A Agricultura na Revolução Industrial Britânica

Artigo

Mark Cartwright
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 09 Março 2023
Disponível noutras línguas: Inglês, Chinês, francês, espanhol, Turco
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A agricultura, como a maior parte do mundo do trabalho, foi bastante afetada pelas máquinas inventadas durante a Revolução Industrial Britânica. Na Grã-Bretanha houve grandes avanços durante o século XVIII e este desenvolvimento liberou mais trabalhadores para as fábricas em áreas urbanas. Desde a fabricação de ferramentas com mais qualidade até as debulhadoras mecânicas, a vida no campo transformou-se numa busca sem fim pelo lucro.

Triple Plough
Arado Triplo
Scott Swigart (CC BY)

Usos da Energia a Vapor na Agricultura

No século XVIII, as atividades agrícolas em todo o mundo continuavam a usar a energia humana e os músculos animais para tornar o trabalho mais fácil e eficiente. Na Europa, e particularmente na Grã-Bretanha, o custo relativamente alto do trabalho (comparado, por exemplo, à Ásia) levou os inventores a criar máquinas que pudessem deixar a atividade agrícola mais barata e com maiores lucros, substituindo, onde possível, as tradicionais fontes de trabalho por máquinas.

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Uma mudança nos métodos agrícolas tradicionais veio com a invenção de Andrew Rodgers da máquina de joeirar (que separava o joio do trigo), na Escócia, em 1737. Por milênios, o trigo havia sido separado do joio simplesmente sendo atirado ao vento, o que fazia o joio ser soprado para longe. Este método era até efetivo, mas o vento não podia ser fraco e nem muito forte e nada se podia fazer nos dias sem vento algum. A máquina de Rodgers utilizava uma ventoinha interna capaz de separar grão, joio, poeira e palha. Inicialmente, a ventoinha funcionava por via manual, mas em breve a máquina também se beneficiaria com o acréscimo de um motor a vapor.

O censo de 1851 revelou que, pela primeira vez, mais pessoas viviam em vilas e cidades do que no campo.

As primeiras máquinas a vapor do setor agrícola foram as utilizadas nos moinhos. As rodas d'água há muito moviam as mós para a produção de farinha, mas as máquinas a vapor tornaram-se uma alternativa para as ocasiões em que o nível dos rios estivesse baixo demais. Moinhos de vento também eram comuns e o aperfeiçoamento da fabricação de peças metálicas durante a Revolução Industrial melhorou o funcionamento do mecanismo giratório das pás e do cata-vento (que garantia que as pás virassem na direção do vento), gerando uma eficiência nunca vista. A partir da década de 1860, um novo método de moer a farinha, o moinho cilíndrico, gradualmente começou a substituir os moinhos de vento após ser introduzido na Grã-Bretanha, vindo da Europa Central.

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No último quarto do século XVIII, os engenheiros aperfeiçoaram os motores a vapor, tornando-os móveis e mais eficientes em termos de gasto de combustível, o que dava condições de uso em qualquer lugar. Esta mobilidade energética foi particularmente útil para a agricultura. Em 1787, o escocês Andrew Meikle (1719-1811) inventou a primeira máquina debulhadora (que separava o grão da casca) a vapor. O equipamento utilizava um tambor com batedores para remover a casca, inicialmente movido pela força dos cavalos ou água e, então, pelo vapor. Ele aumentou muito a velocidade com a qual o grão podia ser debulhado. A invenção foi bem-sucedida no país e no estrangeiro; George Washington (1732-1799) encomendou a Meikle uma destas máquinas para sua fazenda. Outra característica da mecanização nas Américas foi a introdução de máquinas nos latifúndios, usadas, por exemplo, para esmagar cana-de-açúcar. Em 1834, nos Estados Unidos, Cyrus McCormack inventou a primeira ceifadora mecânica. A partir de então, um produtor rural precisava somente alugar uma máquina quando realmente precisava dela, talvez apenas umas poucas semanas por ano.

Mechanized Reaping Machine
Máquina Ceifadora Mecanizada
Unknown Artist (Public Domain)

As máquinas a vapor móveis foram usadas na drenagem de áreas inundadas para torná-las utilizáveis para a agricultura – uma única máquina era capaz de drenar 24 km² (6.000 acres). Valas passaram a ser escavadas usando máquinas, com a instalação posterior de tubos para melhor drenagem dos campos. Com estas obras, áreas de terras comunitárias passaram a ser reivindicadas para uso agrícola, um processo conhecido como cercamento. À medida que a tecnologia se desenvolvia, máquinas a vapor mais poderosas podiam ser trazidas para quase qualquer lugar numa fazenda para retirar raízes e sebes, tornando o processo de lavrar a terra mais fácil e eficiente. A energia a vapor passou a ser empregada também para muitas outras tarefas, como o corte de madeira.

