Budismo no Japão Antigo

Artigo

Mark Cartwright
por , traduzido por Ingrid Kaori Nakau
publicado em
Disponível : Inglês, francês, espanhol
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O Budismo foi introduzido ao Japão antigo através da Coreia no século VI d.C., com várias seitas (ou escolas) inseridas nos séculos posteriores através da China. Foi facilmente aceito pela elite e também pela população comum, pois confirmou a situação política e econômica atual da época, ofereceu uma reafirmação acolhedora para o mistério da vida após a morte, e complementou crenças xintoístas existentes. Mosteiros budistas foram fundados por todo o país, e tornaram-se figuras políticas importantes no seu próprio direito. O Budismo foi também um fator importante para o desenvolvimento da alfabetização, educação no geral, e para as artes no Japão antigo.

Kokuzo Bosatsu, Todaiji
Kokuzo Bosatsu, Todaiji
James Blake Wiener (CC BY-NC-SA)

Introdução ao Japão

O Budismo foi introduzido ao Japão nos anos 538, ou 552. (data tradicional), pelo Reino Baekje(Paekche) da Coreia. Foi adotado especialmente pelo Clã Soga, que possuía raízes coreanas, e foi praticado pela relevante população coreana imigrante no Japão naquele tempo. O Budismo recebeu apoio oficial do governo em 587 durante o reinado do Imperador Yomei (585-587), mesmo com a oposição à nova religião por parte de alguns clãs aristocráticos (especialmente o Monobe e o Nakatomi) e a sua manutenção de crenças puramente Xintoístas. O Budismo reforçou a ideia de uma sociedade em camadas com diferentes níveis de status social, com o imperador no topo e protegido pelos Quatro Reis Guardiões das leis Budistas. A aristocracia também poderia facilmente afirmar que eles gozavam de sua posição privilegiada na sociedade, porque haviam acumulado méritos em uma vida passada.

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APÓS A RELIGIÃO SER OFICIALMENTE ADOTADA, MONGES, ESTUDIOSOS & ESTUDANTES FORAM FREQUENTEMENTE ENVIADOS À CHINA PARA APRENDER OS PRINCÍPIOS DO BUDISMO DE MANEIRA MAIS PROFUNDA.

Além do reforço que o Budismo deu à situação atual, era esperado que a adoção da nova religião fosse observada de maneira favorável pelas culturas mais avançadas dos vizinhos Coreia e China, e melhoraria a reputação do Japão como uma nação civilizada da Ásia Oriental. Após a religião ser oficialmente adotada, monges, estudiosos e estudantes foram frequentemente enviados à China para aprender os princípios do Budismo de maneira mais profunda, e para trazer o conhecimento, juntamente com a arte e até mesmo relíquias, para o benefício do povo japonês.

Príncipe Shotoku & a Dispersão do Budismo

O homem que leva o crédito por ter colocado o Budismo à frente entre as práticas religiosas japonesas é o Príncipe Shotoku (574-622), que governou o Japão como regente de 594 até a sua morte. Shotoku ficou conhecido por redigir uma nova constituição (ou, talvez mais precisamente, um código de ética), em 604, chamada Ordenação dos Dezessete Artigos (Jushichijo-kenpo). Os pontos ali feitos tentaram justificar a centralização do governo e enfatizaram ambos os princípios Budistas e Confucionistas, especialmente a importância da harmonia (wa). Shotoku enfatizou, principalmente, a veneração pelo Budismo, como visto no Artigo II de sua constituição:

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Deveis venerar as Três Joias. As Três Joias são o Buda, o Dharma e o Sangha. São elas o centro da veneração de todos os seres viventes, o Princípio regedor de todas as nações. Em nenhuma época encontraremos pessoas que não as venerem. Poucos são os homens verdadeiramente maus. Todos hão de compreender, caso sejam bem ensinados. Como poderemos corrigir o errado, a não ser através das Três Joias?

