Artemísia I da Cária

Definição

Joshua J. Mark
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 12 Março 2014
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Disponível noutras línguas: Inglês, francês, Persa, espanhol
Artemisia of Caria (by Warner Bros. & Legendary Pictures, Copyright, fair use)
Artemísia da Cária
Warner Bros. & Legendary Pictures (Copyright, fair use)

Artemísia I (v. 480 a.C.) foi a rainha da região anatólia da Cária (sul da antiga Lídia, atualmente na Turquia). Ela é mais conhecida pelo seu papel na Batalha de Salamina, em 480 a.C., na qual lutou ao lado dos persas.

De acordo com o historiador grego Heródoto (v. 484-425/413 a.C.), a rainha distinguiu-se tanto pela sua conduta na batalha quanto pelo conselho que deu ao rei persa Xerxes (r. 486-465 a.C.) antes do início do combate.

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Seu nome é derivado da deusa grega Ártemis, padroeira da natureza e dos caçadores. Era filha do Rei Ligdâmis de Halicarnasso e de uma mãe cretense, cujo nome é desconhecido. Após a morte do marido (cuja identidade também é desconhecida), Artemísia assumiu o trono da Cária como regente de seu filho, o jovem Pisindelis. Enquanto seja provável que ele tenha governado a Cária depois dela, não há registros a respeito.

Após a Batalha de Salamina, conta-se que Artemísia escoltou os filhos ilegítimos de Xerxes para a segurança de Éfeso (também na moderna Turquia). Depois disso, não há mais menções sobre ela em registros históricos. A fonte primária das suas proezas nas guerras greco-persas é Heródoto de Halicarnasso e seu relato da Batalha de Salamina em suas Histórias, ainda que ela seja mencionada por Pausânias, Polieno, na Suda e por Plutarco.

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Confundida com Artemísia II

Cada relato da Antiguidade sobre Artemísia I a retrata como uma mulher corajosa e inteligente, que foi uma aliada valiosa para Xerxes em sua expedição para a conquista da Grécia, com a exceção de Téssalo, que a descreve como uma pirata inescrupulosa e intrigante. Deve ser observado, porém, que autores posteriores a ela parecem ter confundido algumas de suas façanhas com aquelas de Artemísia II, a esposa do Rei Mausolo de Halicarnasso (m. 350 a.C.) que, entre outras realizações, ordenou a construção do Mausoléu de Halicarnasso, uma das Sete Maravilhas do Mundo.

A conquista da cidade de Latmo, conforme relatado por Polieno (8.53.4), segundo o qual Artemísia I encenou um festival elaborado e colorido a algumas léguas da cidade para atrair os habitantes e então capturá-la sem luta, na verdade foi obra de Artemísia II. O mesmo se aplica à repressão da revolta de Rodes contra a Cária. Após a derrota dos revoltosos, a frota capturada dos rodenses navegou de volta ao porto de origem ostentando supostos navios carianos apreendidos e, desta forma, a ilha foi subjugada sem a necessidade de um prolongado combate.

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Artemísia e a Expedição Persa

Heródoto enaltece Artemísia I de tal forma que autores posteriores (muitos dos quais o criticaram em várias outras questões) reclamam que ele concentra a narrativa nela, excluindo detalhes importantes referentes à Batalha de Salamina. Heródoto conta:

Considero desnecessário falar dos outros chefes [dos persas] porque não há necessidade de mencioná-los, com a exceção de Artemísia, pois acho particularmente digno de admiração que uma mulher tenha tomado parte desta expedição contra a Grécia. Ela assumiu a tirania após a morte de seu marido e, embora tivesse um filho crescido e não precisasse se juntar à expedição, sua coragem viril a impelia a fazê-lo... Tinha o segundo mais famoso esquadrão da frota inteira, após o proveniente de Sídon. Nenhum dos aliados de Xerxes deu-lhe melhores conselhos do que ela. (VII.99)

A expedição persa foi a vingança de Xerxes contra os gregos pela derrota na Batalha de Maratona, em 490 a.C.. Os relatos dão conta de que foi a maior força invasora já reunida no mundo até então. Mesmo se a Cária, como parte do Império Persa na época, tivesse sido compelida a fornecer tropas e navios, não haveria razão para uma rainha liderar ou mesmo acompanhar seus soldados ao campo de batalha. A decisão de Artemísia I, portanto, foi de sua inteira responsabilidade.