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Produzidas em massa e com maior vida útil, as ferramentas tornaram-se mais acessíveis aos fazendeiros.

Melhores Ferramentas e Equipamentos

A agricultura continuou a representar um setor primordial em termos de emprego, mesmo após a Revolução Industrial se disseminar na Grã-Bretanha. Em 1841, “cerca de um em cinco, 22 por centro da força de trabalho, trabalhava no setor agrícola” (Shelley, 44). Mesmo que muitos destes empregos envolvessem o trabalho manual, as ferramentas utilizadas passaram a ser feitas por máquinas de precisão movidas a vapor. Uma gadanha com lâminas longas funcionava de maneira mais eficiente do que a foice tradicional. Os arados puxados por cavalos agora tinham lâminas de ferro com maior eficiência, a semeadeira contava com peças mais resistentes e as ferramentas de corte dispunham de gumes duráveis.

O arado de Rotherham foi inventado por Joseph Foljambe em 1730. Este novo tipo de arado, feito de ferro fundido, acompanhava melhor os contornos do terreno. O arado de Foljambe tornou-se tão popular que passou ser produzido em massa numa fábrica próximo de Rotherham. Como ocorria com outras ferramentas produzidas em massa durante a Revolução Industrial, Foljambe garantiu que os componentes do seu arado pudessem ser facilmente repostos quando se quebravam ou se desgastavam. Produzidas em massa e com maior vida útil, tais ferramentas tornaram-se mais acessíveis aos fazendeiros.

Horse-Powered Threshing Machine
Maquina Debulhadora Movida a Cavalos
Unknown Artist (Public Domain)

A porção científica da Revolução Industrial proporcionou grandes avanços para os agricultores. Os cientistas se interessaram pela produção agrícola e como se poderia aperfeiçoá-la, o que levou à fundação da Sociedade Agrícola Real em 1842. Joseph Henry Gilbert e John Bennet Lawes testaram extensivamente tipos de solo e de plantas no Laboratório Agrícola de Rothamstead. Os resultados destes experimentos permitiram ao laboratório produzir fertilizantes muito mais efetivos, melhorando de forma significativa as safras agrícolas a partir da década de 1860.

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Consequências

A mecanização agrícola reduziu os custos trabalhistas e também os preços dos produtos alimentícios; as pessoas passaram a se alimentar melhor, o que teve consequências imediatas na expectativa de vida, particularmente para as crianças. Com a produção agrícola tornando-se mais lucrativa, houve novos casos de cercamento, pois as pessoas iam em busca de mais riqueza. Algumas vezes, a terra acabava sendo reivindicada contra a vontade do povo local e, ainda que por força de lei o consentimento de pelo menos 80% da população fosse requerido, isso podia ser obtido caso um único grande proprietário de terras concordasse com o cercamento. Em 55 anos, de 1760 até 1815, mais de 28.300 km² (7 milhões de acres) de terra comunitária britânica foi cercada. Mais adiante, com mais terra disponível para a produção agrícola graças aos projetos de drenagem, os valores de arrendamentos dispararam, resultando na desistência de muitos produtores rurais em pequena escala, que precisaram se mudar ou tentar uma profissão diferente.

Uma reação em cadeira da industrialização ocorreu após os grandes avanços tecnológicos no transporte, especialmente as ferrovias e navios a vapor. Com as redes de transporte ficando maiores, mais densas e baratas, as mercadorias também tiveram seus preços reduzidos. Grãos mais baratos dos Estados Unidos e Canadá passaram a chegar à Grã-Bretanha. Este foi um avanço muito necessário pois, a despeito das melhorias nas safras agrícolas domésticas, elas não podiam satisfazer ao apetite de uma população crescente. Uma outra inovação tecnológica com consequências relevantes foi a invenção do transporte refrigerado, que permitia o transporte de carne para a Grã-Bretanha de locais tão distantes quanto a Argentina, Austrália e Nova Zelândia. Produzida em vastas propriedades rurais nestes países, a carne importada tinha preços menores do que a britânica. Por volta da década de 1780, a Grã-Bretanha transformou-se de exportadora de alimentos para importadora e o déficit continuou a crescer no século seguinte. Os produtos mais baratos foram um dos fatores contribuintes para a Grande Depressão na agricultura em 1873.

