O capitão John Smith (1580-1631) foi um explorador, soldado, escritor e governador inicial da Colônia de Jamestown da Virgínia entre 1607-1609. Tendo servido como mercenário quando jovem, ele estava acostumado à disciplina militar. Suas obras continuam sendo uma importante fonte primária para a história da época.
Smith participou da expedição para fundar a colônia de Jamestown em 1607 e se encontrou cercado por aristocratas sem nenhuma experiência com trabalho manual e trabalhadores de classes mais baixas com pouca disposição para trabalhar. Os dois tipos de colonos chegaram à Virgínia acreditando que havia ouro disponível abaixo de cada pedra, folha e árvore, e o desapontamento em descobrir que não era esse o caso os desencorajou. Smith assumiu o controle da colônia e lançou seu famoso édito, "quem não trabalha, não come", que se tornou uma importante fonte de motivação.
Ele é mais conhecido por sua relação com Pocahontas (c. 1596-1617), filha do Chefe Powhatan, Wahunsenacah (c. 1547-1618), que liderava a Confederação Powhatan. Embora o relacionamento com Pocahontas tenha sido retratado, de forma célebre, como romântico, não há base factual para isso, já que Pocahontas tinha, no máximo, 12 anos na época e Smith estava com 27 anos. Posteriormente, o capitão não deu em suas obras nenhuma indicação de envolvimento romântico com ela. O capitão estabeleceu uma boa relação funcional com os powhatans, mas voltou à Inglaterra em 1609, após um acidente, sem se despedir de Wahunsenacah ou Pocahontas.
Depois de sua partida de Jamestown, Smith participou de várias outras expedições, principalmente o mapeamento da região da Nova Inglaterra (que recebeu dele esta denominação) na América do Norte em 1614. Chegou a ser convidado pelos peregrinos organizavam a expedição que fundaria a colônia de Plymouth para ser um conselheiro militar, mas a proposta não foi adiante devido ao preço estipulado e o receio deles de que sua personalidade controladora pudesse influenciar negativamente as visões religiosas da colônia. Mais tarde, ele zombou deles por não ter ao menos usado seus mapas, que poderiam ter lhes economizado muito tempo e esforço.
Smith, um autor prolífico que gostava de autopromover, escreveu várias obras relevantes sobre suas experiências na América do Norte, bem como de seus anos de soldado na juventude. Ele costuma ser criticado atualmente pelo exagero ou mesmo invenção de algumas passagens de seus livros, mas permanece como um autor respeitado e fonte histórica primária pelos detalhes que fornece de sua época e observações geralmente objetivas do relacionamento entre os imigrantes ingleses e os nativos americanos.
Vida Pregressa e Aventuras
John Smith nasceu na vila de Willoughby, no condado de Lincolnshire, Inglaterra, em 1580, filho de um fazendeiro arrendatário. A situação financeira do pai deve ter sido boa, porque o filho foi educado numa escola de gramática, em vez de trabalhar quando criança. Todos os detalhes da vida de Smith entre a infância e a idade de cerca de 27 anos provêm dele próprio, em geral sem outras formas de corroboração.
É por esta razão que os estudiosos modernos, com frequência, inserem alertas e ponderações nos debates sobre suas alegações mas, apenas porque não há corroboração objetiva para os eventos em que Smith afirma ter tomado parte, isso não significa que eles não ocorreram. Um contemporâneo do capitão, o escritor William Strachey (1572-1621), também faz alegações – tais como ter visto um menino nativo americano louro e assinalar isso como prova de que a colônia “perdida” de Roanoke teria sido na verdade tomada por nativos americanos – que não estão corroboradas mas acabam aceitas sem muitos questionamentos.
O estudioso Charles C. Mann, porém, observa como a diferença entre Smith e outros escritores está em que a narrativa do primeiro quase sempre o coloca como um herói fanfarrão que, contra todas as possibilidades, não somente sobrevive a terríveis provações, mas prevalece no final. Mann cita um contemporâneo de Smith que observou: "só contribui para a diminuição de suas ações que ele próprio seja o arauto para publicar e proclamá-las" (65). O capitão afirma ter deixado o lar com 16 anos, após a morte de seu pai, para se tornar um mercenário, lutando pela França contra a Espanha e, depois disso, um pirata no Mediterrâneo e um mercenário enviado contra os turcos. Mann fornece uma lista das alegações mais impressionantes de Smith sobre seu tempo no estrangeiro:
- Serviu no Exército da Transilvânia, matou três turcos num único combate e foi elevado à condição de cavaleiro pelo príncipe da Transilvânia.