A rainha participou da batalha naval de Artemísio e se distinguiu como comandante e estrategista.

Ela participou da batalha naval de Artemísio (que ocorreu na costa da Eubéia, na mesma época do combate em terra nas Termópilas, no final de 480 a.C.) e se distinguiu como comandante e estrategista. Afirma-se que ela utilizava tanto a bandeira grega como a persa em seus navios, dependendo das circunstâncias e necessidade, para evitar o conflito até que estivesse posicionada favoravelmente para o assalto ou a fuga.

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A Batalha de Artemísio foi um empate, mas os persas tiveram uma vitória tática, pois a frota grega deixou a região após três dias de combates, o que permitiu aos oponentes se reagruparem e prepararem novas estratégias. Com a derrota nas Termópilas, o exército persa marchou de sua base no Helesponto até o coração da Grécia, arrasando a cidade de Atenas. Os gregos tinham abandonado a cidade antes do ataque e, sob a liderança de Temístocles, reunido sua frota na costa, perto dos estreitos de Salamina.

O Conselho de Artemísia a Xerxes

Com a Grécia conquistada e Atenas incendiada, Xerxes convocou um conselho de guerra para determinar seu próximo movimento. Suas opções eram se defrontar com os gregos numa batalha naval, na esperança de uma vitória decisiva ou, então, impedir a chegada de suprimentos e acossar as comunidades até que suplicassem pela paz. Heródoto faz um relato do papel de Artemísia I no conselho e o respeito que conquistou junto a Xerxes:

Quando todos se acomodaram, sentados nos seus devidos lugares, Xerxes, querendo sondá-los, perguntou-lhes, por intermédio de Mardônio [seu principal general], se achavam que ele devia travar a batalha no mar. Mardônio percorreu todo o grupo, começando pelo rei de Sídon, indagando esta questão. Todos se manifestaram favoráveis, com uma única voz divergente - Artemísia. Ela disse: Mardônio, por favor transmita ao rei esta mensagem, lembrando-o das provas de valor que dei nos combates travados no mar, perto da Eubéia: Senhor, considero justo que me permita expor minha opinião e dizer o que julgo mais vantajoso para os seus interesses. Pois aqui está meu conselho: não envie a frota para a batalha, porque no mar seus homens serão inferiores aos gregos assim como mulheres são aos homens. De qualquer forma, por que deveria se arriscar numa batalha naval? Não capturou Atenas, o que era o objetivo da campanha? Não controla o restante da Grécia? Não há ninguém que possa enfrentá-lo. Todos os que tentaram tiveram o tratamento que mereciam. Vou lhe contar o que penso que o futuro reserva para nossos inimigos. Se não se apressar numa batalha naval, senhor, mas manter sua frota próximo ao litoral, tudo o que precisa para atingir todos os seus objetivos sem mais esforços é esperar aqui ou avançar pelo Peloponeso. Os gregos não têm recursos necessários para resistir mais tempo; o senhor vai dispersá-los e vão recuar para suas cidades e povoados. Veja, descobri que eles não têm provisões na ilha em que estão e se marchar para o interior, em direção ao Peloponeso, é improvável que os gregos dali permanecerão inativos ou lutarão no mar em defesa de Atenas. Porém, se ordenar uma batalha naval imediatamente, receio que a derrota da frota se estenderá ao exército em terra. Além disso, meu senhor, deve levar em conta também que um bom homem tende a ter escravos ruins e vice-versa. Pois bem, não há homem melhor do que o senhor e, de fato, possui escravos ruins, que supostamente são seus aliados - quero dizer os egípcios, cipriotas, cilícios e panfílios, todos inúteis.

Estas palavras de Artemísia para Mardônio deixaram os amigos dela preocupados, convencidos de que o rei a puniria por tentar impedi-lo de se comprometer com a batalha no mar, enquanto que aqueles que se ressentiam de sua proeminência dentro da aliança estavam satisfeitos com a resposta, imaginando que ela seria condenada à morte. Mas quando as opiniões de todos foram levadas a Xerxes, ele ficou encantado com o ponto de vista de Artemísia; o rei já a tinha em elevada consideração, e ela cresceu ainda mais em sua estima. Apesar disso, deu ordens para que o ponto de vista da maioria fosse seguido. Ele acreditava que seus homens não haviam mostrado o seu melhor em Eubéia devido à sua ausência, e então se preparou para assistir à batalha. (VIII.67-69)