The First Industrial Revolution, c. 1760 - 1840
A Primeira Revolução Industrial, c. 1760 - 1840
Simeon Netchev (CC BY-NC-SA)

O censo de 1851 na Grã-Bretanha revelou que, pela primeira vez, mais pessoas viviam em povoados e cidades do que no campo. A ascensão das fábricas mecanizadas nas maiores cidades, particularmente na indústria têxtil, atraiu muitos trabalhadores agrícolas para uma vida melhor e mais estável nas áreas urbanas. O aumento da mecanização da produção agrícola e consequente redução de postos de trabalho proporcionou um incentivo adicional para estes trabalhadores. O sucesso da agricultura, que alguns denominaram como Revolução Agrícola, que precedeu e então se sobrepôs à Revolução Industrial, permitiu que o setor suportasse a redução da força de trabalho disponível. De fato, alguns historiadores argumentam que a Revolução Industrial ocorreu somente porque a agricultura se tornou tão eficiente na Grã-Bretanha. Este argumento de que a agricultura ajudou a industrialização do país a começar antes de outros locais é resumido por J. Horn:

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A agricultura representava uma enorme e contínua vantagem competitiva. Na aurora da era industrial, a produtividade por trabalhador da agricultura britânica era um terço maior do que a da França e duas vezes a da Rússia, enquanto a Europa desfrutava do dobro da produtividade de qualquer outra região do mundo. Em 1851, a produtividade dos trabalhadores britânicos havia dobrado em relação a qualquer estado europeu contemporâneo. Não somente a elevada produtividade agrícola incentivou hábitos de trabalho efetivos por toda a população, mas também liberou força de trabalho. (68)

Como em outras áreas da economia durante a Revolução Industrial, onde um setor impulsionava o outro, o sucesso da agricultura deu condições para o crescimento das fábricas mecanizadas nas cidades, o que, por sua vez, provocou um crescimento da população e, em consequência, um mercado maior para os produtos agrícolas, estimulando ainda mais a agroindústria. O historiador R. C. Allens argumenta que este último efeito foi o mais importante: “A cidade conduziu o campo - não o contrário” (58). Allen também reconhece que a maior eficiência agrícola tornou-se essencial para ajudar a alimentar as cidades em crescimento: “Em 1800 cada trabalhador agrícola inglês produzia o suficiente para sustentar dois trabalhadores nas indústrias manufatureira e de serviços” (ibid).

Houve quem repelisse as mudanças na vida rural britânica. Assim como os luditas, os trabalhadores manuais que destruíam máquinas têxteis que se apossaram de seu meio de vida nas cidades, assim, também, os trabalhadores agrícolas atacaram, por exemplo, as novas máquinas de joeirar. Um dos surtos de destruição foi particularmente intenso e ficou conhecido como os Motins de Swing (assim denominados devido ao seu líder lendário, Capitão Swing) de 1830 a 1832. Os Motins de Swing podem ter atraído a simpatia do público, mas o governo mostrou sua determinação em relação ao "progresso" e centenas de revoltosos foram presos, extraditados ou enforcados, enquanto as máquinas continuaram a chegar implacavelmente aos campos, assim como havia acontecido nas fábricas.

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Perguntas e respostas

Qual foi o impacto na agricultura durante a Revolução Industrial?

O impacto na agricultura durante a Revolução Industrial foi o uso de máquinas para economizar nos custos trabalhistas, tais como moinhos, máquinas debulhadoras e ceifadoras movidas a vapor. Os alimentos ficaram mais baratos, mas muitos empregos no setor agrícola foram perdidos e mais terra passou a ser utilizada para a agricultura.

Como a agricultura desempenhou um papel na Revolução Industrial?

A agricultura desempenhou um importante papel na Revolução Industrial porque a mecanização levou à busca de novos empregos pelos trabalhadores, tais como nas fábricas. Aperfeiçoamentos em métodos e ferramentas também levaram ao aumento da produção de alimentos, tornando-os mais baratos para uma população crescente.

Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Ricardo é um jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é autor, pesquisador, historiador e editor em tempo integral. Seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações compartilham. Ele possui mestrado em Filosofia Política e é diretor editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2023, Março 09). A Agricultura na Revolução Industrial Britânica [Agriculture in the British Industrial Revolution]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-2191/a-agricultura-na-revolucao-industrial-britanica/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "A Agricultura na Revolução Industrial Britânica." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação Março 09, 2023. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-2191/a-agricultura-na-revolucao-industrial-britanica/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "A Agricultura na Revolução Industrial Britânica." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 09 Mar 2023. Web. 20 Mai 2024.