Fiel à sua declaração, Shotoku construiu muitos templos e mosteiros, formou um corpo de artistas para criar imagens Budistas, e ele mesmo foi um aprendiz de seus ensinamentos, escrevendo comentários sobre três sutras. Durante o seu reinado, Shotoku construiu 46 mosteiros e templos, sendo os mais importantes Shitennoji, Hokoji (596) e Horyuji.

Prince Shotoku Statue
Estátua do Príncipe Shotoku
PHGCOM (CC BY-SA)

Favor Imperial

A dispersão da religião continuou com total apoio do Imperador Tenmu (reinou de 672-686) e da Imperatriz Jito (reinou de 686-697) que construíram ainda mais templos, fizeram mais cópias de sutras, e usaram mosteiros como armazéns para a população oficial e registros de impostos. O imperador Shomu (reinou de 724-749) foi ainda mais ambicioso e propôs construir um templo em cada província, cada um com seu próprio pagode de sete andares, um projeto que aumentou a tributação em níveis brutais. Os principais templos foram construídos na então capital Nara, como o Todaiji, cuja construção foi finalizada em 752, em um projeto supervisionado pelo aclamado monge Gyogi (668-749). O imperador Shomu foi importante também já que foi ele quem iniciou a estratégia de um imperador se abdicar em favor de seu sucessor escolhido, e depois se juntar a um mosteiro, porém, ao mesmo tempo, usando sua influência política por trás, o que ficou conhecido como 'governo do imperador enclausurado'.

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Ao mesmo tempo em que apoiava o Budismo, a elite japonesa estava desconfiada de seus poderes e, principalmente, preocupada com a possibilidade de um indivíduo carismático abusar da veneração do povo e formar seguidores que poderiam ameaçar a estabilidade política do Estado. Por esta razão, um conjunto de leis foi aprovado no século VIII (Taiho ritsuryo em 702 e Yoro ritsuryo em 757) que proibiu monges de terem locais sagrados privados, de fazerem práticas de prever o futuro, de tentarem converter fiéis de uma crença à outra, e de usarem magia para curar doenças. Monges e monjas também não poderiam aceitar presentes de escravos, gados ou armamentos, nem possuir terras, casas ou itens valiosos em seus nomes, fazer negócios, cobrar juros por empréstimo, ou até mesmo tornar-se um monge após o período necessário de estudo sem a permissão oficial.

MONGES BUDISTAS NÃO PODIAM FAZER NENHUMA TENTATIVA DE CONVERTER CRENTES DE UMA FÉ PARA OUTRA, OU USAR MAGIA PARA CURAR DOENÇAS.

Em outra regra, mosteiros budistas e monges eram cuidadosamente monitorados, e suas ações eram sujeitas às mesmas leis aplicadas a todos os cidadãos, mesmo que suas punições fossem geralmente um pouco mais leves. Estas medidas, na verdade, não tiveram o êxito esperado, já que houve muitos casos de monges e templos tirando vantagens de sua posição, obtendo terras ilegalmente, cometendo fraudes, praticando usura exorbitante (o que geralmente tornava difícil para os camponeses pagarem seus impostos), e ainda ganhavam a vida como credores, cobrando 180% por ano.

Coexistência com o Xintoísmo

As crenças indígenas dos japoneses antigos incluíam o animismo e o Xintoísmo, e nenhum deles foi desafiado pela chegada do Budismo. O Xintoísmo, em especial, com sua ênfase no aqui e no agora, e nesta vida, deixou uma lacuna significante em relação ao que acontece após a morte, e o Budismo foi capaz de desempenhar este papel religioso para muitas pessoas. Como consequência, ambas as religiões coexistiram, muitas pessoas praticaram as duas, e até mesmo templos com ambas crenças existiram juntos no mesmo lugar. Muitas divindades e figuras budistas de mitologias indianas foram logo incorporadas no já vasto panteão xintoísta. Ao mesmo tempo, deuses xintoístas adquiriram nomes budistas (Ryobu Xinto), como por exemplo, a deusa do sol Amaterasu passou a ser considerada um avatar de Dainichi; e Hachiman, o deusda guerra e da cultura, foi considerado o avatar do Buda Amida.