- Foi capturado e vendido como escravo no Império Otomano, matou seu mestre, vestiu-se com suas roupas e fugiu para a Rússia, depois para a França e, finalmente, para o Marrocos.
- Juntou-se a um bando de piratas que atacavam navios espanhóis na costa da África Ocidental. (65)
Acadêmicos do final do século XIX afirmam que a maior parte do que Smith relata é ficcional, mas esta alegação foi contestada e desacreditada quando se assinalou que a ortografia e caligrafia eram abaixo da média e que os nomes de pessoas e lugares na verdade podiam ser corroborados objetivamente uma vez que decifrados com base em pistas de contexto. Seja onde for que tenha passado seus anos de juventude, em 1604 estava de volta à Inglaterra e, em 1606, associou-se à Companhia da Virgínia de Londres em seus esforços para colonizar a América do Norte.
Smith e Jamestown
Ele foi escolhido para acompanhar os 100 homens e garotos que compunham a expedição de três navios para o Novo Mundo, sob o comando do capitão Christopher Newport (1561-1617), para fundar Jamestown. A Espanha havia colonizado as Índias Ocidentais e as Américas Central e do Sul ao longo do século XVI, e as histórias sobre as fabulosas riquezas das Américas circularam na Inglaterra pelos 100 anos anteriores até a época em que a Companhia da Virgínia organizou a expedição de 1607. Os integrantes do grupo, tendo crescido com as histórias das riquezas do Novo Mundo, tinham a convicção de que estavam embarcando rumo ao enriquecimento rápido, pois acreditavam que ouro e pedras preciosas podiam ser encontrados embaixo de pedras, atrás de árvores e em arbustos nas Américas e o único esforço necessário seria apanhá-los.
Smith vinha da classe trabalhadora e este aspecto afetava de forma significativa seu relacionamento com os aristocratas participantes da expedição. As distinções sociais eram rigidamente observadas na Inglaterra nesta época e alguém das classes inferiores que desafiasse um superior podia ser chicoteado, preso ou até executado. Smith envolveu-se em disputas com Newport durante a viagem transatlântica, o que levou o capitão do navio a acusá-lo de motim. Ele passou a maior parte da viagem numa cela e sob ameaça de execução até que os navios alcançaram a costa da América do Norte, em abril de 1607, e as ordens da Companhia da Virgínia foram abertas. Como se descobriu então, Smith tinha sido nomeado pela companhia como um dos líderes da colônia, o que levou ao cancelamento da sentença de morte e sua libertação.
Smith auxiliou na organização dos abrigos temporários para os colonos enquanto o grupo buscava um local favorável para instalar a colônia. Os navios espanhóis periodicamente atacavam a costa e, assim, buscou-se uma localização no interior, finalmente encontrada em maio de 1607. A área encontrava-se desabitada pelos nativos, o que os colonos viram como um bom sinal, mas logo descobriram que isso ocorria porque era considerada como “terra ruim”, um pântano assolado por mosquitos e doenças. Em setembro, mais da metade dos colonos que fundaram a colônia estavam mortos.
Uma grande parte do problema da sobrevivência concentrava-se na inabilidade, ou recusa, dos colonos em trabalhar para produzir alimentos. Os sobreviventes da primeira expedição já estavam morrendo de fome quando Newport retornou da Inglaterra, em janeiro de 1608, com mais 100 colonos, mas sem suprimentos para alimentá-los, já que ele tinha presumido, naturalmente, que a colônia estaria com um abastecimento regular de alimentos quando chegasse. Smith tinha estabelecido um relacionamento amigável com os powhatans nessa época, porém, e os nativos alimentavam os colonos com a sua produção excedente. No entanto, o objetivo não era tornar essa doação a principal fonte de alimentos para os colonos, e Smith repetidamente entrava em conflito com os aristocratas do grupo, tentando convencê-los da necessidade de produzir sua própria comida.
Smith e Pocahontas
Wahunsenacah suspeitava dos recém-chegados, mas pensou que eles poderiam ser aliados úteis contra os ataques espanhóis e, assim, ofereceu-lhes ajuda através do fornecimento de alimentos e outros suprimentos ao longo de 1607, mas não podia alimentar os colonos à custa de seu próprio povo. Quando não recebiam as doações, os colonos roubavam alimentos dos nativos, resultando em conflitos e, após um deles, vários nativos foram capturados. Nessa ocasião Smith encontrou-se com Pocahontas e, conforme seu relato, ela tinha 10 anos e foi enviada com o guerreiro Rawhunt para negociar a libertação dos cativos. Conforme alguns relatos, os dois se tornaram amigos e passaram a ensinar um ao outro seus respectivos idiomas.
