a criação de um retrato envolvente e humanizador de Wallis Simpson em Her Lotus Year?
PF: Em meus dois livros anteriores - Midnight in Peking e City of Devils - procurei reconstruir crimes reais na China do período entre guerras utilizando a não-ficção literária, ou seja, faço toda a pesquisa e depois escrevo com as técnicas e o estilo de um romancista. Mas nunca invento personagens, nomes, lugares ou acontecimentos. Por isso, faço notas de rodapé e cito as fontes utilizadas. Você pode verificar a minha pesquisa. Mas eu quero criar narrativas envolventes que levem aspectos da história moderna da China a um público mais amplo do que aquele que normalmente compraria um livro de história mais convencional. Sejamos honestos: a história chinesa é difícil para muitos leitores ocidentais, por mais fascinados que estejam pelo país e pela época - a China tem MUITA história, os nomes podem ser complicados para quem é do Ocidente, e os lugares e eventos (quem estuda história chinesa nas escolas da Europa ou dos Estados Unidos?) são desconhecidos. Mas, talvez ao enquadrar a história em gêneros populares como histórias de crimes reais ou biografia real, eu consiga atrair um público mais amplo, sempre garantindo que os interessados em história da China também sintam que estão recebendo algo original.
JBW: Paul, agradecemos imensamente por dedicar seu tempo e compartilhar sua experiência com nossos leitores! Em nome da World History Encyclopedia, desejo a você muitas jornadas felizes em suas pesquisas.