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Buddha, Todaiji Temple
Buda, Templo Todaiji
James Blake Wiener (CC BY-NC-SA)

Até obras de arte de uma religião apareciam em instalações de outra, e era comum que os sacerdotes administrassem os templos ou os santuários da outra religião. Um decreto imperial, em 764, oficialmente colocou o Budismo acima do Xintoísmo, mas para a maioria da população, o contrário era, provavelmente, o mais aceito. Uma área na qual o Budismo quase que inteiramente substituiu crenças mais antigas foi os rituais fúnebres, já que a prática budista de cremação foi amplamente adotada por todos os níveis da sociedade.

O Budismo & a Sociedade Mais Ampla

Era comum que mosteiros budistas ganhassem terras e ficassem isentos de impostos, benefícios estes concedidos por imperadores ansiosos em receber bençãos em seus reinos, o que tornou os mosteiros economicamente poderosos e politicamente influentes. Estes mosteiros conseguiam pagar seus próprios soldados armados, uma precaução necessária em tempos turbulentos, quando comandantes e bandidos causavam confusão longe da capital imperial e, principalmente, era uma fonte útil para ceder funcionários locais à sua maneira de pensar. Os mosteiros se tornaram tão poderosos que o Imperador Kammu (reinou de 781-896) teve até que mudar a capital de Nara, em 784, para escapar dos templos budistas ao redor da cidade. Isso não impediu os mosteiros, especialmente, Kofukuji, Todaiji, Enryakuji, e Onjoji de usarem as forças várias vezes entre os séculos X e XI, para expandir seus domínios e ganhar condições favoráveis dos governantes e administradores locais. Inevitavelmente, rivalidades surgiram entre os mosteiros, particularmente entre To-ji e Kyosan.

Por outro lado, os mosteiros eram uma parte importante da comunidade local, que forneciam escolas e instalações para estudos, bibliotecas, comida e abrigo para os necessitados. Monges também ajudavam em projetos comunitários, como em construções de rodovias, pontes e irrigação - apesar de que isto, às vezes, irritava a corte imperial, especialmente quando monges recebiam grandes doações de um público agradecido, o que levou alguns imperadores a proibirem monges de saírem de seus mosteiros.

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To-ji Pagoda, Kyoto
Pagode To-ji, Quioto
Michael Reeve (CC BY-SA)

Figuras Budistas Importantes

O Budismo continuou a evoluir como uma fé na Índia e na China com o desenvolvimento de novas seitas (ou escolas), que por fim, chegaram ao Japão através de monges que estudaram no exterior. As primeiras seis importantes escolas no Japão foram o Kusha, Sanron, Ritsu, Jojitsu, Kegon, e Hosso. Dois dos monges mais conhecidos foram Kukai (774-835) e Saicho (767-822), que fundaram outras duas escolas, Shingon e Tendai respectivamente, as quais pertencem ao ramo budista Mahayana (O Grande Caminho).

Kukai & o Budismo Shingon

Kukai estudou na China entre 804 e 806, e se tornou um defensor do Budismo exotérico ou mikkyo, o que significava que apenas os iniciados, apenas aqueles que abandonaram seus mundos mundanos e residiam em um mosteiro poderiam conhecer Buda e, então, alcançar a iluminação. A Escola Shingon (ou 'A Verdadeira Palavra'), a qual Kukai estudou na China (conhecido lá como Quen-yen), afirma que os ensinamentos budistas vieram do Buda cósmico Mahavairocana (Dainichi para os japoneses). Kukai levou estas ideias ao Japão e escreveu obras como o Shorai Mokuroku ('Um Memorial Apresentando uma Lista de Sutras Novos Importados'). Essencialmente, o Budismo Shingon propôs que um indivíduo poderia alcançar a iluminação durante a própria vida e não precisaria esperar pela morte. Os rituais incluíam meditações realizadas enquanto o corpo se mantinha em várias posturas, com gestos sagrados feitos com as mãos (mudras), e com repetição de fórmulas ou mantras secretas. O poder da oração era visto com grande importância.