Em dezembro de 1607, Smith foi sequestrado por Opchanacanough (1554-1646), meio-irmão de Wahunsenacah, e levado para o povoado do chefe. Ali, de acordo com o relato de Smith, ele teria sido salvo da execução por Pocahontas, numa cena que ficou famosa. O acadêmico David A. Price relata como esta história tão familiar seria conhecida no século XIX:
Lá ele foi condenado à execução pela colocação de sua cabeça sobre uma pedra para ser esmigalhada com porretes. Foi levado ao local da execução e sua cabeça abaixada com o objetivo de matá-lo, quando Pocahontas, a filha favorita do rei, então com cerca de treze anos de idade, cujas súplicas pela vida dele tinham sido inúteis, correu para ficar entre ele e o executor e, abraçando sua cabeça e deixando a dela sobre a dele, prestou-se ao golpe fatal. Seu pai então prevaleceu para poupar-lhe a vida. (68)
Este famoso relato provém do próprio Smith, em sua obra de 1624, intitulada The General History of Virginia [História Geral da Virgínia], onde escreve:
Uma longa confabulação ocorreu [entre os nativos] mas a conclusão foi que duas grandes pedras foram trazidas ante Powhatan: então, tantos quantos puderam colocaram as mão nele [Smith], arrastaram-no até o chefe, e nelas colocaram sua cabeça, e estando prontos com seus porretes para esmigalhar seu cérebro, Pocahontas, a filha favorita do rei, quando nenhuma súplica conseguiu prevalecer, colocou a cabeça dele em seus braços e estendeu-se sobre ele para salvá-lo da morte; donde o Imperador [Wahunsenacah] declarou que ele deveria viver para trazer-lhes machados e para ela sinos, contas e cobre. (321)
Os estudiosos modernos sustentam que este evento nunca ocorreu ou foi um ritual, estabelecendo-o como parte da tribo, interpretado erroneamente por Smith. No relato de 1608 de seu sequestro por Opchanacanough e da jornada até o povoado de Wahunsenacah, ele não faz menção a Pocahontas ou qualquer tentativa de executá-lo. A história apareceu primeiro numa carta que Smith escreveu para a rainha Ana da Dinamarca (esposa de Jaime I da Inglaterra) em 1616, quando Pocahontas e seu marido, John Rolfe (1585-1622), estavam visitando o país numa excursão promocional para a colônia.
Acredita-se atualmente que, se o evento realmente aconteceu, tratava-se de um ritual de morte-e-renascimento, no qual Smith “morreu” para sua antiga vida e foi “renascido” como um membro da Confederação Powhatan. Mas acadêmicos afirmam que o evento provavelmente jamais ocorreu, porém, porque Pocahontas, como uma jovem mulher, não teria permissão de participar ou mesmo testemunhar um ritual desta natureza. Outros contestam esta alegação, no entanto, observando que Smith escreveu sua carta à rainha Ana quando Pocahontas estava no país e, portanto, poderia contradizê-lo caso estivesse mentindo.
Ninguém contesta que Smith e Pocahontas se tornaram amigos, porém, nem que Smith estabeleceu um relacionamento efetivo e funcional com o pai da menina. Afirma-se que Wahunsenacah expressou genuína afeição por Smith, mesmo quando o comportamento deste era exasperante ou inaceitável, o que ocorria com frequência. Smith ordenou que seus compatriotas parassem de roubar dos powhatans e, em 1608, instituiu sua famosa política “quem não trabalha não come”, que finalmente motivou os colonos a tentar sobreviver por conta própria.
Os Peregrinos e Nova Inglaterra
Ferido por uma explosão de pólvora no outono de 1609, Smith teve de retornar à Inglaterra para tratamento. Nunca comunicou sua partida iminente aos powhatans e os colonos contaram a Wahunsenacah e Pocahontas que ele havia morrido (o que disseram exatamente não está claro). Seu relacionamento com os powhatans havia esfriado nessa época, pois a comida ainda era escassa e os colonizadores novamente estavam roubando dos nativos e exigindo suprimentos. O próprio Smith era culpado disso, muitas vezes exigindo alimentos dos povoados powhatans vizinhos com uma arma na mão.
Uma vez recuperado de seus ferimentos na Inglaterra, Smith escreveu sobre suas aventuras na América do Norte e publicou suas obras junto com vários mapas da região. Ele foi contratado em seguida para mapear as regiões setentrionais da América do Norte e enviado numa expedição em 1614, denominando a área como Nova Inglaterra e também dando nomes para locais específicos ao longo da costa, como Plymouth. Esta expedição incluía um certo capitão Thomas Hunt, deixado para concluir a missão quando Smith navegou de volta à Inglaterra. Hunt sequestrou vários nativos americanos (entre eles, Squanto) para vendê-los como escravos na Europa; um ato denunciado por Smith que então baniu Hunt do comércio com as Américas dali por diante.