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Artemísia em Salamina

Depois da Batalha de Artemísio, os gregos haviam colocado a cabeça da rainha a prêmio, oferecendo 10.000 dracmas para quem a capturasse ou matasse. Mesmo assim, não há evidência de que a rainha tenha hesitado em se juntar à luta, ainda que tenha sido aconselhada a isso. Os gregos atraíram a frota persa para o estreito de Salamina, fingindo bater em retirada, e então os surpreenderam com um ataque. Os navios gregos, menores e mais ágeis, infligiam enormes danos às embarcações persas que, devido ao seu tamanho, não conseguiam manobrar efetivamente num espaço confinado. Heródoto conta:

Não estou em posição de dizer ao certo como lutaram gregos e persas, em particular, mas o comportamento de Artemísia a elevou ainda mais na estima do rei. Aconteceu que em meio à confusão geral da frota persa, o navio de Artemísia estava sendo perseguido por uma embarcação da Ática. Ela descobriu que era impossível escapar, pois a rota de fuga estava bloqueada por navios amigos e os inimigos estavam bastante próximos dela, e então optou por um plano que de fato lhe foi muito favorável. Com o navio da Ática próximo à popa, ela foi adiante e golpeou com o aríete do seu navio uma das embarcações do seu próprio lado, tripulada por homens de Calinda e que tinha a bordo Damastino, o rei de Calinda. Ora, não posso dizer se ela ou Damastino tinham tido algum problema enquanto estavam baseados no Helesponto, ou se esta ação dela foi premeditada, ou se o navio calíndio apenas estava no caminho da fuga. Seja como for, ela descobriu que, ao arremeter contra o navio e afundá-lo, teve uma dose dupla de sorte. Em primeiro lugar, quando o capitão ático a viu arremetendo contra uma embarcação inimiga, ele assumiu que se tratava de um navio grego ou um desertor dos persas lutando ao lado deles e, portanto, mudou seu curso para atacar outros alvos.

Assim, a primeira dose de sorte foi ter escapado com vida. A segunda foi que, embora ela não tenha beneficiado o rei em absoluto, suas ações fizeram Xerxes ficar particularmente satisfeito com ela. Foi relatado que, como o rei estava assistindo à batalha, ele notou o navio da rainha arremetendo contra a outra embarcação e alguém de sua comitiva disse: "Senhor, pode ver como Artemísia está lutando bem?" Olhe, ela afundou um navio inimigo!" Xerxes indagou que se era realmente Artemísia, o que foi confirmado devido à insígnia da embarcação, e assim se presumiu que ela tinha destruído um navio inimigo - uma presunção que nunca foi refutada, porque, numa dose adicional de sorte, nenhum calíndio sobreviveu para denunciá-la. Em resposta ao que os cortesãos estavam lhe informando, o relato continua, Xerxes teria dito: “Meus homens viraram mulheres e minhas mulheres viraram homens!” (VIII.87-88)

A Batalha de Salamina foi uma grande vitória dos gregos e uma completa derrota para as forças persas. Xerxes não conseguia entender o que tinha dado tão errado e, agora, temia que os gregos, encorajados com seu sucesso, pudessem marchar para o Helesponto, eliminar as forças persas estacionadas lá e prendê-lo com seu exército na Grécia. Mardônio sugeriu um plano no qual ele permaneceria com 300.000 homens e subjugaria os gregos, enquanto Xerxes retornaria à Pérsia.

O rei ficou satisfeito com esta proposta, mas, lembrando que Mardônio tinha apoiado a desastrosa iniciativa da batalha naval, convocou outro conselho para determinar o melhor plano de ação. Heródoto conta:

Ele convocou uma reunião dos persas e, enquanto estava ouvindo seus conselhos, ocorreu-lhe que devia convidar Artemísia também, para ver o que ela sugeriria, tendo em vista que sua proposta anterior tinha sido o único plano de ação realista. Quando ela chegou, ele dispensou os demais. (VIII. 101)

Artemísia apoiou o plano de Mardônio, conforme o relato de Heródoto:

Penso que o senhor deveria se retirar e deixar Mardônio aqui com as tropas que está solicitando, uma vez que ele está se oferecendo para fazê-lo de livre e espontânea vontade. Minha opinião é que se ele for bem-sucedido nas conquistas que está planejando, e as coisas acontecerem conforme pretende, a proeza é sua, Senhor, porque foi seu escravo que a realizou. Mas se as coisas derem errado para Mardônio, não será um grande desastre em relação à sua sobrevivência e à prosperidade de sua Casa. Quero dizer, se o senhor e sua Casa sobreviverem, os gregos ainda terão de lutar por suas vidas. Mas se qualquer coisa acontecer com Mardônio, não importa realmente; além disso, se os gregos vencerem, não será uma vitória importante porque eles terão somente destruído um de seus escravos. O objetivo principal de sua campanha era queimar Atenas até o chão; o senhor fez isso, portanto pode se retirar. (VIII.101-102)

Xerxes aceitou o conselho de Artemísia desta vez e retirou-se da Grécia, deixando Mardônio para lutar o restante da campanha por ele. Artemísia I ficou encarregada de escoltar as crianças ilegítimas de Xerxes para a segurança de Éfeso e, como já assinalado, desapareceu em seguida dos registros históricos. Mardônio foi morto na Batalha de Plateia no ano seguinte (479 a.C.), outra vitória decisiva dos gregos que colocou um fim na invasão persa da Europa.

A Lenda da Morte de Artemísia

Pausânias afirma que havia uma estátua de mármore de Artemísia I na ágora de Esparta, na sua Sala Persa, criada em sua honra a partir dos destroços deixados pelas forças invasoras. O autor Fócio (v. c. 858) registra uma lenda segundo a qual, após ter trazido os filhos de Xerxes para Éfeso, ela se apaixonou por um príncipe chamado Dardano. Por razões desconhecidas, Dardano rejeitou seu amor e a rainha, em desespero, atirou-se ao mar e morreu afogada.

Não há nada nos relatos de autores antigos que dê qualquer crédito a esta lenda, porém. A história é similar àquela descrita por Partênio de Niceia (m. 14 d.C.) em sua obra Erotica Pathemata (Lamentos do Amor Romântico), uma coleção muito popular de histórias de amor trágicas, cujo propósito parece ter sido o de servir como um alerta para os perigos das ligações românticas.

É possível que Fócio, escrevendo séculos depois, tivesse escolhido a figura de Artemísia I para ilustrar uma lição semelhante. Apesar de não haver nada no registro histórico que corrobore a versão de Fócio de sua morte, não há nada também que a contradiga, a não ser o caráter da mulher revelado nos relatos antigos. O recente retrato ficcional de Artemísia I, no filme de 2014 intitulado 300: A Ascensão do Império está no espírito das fontes antigas e dificilmente suporta a alegação de que tal mulher daria fim à sua vida por causa do amor de um homem.

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Perguntas e respostas

Quem era Artemísia I?

Artemísia I (v. 480 a.C.) foi a rainha da Cária que lutou ao lado dos persas na invasão à Grécia, em 480 a.C..

Por que Artemísia é famosa?

Artemísia I é famosa pelo papel que exerceu junto ao rei persa Xerxes I quando este invadiu a Grécia, especialmente pela participação na Batalha de Salamina.

Artemísia I era uma pirata?

Artemísia I não era uma pirata e sim a rainha da Cária, mas escritores antigos frequentemente a confundem com outra rainha da região da Anatólia, também chamada Artemísia.

Como Artemísia I morreu?

Não há registros da morte de Artemísia I. Ninguém sabe como morreu mas, de acordo com a lenda, ela se matou após ser rejeitada por um amante. Esta versão não é aceita por nenhum historiador respeitável.

Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro e tem especial interesse pela República Romana e pelos povos da Mesoamérica, entre outros temas históricos.

Sobre o autor

Joshua J. Mark
Escritor freelance e ex-professor de filosofia em tempo parcial no Marist College, em Nova York, Joshua J. Mark viveu na Grécia e na Alemanha e viajou pelo Egito. Ele ensinou história, redação, literatura e filosofia em nível universitário.

Citar este trabalho

Estilo APA

Mark, J. J. (2014, Março 12). Artemísia I da Cária [Artemisia I of Caria]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-12523/artemisia-i-da-caria/

Estilo Chicago

Mark, Joshua J.. "Artemísia I da Cária." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação Março 12, 2014. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-12523/artemisia-i-da-caria/.

Estilo MLA

Mark, Joshua J.. "Artemísia I da Cária." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 12 Mar 2014. Web. 17 Abr 2024.