Em 819, o monge criou um centro para sua doutrina esotérica no Monte Koya (Província de Wakayama). Lá, devotos educados poderiam alcançar a iluminação, não pelos longos estudos de sutras, mas pela visualização de mandalas, que são a representação visual estilizada dos ensinamentos de Buda. Em 823, o Imperador Saga (reinou de 809-823) concedeu a fundação do templo Toji ('Leste'), em Minami-ku, Quioto, sinalizando, portanto, que o Budismo Shingon havia se tornado uma parte aceita da religião oficial do Estado. Em 921, quase um século após a morte de Kukai, foi lhe concedido o título póstumo de Kobo Daishi pelo imperador, que significa 'Grande Mestre Propagador do Ensino'.

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Kukai Silk Portrait
Retrato em seda de Kukai
James Blake Wiener (CC BY-NC-SA)

Saicho & o Budismo Tendai

Saicho foi um monge que decidiu viver como um eremita ascético nas encostas do Monte Hiei, perto de Quioto, e em 788, ele construiu o primeiro santuário, que se tornaria mais tarde o grande complexo do templo Enryaku-ji e o centro de aprendizado. Ele passou a estudar tudo o que ele podia sobre as variações do Budismo, e começou a atrair seguidores, incluindo dois de seus discípulos mais conhecidos - Ensho e Gishin. Depois, Saicho visitou Tang, na China, em 804, onde estudou quatro escolas do Budismo, entre elas Zen e Tiantai. O monge foi iniciado nos níveis altos da religião, estudou textos do Mikkyo (Budismo Esotérico), e trouxe com ele mais de 200 manuscritos e vários implementos para uso em rituais esotéricos.

Saicho buscou simplificar os ensinamentos do Budismo e, em seu retorno, ele fundou a Escola Tendai (Tendaishu), que ensinou que a melhor e mais rápida maneira de alcançar a iluminação era por meio do ritual esotérico, o qual são ritos que somente o sacerdócio e os iniciados possuíam acesso. Ao mesmo tempo, permitiu-se que alcançasse a iluminação de muitas maneiras diferentes. A Escola Tendai do Budismo, posteriormente, obteve aprovação imperial por Kammu, e Saicho realizou os primeiros ritos esotéricos no Japão a receberem patrocínio oficial, em 805. Após a sua morte, em 822, Saicho recebeu o título honorário de Dengyo Daishi, e foi também considerado um bodisatva, isto é, aquele que alcançou o nirvana, mas permanece na terra para guiar os demais.

Dada a grande variedade de crenças ecléticas, a Escola Tendai, ao longo dos séculos, iria iniciar outros ramos importantes do Budismo, como o Terra Pura (Jodo), com a figura extremamente popular de Amida, o Buda universal, que foi fundado pelo monge Honen (1133-1212) e o Budismo Nichiren. No período medieval, mais escolas surgiram, especialmente relacionadas ao Zen Budismo, e a fé continuaria a ser amplamente praticada até o século XV (quando o Xintoísmo deu uma reviravolta) e, claro, continua sendo, até nos dias de hoje, uma religião popular no Japão.

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Sobre o tradutor

Ingrid Kaori Nakau
Brasileira e estudante de tradução. Ama a língua inglesa desde criança e tem interesse por história, literatura e culturas. Apaixonada por turismo e viagens, já morou nos Estados Unidos e no Japão.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é escritor, pesquisador, historiador e editor. Tem grande interesse por arte, arquitetura e pela busca das ideias que todas as civilizações compartilham. Possui mestrado em Filosofia Política e é Diretor Editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2017, junho 19). Budismo no Japão Antigo [Buddhism in Ancient Japan]. (I. K. Nakau, Tradutor). World History Encyclopedia. Recuperado de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1080/budismo-no-japao-antigo/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "Budismo no Japão Antigo." Traduzido por Ingrid Kaori Nakau. World History Encyclopedia. Última modificação junho 19, 2017. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1080/budismo-no-japao-antigo/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "Budismo no Japão Antigo." Traduzido por Ingrid Kaori Nakau. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 19 jun 2017, https://www.worldhistory.org/article/1080/buddhism-in-ancient-japan/. Web. 18 jul 2025.