Em 1616, Pocahontas, com seu marido John Rolfe, o jovem filho, Thomas, e membros da tribo, visitaram a Inglaterra na excursão promocional mencionada acima. Smith evitou sua antiga amiga pela maior parte da estada, somente visitando-a em 1617, quando o grupo estava prestes a retornar à Virgínia. Pocahontas o criticou severamente pelo abandono do dever ao desonrar os acordos com seu pai e por partir de Jamestown sem se despedir deles. A acadêmica Paula Gunn Allen cita Pocahontas dizendo a Smith:
Eles sempre nos contaram que você estava morto, e não sabia de outra [verdade] até que vim até [aqui] a Plymouth. Ainda assim Powhatan ordenou [a nós] que procurássemos você e buscássemos a verdade porque seus conterrâneos mentiam demais. (292)
O encontro é recontado pelo próprio Smith e, ainda assim, ele parece não ter entendido o significado das palavras dela, pois não responde às acusações ou críticas e certamente não dá nenhuma indicação de que tenha sido afetado por elas ou se desculpado. De qualquer forma, porém, o encontro não correu bem e Pocahontas partiu para a América do Norte. Jamais chegaria à terra natal, porém, morrendo a bordo do navio – possivelmente de pneumonia – antes mesmo que alcançassem o mar aberto.
Mais tarde, um grupo de separatistas religiosos (conhecidos posteriormente como peregrinos) aproximou-se de Smith, indagando se estaria interessado em se juntar a eles numa expedição ao Novo Mundo para fundar uma colônia. O capitão manifestou interesse na posição de conselheiro militar e guia, mas os peregrinos repensaram a proposta e o recusaram. Sua meta era criar uma comunidade religiosa, e eles temiam que a forte personalidade de Smith e sua “natureza mundana” pudesse interferir com ela. O acadêmico Nathaniel Philbrick cita a reação de Smith:
“Eles não […] têm nenhum conhecimento próprio”, escreveu Smith, “acreditando somente na religião como governante e na frugalidade como conselheira quando na verdade era […] porque […] não querem ter superiores” […]. Como escreveu mais tarde, muito do sofrimento que aguardava os peregrinos poderia facilmente ter sido evitado se eles decidissem pagar por seus serviços ou, ao menos, consultado seu mapa. (59)
Myles Standish (c. 1584-1656) foi escolhido no lugar de Smith, enquanto o capitão continuava a reclamar sobre os peregrinos e sua arrogância de sua casa na Inglaterra.
Conclusão
Smith publicou sua General History of Virginia em 1624, ainda esperando ser contratado por algum empreendimento que pudesse fazê-lo retornar à América do Norte. Até tentara retornar por conta própria em 1615, mas acabou aprisionado por piratas franceses e mantido em cativeiro até que conseguiu escapar e voltar para a Inglaterra. Na obra History, Smith defendeu a disciplina militar e a força na colonização da América do Norte, sugerindo a si mesmo como coordenador e diretor desta política.
A proposta de Smith veio em resposta ao chamado Massacre Indígena de 1622, durante o qual Opchanacanough reuniu as tribos da Confederação Powhatan para um ataque concentrado a Jamestown, matando mais de 300 colonos e iniciando a Segunda Guerra Powhatan (1622-1626). No quarto volume de seu livro, Smith oferece seus serviços à Companhia da Virgínia na esperança de resolver o problema dos “selvagens” e estabelecer a paz:
Se for do seu agrado, posso ser transportado com cem soldados e trinta marinheiros na próxima Festa de São Miguel [29 de setembro] com mantimentos, munição e, com tais provisões e com a assistência de Deus, tentaremos forçar os selvagens a deixar seu país. (491)
Ninguém aceitou a oferta de Smith, porém, e ele permaneceu na Inglaterra até morrer de causas naturais em 1631. Suas obras continuaram a ser publicadas e permaneceram entre as mais vendidas, ligando o capitão para sempre à primeira colônia inglesa bem-sucedida na América do Norte e estabelecendo-o como seu primeiro governador efetivo. Com o tempo, ele se tornou uma figura lendária para os colonizadores da Nova Inglaterra e, embora detratores continuem a criticar a veracidade de suas obras, permanece como um dos mais populares, ainda que controverso, personagens da América Colonial.